Homem a trabalhar com computador durante a noite, com isenção de horário

Em 2025, fazer horas extra continua a ser uma realidade para milhares de trabalhadores. Mas nem todos saberão ao certo o que diz a lei, quanto se deve pagar, ou quais os limites impostos. Este é um tema que levanta dúvidas sobre direitos, deveres e até impostos. Ignorar as regras pode sair caro, tanto para trabalhadores como para empresas.

Conheça as regras previstas no Código do Trabalho, a alteração fiscal que entrou em vigor no Orçamento do Estado de 2025 e o que propõe o Governo com o regresso do banco de horas individual. Ao estar bem informado, garante que as propostas de horas extra no seu trabalho estão dentro da legalidade.

Quando são permitidas as horas extra e quais os limites legais?

Legalmente, as horas extra são designadas como trabalho suplementar. As horas extra acontecem sempre que o trabalhador presta serviço fora do seu horário normal, ou seja, para além das oito horas diárias ou das 40 horas semanais previstas no Código do Trabalho.

Só podem ser exigidas em situações excecionais, como picos temporários de atividade, motivos de força maior ou para prevenir prejuízos graves. O trabalhador deve ser informado com antecedência, salvo em casos urgentes.

A lei define limites diários e anuais para este tipo de trabalho. Durante os dias úteis, o máximo legal são duas horas extra por dia. Em dias de descanso semanal obrigatório, descanso complementar ou feriado, o número de horas suplementares não pode ultrapassar o período normal de trabalho diário. O objetivo é proteger a saúde do trabalhador e evitar abusos por parte do empregador.

No total anual, os limites também estão bem definidos: 175 horas por ano em micro e pequenas empresas, 150 horas em médias e grandes empresas e 80 horas por ano para trabalhadores a tempo parcial. Estes limites podem, no entanto, ser aumentados até às 200 horas por ano, caso exista um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que o permita. Estes valores garantem que o trabalho suplementar seja excecional e devidamente compensado.

Horas extra: Quanto é que a lei obriga a pagar?

Fazer trabalho suplementar não é o mesmo que trabalhar mais por conta própria. A lei determina valores mínimos que o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador por cada hora extra prestada. Estes montantes variam consoante o número total de horas realizadas ao longo do ano e o tipo de dia em que o trabalho é feito – se é útil, feriado ou dia de descanso.

Até às 100 horas suplementares por ano, o trabalhador tem direito a um acréscimo de 25% na primeira hora extra em dias úteis, e 37,5% nas seguintes. Se o trabalho for feito em dia de descanso semanal, complementar ou feriado, o pagamento sobe para 50% por cada hora. Mesmo com compensação em tempo, estes valores têm de ser pagos.

Se o trabalhador ultrapassar as 100 horas extra anuais, os acréscimos legais aumentam. A primeira hora extra em dias úteis passa a ser paga com 50% de acréscimo, e as seguintes com 75%. Nos dias de descanso ou feriados, o valor sobe para 100% por hora. Estes são os mínimos legais: os acordos coletivos podem prever montantes superiores. Pagar abaixo dos mínimos é ilegal e pode resultar em coimas elevadas.

Como calcular o valor das horas extra? Veja este exemplo prático

Imaginemos o João, com um salário base de 1.000 euros por mês. Considerando uma média de 176 horas por mês, a sua retribuição horária é de 5,68 euros.

Caso 1: Até 100 horas por ano

No mês de maio, fez 10 horas extra em dias úteis, divididas por cinco dias (duas horas por dia). As contas são as seguintes:

  • 5 horas (primeiras do dia) – 5,68  euros × 1,25 = 7,10 euros por hora
  • 5 horas (segundas do dia) – 5,68 euros × 1,375 = 7,81 euros por hora
    Total a receber pelas 10 horas: 74,56 euros, além do salário base.

Caso 2: Acima das 100 horas por ano:

Se João ultrapassasse as 100 horas anuais e voltasse a fazer 2 horas num dia útil:

  • 1.ª hora – 5,68 euros × 1,5 = 8,52 euros
  • 2.ª hora – 5,68 euros × 1,75 = 9,94 euros
    Total por esse dia: 18,46 euros por duas horas de trabalho suplementar.

Estes valores devem constar no recibo de vencimento e ser corretamente discriminados. A omissão no pagamento das horas extra é considerada contraordenação grave.

IRS e horas extra: Nova retenção em 2025 dá alívio fiscal

Receber por horas extra também significa pagar impostos. Mas, em 2025, o Orçamento do Estado trouxe uma novidade importante: a retenção na fonte de IRS sobre o trabalho suplementar passou a ser feita de forma autónoma e com uma taxa reduzida. A taxa reduzida aplica-se logo desde a primeira hora extra paga ou compensada.

A nova regra, prevista no artigo 99.º-C do Código do IRS, determina que a taxa de retenção aplicável às horas suplementares corresponde a 50% da taxa mensal efetiva calculada com base na remuneração regular. Ou seja, se a taxa normal de retenção do trabalhador for 6%, o valor retido sobre as horas extra será apenas 3%.

Nota: Este desconto reduzido aplica-se mesmo que o trabalhador ainda não tenha atingido as 100 horas anuais.

A medida visa aliviar a carga fiscal sobre os rendimentos extraordinários e garantir maior justiça na tributação. Na prática, o trabalhador vê mais rendimento líquido mensal. Ainda assim, o montante das horas extra continua a ser considerado para efeitos de declaração anual de IRS, podendo ter impacto no acerto de contas com o Fisco no ano seguinte.

Leia ainda: Retenção na fonte sobre trabalho suplementar: alterações e benefícios fiscais

Registo obrigatório: Só há horas extra legais se forem comprovadas

Sempre que um trabalhador faz horas extra, o empregador é legalmente obrigado a manter um registo rigoroso e atualizado. O registo deve indicar com clareza o início e fim do trabalho extra, o motivo e o descanso compensatório. Além disso, deve ser feito antes do início e logo após o fim da prestação, com visto do trabalhador, especialmente importante quando o trabalho é feito fora das instalações da empresa. Nestes casos, o registo visado pode ser enviado até 15 dias depois.

Quanto à empresa, tem de manter, durante cinco anos, uma relação nominal de todos os trabalhadores que realizaram trabalho suplementar, incluindo o número de horas prestadas e os dias de descanso atribuídos. Este registo deve estar disponível para consulta imediata e pode ser feito em suporte documental adaptado ao sistema de controlo de assiduidade existente. Sem registo, há infração grave e o trabalhador pode exigir duas horas por cada dia extra não declarado.

Posso recusar horas extra? Quando a lei permite dizer “não”

Em regra, o trabalhador é obrigado a prestar trabalho suplementar, desde que a empresa esteja perante um acréscimo temporário e excecional de atividade que não justifique a contratação de mais pessoal. A prestação também é legítima em situações de força maior ou para prevenir/preparar prejuízos graves para a viabilidade da empresa.

No entanto, o trabalhador pode recusar horas extra se apresentar motivo atendível, e este for aceite pela entidade patronal. Se o empregador obrigar à realização de horas extra fora das condições legais previstas, está a incorrer numa contraordenação muito grave.

As horas extra não podem ser regra: só são válidas em situações excecionais, com limites claros e justificação legal.

Banco de horas individual pode voltar. Mas só com acordo coletivo

O Governo quer recuperar o banco de horas individual. Mas com uma condição essencial: só poderá ser aplicado se estiver previsto numa convenção coletiva de trabalho. Fica assim afastada a possibilidade de acordo direto entre trabalhador e empregador, como acontecia até 2019.

Até então, bastava um acordo individual para prolongar o horário diário até duas horas, com um máximo de 50 horas semanais e 150 horas por ano. A compensação podia ser feita em tempo, dinheiro ou dias de férias. Agora, tudo dependerá do que for negociado entre sindicatos e entidades patronais, no âmbito da contratação coletiva.

A medida faz parte do anteprojeto “Trabalho XXI”, aprovado em Conselho de Ministros, que propõe mais de 100 alterações ao Código do Trabalho. Estão em causa mudanças profundas, como novas regras para outsourcing, serviços mínimos alargados, contratos a prazo mais flexíveis e a possibilidade de comprar dois dias de férias.

Leia ainda: Contrato de trabalho a termo: Quais os eventuais efeitos da comunicação de não renovação?

Banco de horas individual: Vantagens para empresas, riscos para trabalhadores

A reintrodução do banco de horas individual pode beneficiar as empresas. Garante flexibilidade na gestão dos horários, reduz custos e facilita a resposta a picos de produção, sobretudo em setores com variações sazonais. Mas o cenário é bem diferente para quem trabalha.

Os sindicatos já alertaram: sem salvaguardas fortes, esta medida pode abrir caminho a abusos. A ausência de proteção individual pode levar ao aumento de horas extra, com impacto negativo na saúde, na vida familiar e nos direitos laborais.

Além disso, o anteprojeto reduz o número de matérias que só podiam ser reguladas em benefício do trabalhador. Entre as mudanças mais polémicas está a retirada da proteção legal sobre o pagamento de trabalho suplementar. Ou seja, com o novo enquadramento, passa a ser possível através de convenções coletivas – definir um valor de pagamento de horas extra inferior ao previsto no Código do Trabalho. Contudo, o diploma ainda será discutido com os parceiros sociais e sujeito a aprovação parlamentar.

Até lá, mantém-se em vigor a legislação atual: as horas extra só podem ser prestadas em situações excecionais, devem ser bem compensadas, registadas e respeitar os limites legais.

Leia ainda: Isenção de Horário de Trabalho: O que é e como funciona?

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

Carreira e RendimentosRendimentos