A fatura, enquanto documento fiscal por excelência, reveste-se de um papel central no sistema tributário português, servindo simultaneamente como suporte documental das operações económicas realizadas e como instrumento de controlo fiscal.
A sua emissão, conteúdo e conservação são regulados pelo regime jurídico em vigor, sendo a observância dos requisitos legais fundamental para garantir a transparência das transações e a integridade da base tributável.
Para perceber melhor o que está em causa, analisamos três pontos essenciais:
1. Requisitos e enquadramento legal
Os requisitos das faturas encontram-se consagrados no Código do IVA, nomeadamente no artigo 36.º, e na Portaria n.º 195/2020, de 13 de agosto, que regulamenta aspetos do código Qr e do Código Único do Documento, em articulação com o Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, que estabelece as obrigações relativas ao processamento de faturas e outros documentos fiscalmente relevantes.
Nos termos do n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, a fatura deve conter, obrigatoriamente:
- A data de emissão da fatura ou, se essa data não coincidir com a da emissão, a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações;
- O número sequencial e Código Único do Documento (ATCUD), de acordo com o artigo 3.º e 4.º da Portaria n.º 195/2020, de 13 de agosto;
- Nome, firma ou denominação social, sede ou domicílio e número de identificação fiscal do prestador de serviços ou fornecedor dos bens;
- Nome, firma ou denominação social, sede ou domicílio e número de identificação fiscal do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, nos casos legalmente previstos;
- A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável;
- O preço, líquido de imposto, as taxas aplicáveis e o montante de IVA devido;
- O motivo justificativo da não aplicação do imposto, quando aplicável.
O Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro exige ainda que a fatura seja emitida por via eletrónica ou através de programa informático certificado, salvo exceções legalmente previstas, assegurando a autenticidade da sua origem, a integridade do seu conteúdo e a sua legibilidade.
Na Assembleia da República foi amplamente discutida a implementação da assinatura eletrónica qualificada, cuja inserção em documento, efetuada de maneira voluntária, assegura não apenas a sua validade probatória perante a legislação vigente, mas também a preservação da integridade dos dados.
Porém, com a aprovação da Proposta de Lei n.º 26/XVI/1 do Orçamento do Estado para 2025, estabeleceu-se que as faturas em ficheiro PDF continuam a ser aceites como faturas eletrónicas até ao fim do presente ano. Deste modo, a previsão da implementação de uma assinatura eletrónica qualificada circunscreve-se ao período temporal a iniciar no ano de 2026.
Por outro lado, conforme artigos 5.º e 6.º da Portaria n.º 195/2020, de 13 de agosto e artigo 7.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, a legislação incluiu o código QR como elemento obrigatório das faturas, permitindo aos contribuintes comunicarem a fatura à Autoridade Tributária sem necessidade de indicar o seu número de identificação fiscal no momento da compra ou prestação de serviços.
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2. A relevância dos requisitos das faturas no controlo fiscal e na segurança jurídica
Do ponto de vista fiscal, a exigência formal dos requisitos das faturas permite à Autoridade Tributária e Aduaneira exercer um controlo eficaz sobre o cumprimento das obrigações fiscais dos sujeitos passivos, sendo um instrumento fundamental no combate à evasão fiscal. Por outro lado, do ponto de vista probatório, assegura a rastreabilidade das operações económicas, conferindo segurança jurídica às relações comerciais entre os agentes económicos.
A observância rigorosa dos requisitos formais das faturas é, portanto, essencial para vários aspetos, incluindo a dedução do IVA suportado, conforme o artigo 19.º n.º 2, alínea a) do Código do IVA, sendo que apenas com faturas emitidas corretamente, os sujeitos passivos podem deduzir o IVA e considerar os encargos como custos fiscais.
Além disso, a conformidade com os requisitos formais das faturas é fundamental para a correta declaração de rendimentos no âmbito do IRC ou IRS, uma vez que faturas com erros formais ou omissões podem ser desconsideradas como custos ou perdas fiscais, o que impacta diretamente no apuramento do lucro tributável e no eventual reembolso do IRS.
A observância rigorosa destes requisitos também é indispensável para o cumprimento das obrigações contabilísticas e de arquivo documental, além de ser um instrumento essencial no combate à economia informal e à fraude fiscal.
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3. O incumprimento
O incumprimento dos requisitos legais relativos à emissão de faturas pode resultar em consequências graves, tanto de natureza administrativa quanto penal e contraordenacional.
No que diz respeito à correção da matéria tributável, a Autoridade Tributária está habilitada a proceder a correções oficiosas (internas), tanto à matéria coletável como ao IVA liquidado, o que pode resultar em um pagamento adicional de imposto e coimas.
O incumprimento pode ainda gerar gerar responsabilidade contraordenacional, uma vez que o artigo 123.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias considera infração a falta de emissão ou a emissão irregular de faturas, impondo uma coima que varia entre os 150 euros e os 3.750 euros, podendo ser agravada dependendo da gravidade da infração.
No plano penal, a falsificação de faturas, a simulação de operações ou a emissão de documentos com valores fictícios pode configurar crime de fraude fiscal, conforme o disposto no artigo 103.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, sendo punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, a depender da gravidade e da intenção dolosa do agente.
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