Casas de investimento e mercado apontam para o que parece inevitável: que um euro valha tanto como um dólar, ou até menos, no caso dos analistas e investidores mais pessimistas. As diferenças dos quadros económicos da Zona Euro e dos EUA, aliados à arritmia entre Banco Central Europeu (BCE) e Reserva Federal (Fed) norte-americana no novo ciclo de corte de juros são apontadas como as principais razões para dar força ao dólar, e, portanto, enfraquecer o seu par, a moeda única.
Nos últimos 12 meses, o euro afundou mais de 3% face ao dólar, estando atualmente a negociar na fasquia dos 1,04 dólares. Ainda assim, desde o início do ano, a moeda única já registou uma recuperação de 0,99%, depois de a 13 de janeiro ter derrapado para mínimos de 1,0178 dólares, o valor mais baixo desde 12 de novembro de 2022.
O Goldman Sachs, um dos nomes sonantes da banca de investimento nos EUA, é um exemplo das casas de investimento que apontam para que a derrapagem da moeda única não fique por aqui. "Esperamos que o dólar suba cerca de 5% este ano com a implementação de novas tarifas alfandegárias e um desempenho superior contínuo dos EUA", escreve a equipa de analistas da instituição, liderados por Kamakshya Trivedi, numa nota de "research", citada pelo Negócios.
Mas a equipa de analistas do gigante de Wall Street é apenas um exemplo. Numa sondagem levada a cabo pela agência Reuters, 24 dos 38 analistas inquiridos defenderam que o euro deverá cair para a paridade com o dólar este ano. Mas se este prognóstico se cumprir, qual poderá ser o impacto na sua carteira? A resposta a esta questão tem múltiplas faces.
Das férias ao carro: O impacto na sua carteira
Já deve ter ouvido a expressão “o dinheiro está mais caro”. A realidade é que quando uma moeda deprecia face a outra, significa que comprar numa moeda é mais caro enquanto no seu par, neste caso o euro, é mais barato. Este fenómeno gera um impacto direto e indireto na sua carteira.
Assim, o exemplo mais prático são as férias. Viajar para os EUA, ou para o país em que o dólar seja a moeda dominante ficará mais caro para quem viva na Europa, já que será mais caro trocar euros por dólares.
Mas o problema não fica por aqui. Importar bens dos EUA também passa a ficar mais caro, assim como vários produtos denominados em dólares ou cuja composição ou preço seja influenciado pela cotação de outros bens também ele denominado em dólares. O caso paradigmático são os combustíveis.
A fatura a pagar por abastecer gasóleo e gasolina é influenciado pela cotação destes produtos refinados no mercado internacional, cujo preço está amplamente ligado ao desempenho do petróleo, denominado em dólares.
Também a própria taxa de câmbio entre euro e dólar acaba por pesar no preço final pago pelo consumidor nas bombas de gasolina, que com um dólar mais forte, será muito provavelmente mais elevado.
Pense ainda em outras matérias-primas como o ouro. Se bem que neste caso (ainda que esta não seja uma regra absoluta – como nada o é nos mercados financeiros) o efeito é diferente. A onça é denominada também pelo “green cash”, o que significa que o investimento se torna menos atrativo para quem negoceia com outras moedas.
Assim, em teoria a força do dólar pode vir a pressionar o metal amarelo, que tem vindo a bater novos recordes, o que acaba por se refletir nos preços das joias à grama, em ourivesarias, por exemplo.
Em termos de efeitos indiretos existe sempre o perigo de um euro mais fraco com importações em dólares mais caras provocar mais inflação e por isso uma subida generalizada dos preços. O aviso foi deixado pela própria Isabel Schnabel, membro da Comissão Executiva do BCE, que antecipou que "depreciação material" da taxa de câmbio do euro teria um impacto sobre a inflação.
Um exemplo é o setor automóvel. Os veículos adquiridos nos EUA de marcas, como a Ford, são comprados em dólares, sendo vendidos pelas concessionárias em euros. Ora, na hora de decidir o preço que será pago pelo cliente final, as diferenças da taxa de câmbio devem ser incorporadas e estando o dólar mais caro, o automóvel importado dos Estados Unidos também o será.
Segundo os dados mais recentes, o que Portugal mais importa dos EUA são combustíveis minerais (56,4% em 2023), as máquinas e aparelhos (8,4%), os produtos agrícolas (7,7%). Isto significa assim, que a longo prazo tal pode significar, por exemplo, o aumento dos preços cobrados pelos fornecedores dos supermercados em frutas e legumes, pelo que, cumprindo a velha máxima de que "não há almoços grátis", significa que este aumento vai também refletir-se na fatura paga na caixa do supermercado por si.
BCE e Fed não estão a dançar a mesma música
Assim como aconteceu em 2022, quando o a moeda única chegou mesmo a valer menos de um dólar, a diferença no compasso dos bancos centrais é uma das principais razões para esta subida do dólar. Depois de ter começado a cortar a taxa dos fundos federais nos EUA, a Fed prefere agora jogar pelo seguro e optar pela cautela, ou seja, o banco central está mais inclinado para manter os juros diretores no atual intervalo entre 4,25% e 4,5%.
A razão é simples: garantir que a inflação desce de forma sustentável até à meta do banco central, ou seja, dos 2%. Esta abordagem consta das atas que transcreveram para o papel o último encontro da autoridade monetária liderada por Jerome Powell. O próprio mercado já incorporou nos preços esta possibilidade e vê entre apenas uma a duas reduções da taxa dos fundos federais.
Já do lado de cá do Atlântico, a perspetiva é mais otimista. Depois de cinco cortes das taxas de juro, o mercado aponta para que o BCE reduza a taxa aplicada aos depósitos em 100 pontos base este ano, de acordo com a análise da Morningstar e que já inclui o corte de 25 pontos base decidido pela autoridade monetária liderada por Christine Lagarde no final de janeiro.
Ora, tendo em conta que a subida dos juros e a sustentação do mesmo em níveis restritivos (considerados elevados o suficiente para combater a inflação) tende a suportar a moeda da jurisdição do banco central, significa que com menos cortes nos EUA, o dólar sai mais forte este ano, pressionando o euro, que por si já irá “sofrer” com cortes sucessivos na taxa de juro diretora do bloco.
Preocupação na Europa contrasta com otimismo nos EUA
Além disso, é preciso ter em conta, que do lado dos EUA, a procura por ativos denominados na divisa norte-americana tem crescido com as expectativas de que as políticas do governo de Donald Trump estimulem o crescimento económico e os lucros das empresas no país, como nota a Bloomberg.
Já do lado da Europa, a expectativa dá lugar à preocupação, com os investidores a focarem-se na incerteza política em França e na Alemanha - as duas maiores economias da UE – o que aumentou os riscos de investir nesses países e tornou mais difícil para seus governos problemas estruturais que impedem o crescimento económico.
O BCE pode intervir?
Foram muito poucas as vezes que o Banco Central Europeu (BCE) interveio no mercado cambial. A mais memorável aconteceu em 2011, quando várias economias do G7 apostaram num esforço conjunto, tendo em vista a desvalorização do iene, a moeda do Japão.
Ao contrário de alguns bancos centrais, como o nipónico e o chinês, o BCE no seu mandato – ou seja nas suas atribuições consagradas pelo tratado - não tem como meta definir uma taxa de câmbio considerada razoável. Aliás, o único mandato da instituição, atualmente liderada por Christine Lagarde, é de apenas garantir a estabilidade dos preços. Os mandatos variam de banco central para banco central. Por exemplo, no caso Fed as atribuições são duplas: combater a inflação e assegurar o pleno emprego.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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