Moeda de um euro sobre várias notas de um dólar

Era uma vez uma moeda considerada a reserva de valor por excelência do comércio mundial. O dólar é mais do que uma moeda, é um dos mais universais meios de troca. Mas a dimensão da economia norte-americana confere-lhe uma vulnerabilidade acrescida: qualquer abalo, por mais pequeno que seja, pode ter efeitos amplificados.

Quando isto acontece, o dólar é arrastado e o euro ganha protagonismo como moeda forte.

Mas afinal, quem ganha e quem perde com o novo desequilíbrio na cotação do par EUR/USD?

Leia ainda: Dólar em queda face ao euro. O que significa para a sua carteira?

Quem ganha e quem perde?

Para percebermos melhor o impacto da desvalorização do dólar (e consequente fortalecimento do euro), vamos analisar uma situação real:

Passo 1:  Imaginemos um supermercado com dois corredores

  1. Um com produtos importados (pagos em dólares).
  2. O outro com produtos nacionais e europeus (pagos em euros).

Passo 2: Dois Consumidores, duas moedas

  1. No “corredor americano” um consumidor europeu faz compras com 200 euros na carteira.
  2. No “corredor europeu” um consumidor norte-americano faz compras com 200 dólares na carteira.

Cenário 1: Dólar desce

Para o consumidor europeu, encher o carrinho é mais barato no “corredor americano”, ou seja, o dos produtos importados em dólares.

Cenário 2: Euro sobe

Já o consumidor norte-americano, que se encontra no “corredor europeu”, provavelmente fica a “meio-carrinho” com os 200 dólares que tem na carteira.

Afinal, quem ganha e quem perde?

O consumidor europeu tem direito a uma “promoção cambial” imediata e consegue fazer mais compras com cada um dos 200 dólares que leva na carteira. Sobretudo em produtos importados, como produtos alimentares, eletrónica, vales de combustíveis ou pacotes de viagens para os EUA (imaginando que estes existem num supermercado…).

Já o consumidor norte-americano começa logo a perder poder de compra assim que entra no supermercado. Ao contrário do europeu, por cada um dos 200 dólares que tem na carteira compra muito menos produtos em euros.

Então, é uma boa notícia para os consumidores europeus?

A resposta é: depende.

Em economia não há boas nem más notícias, só notícias… porque elas dependem da perspetiva. Senão vejamos:

Se analisarmos o efeito que o comportamento dos dois consumidores tem nas empresas que fornecem os produtos que estão nestas prateleiras percebemos que a análise é mais complexa.

Exportações europeias ameaçadas

Para as empresas europeias que vendem os produtos no corredor americano (exportações), estes artigos ficam mais caros para quem paga em dólares, por isso vendem menos.

Neste caso, os clientes americanos veem uma etiqueta de preço inflacionada e acabam por levar menos produtos para casa.

O que pode penalizar as exportações europeias e, em última análise, travar o crescimento económico, sobretudo em economias fortemente orientadas para o exterior, como a alemã ou a portuguesa.

Turismo afetado

O turismo também pode ser afetado. Um euro forte encarece as viagens para os turistas norte-americanos, tornando os destinos europeus menos atrativos.

Em países como Portugal, onde o turismo representa uma fatia significativa do PIB, os efeitos podem ser reais.

Leia ainda: Euro a caminho de valer tanto (ou menos) que 1 dólar. Como mexe na carteira?

Em resumo…

Quando o euro está forte:

  • Consumidor europeu: beneficia. Importa mais barato.
  • Empresas exportadoras europeias: perdem. Vendem menos no exterior.
  • Turismo europeu: menos atrativo para estrangeiros.

Quando o dólar está fraco:

  • Consumidor americano: perde poder de compra ao importar.
  • Empresas americanas: ganham competitividade no exterior.

E os juros? O dilema do BCE

Um euro mais forte pode fazer abrandar a inflação: se um euro compra mais dólares, os bens importados ficam mais baratos. E se esta questão pode até ser vista como positiva, é preciso ter em consideração que o Banco Central Europeu não quer que a inflação suba, mas também não quer que desça abaixo dos 2%.

Acresce a este cenário que a menor competitividade das empresas europeias quando exportam pode levar a uma quebra de encomendas para o estrangeiro e a um abrandamento económico.

Logo, tendencialmente haverá menor pressão para manter as taxas elevadas ou para fazer subidas dos juros. O ideal é que o equilíbrio impere, sendo esta uma missão muito desafiante.

Nota importante: O fator cambial é importante para determinar a inflação dos bens transacionáveis, mas não é o único fator a determinar o valor da inflação na Zona Euro. Há ainda que contar com a política orçamental dos países, a política salarial e a evolução dos preços dos serviços.

Aliás, para o BCE, é mais relevante acompanhar a evolução da inflação subjacente, que exclui os preços dos alimentos e da energia, para calcular a rota da política monetária.

Voltando aos corredores do supermercado

Se por um lado os consumidores europeus têm uma primeira boa notícia, conseguindo comprar uma maior quantidade de bens, por outro, as empresas com produtos no “corredor americano” conseguem vender mais, já as empresas no “corredor europeu” têm maior dificuldade em escoar os produtos nas prateleiras.

No final do dia, estas oscilações podem ter um impacto na economia e na capacidade produtiva das empresas com um potencial significativo na vida da população.

Moral da história

Não há finais felizes em economia… é como na vida, tudo depende da perspetiva.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

Finanças pessoaisTaxas de Juro