Durante décadas, acreditámos que a recuperação económica era linear: a economia caía e, mais cedo ou mais tarde, voltava a subir, beneficiando todos de forma semelhante. Mas os últimos anos mostraram que esta visão já não explica a realidade. Surge, assim, o conceito de economia em forma de K, que traduz uma verdade incómoda: diferentes grupos evoluem a ritmos opostos – uns sobem, outros descem.

A metáfora é clara. Na letra K, um braço aponta para cima: profissionais qualificados, famílias com património, quem aproveitou a digitalização e a valorização de ativos. No outro braço, para baixo, estão trabalhadores precários, setores pressionados pela inflação, famílias com crédito variável e sem margem para absorver custos crescentes. A economia pode crescer nos indicadores, mas não para todos.

A inflação e a subida das taxas de juro acentuaram esta divergência. Quem tem poupanças beneficia de juros mais altos; quem depende do crédito vê prestações disparar. Uns reforçam estabilidade, outros apertam o orçamento. Este fenómeno não é apenas económico, é social. Quando a recuperação é desigual, aumentam as desigualdades, a mobilidade social diminui e a insegurança financeira agrava-se.

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Como nos podemos posicionar neste contexto?

Não controlamos o cenário macroeconómico, mas podemos agir. Reforçar um fundo de emergência (equivalente a 3 a 6 meses de despesas fixas) é essencial para evitar recorrer a crédito em momentos críticos. Rever condições do crédito habitação – negociar spread, transferir ou fixar taxa – pode gerar poupanças relevantes. Evitar novas dívidas sem planeamento é outra regra de ouro.

Mais do que isso, é urgente investir em literacia financeira: compreender inflação, juros compostos, diversificação. As decisões devem basear-se em números, não em emoções: orçamento, acompanhamento de despesas e objetivos claros. Diversificar rendimentos, através de formação ou projetos paralelos, aumenta a resiliência.

A economia pode estar em forma de K, mas a vida financeira não tem de seguir o mesmo padrão. Cada família pode construir a sua trajetória com escolhas informadas, disciplina e visão de futuro. O primeiro passo? Reconhecer em que braço da letra K estamos e agir. Porque, independentemente do formato da economia, o nosso equilíbrio financeiro escreve-se todos os meses, com decisões conscientes.

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