Há 15 anos que a poupança dos portugueses não era tão baixa

A taxa de poupança dos portugueses está há dois trimestres abaixo de 6%. Inflação alta e subida de juros devem travar uma recuperação.

A subida rápida das taxas de juro e a persistência da inflação em níveis elevados está a penalizar fortemente os orçamentos das famílias, dificultando ainda mais a capacidade para colocarem dinheiro de parte todos os meses para fazer face às despesas, como a fatura do supermercado ou a prestação do crédito da casa.

Esta evidência é facilmente percetível na análise à evolução da poupança das famílias nos últimos trimestres, que denota uma tendência claramente descendente, situando-se já nos níveis mais baixos desde a crise financeira de 2008 que colocou a economia mundial numa forte recessão.

A taxa de poupança das famílias recuou para um mínimo de 15 anos no primeiro trimestre deste ano (5,3%), tendo recuperado ligeiramente para 5,7% no segundo trimestre. Ainda assim, desde 2008 que não persistia abaixo de 6% durante dois trimestres consecutivos, o que compara de forma bastante desfavorável com a média história deste século (9,3%).

A poupança bruta das famílias é calculada pela subtração das despesas de consumo final ao valor do rendimento disponível bruto, sendo ainda necessário efetuar um ajustamento para refletir a variação da participação líquida das famílias nos fundos de pensões. Dito de outra forma, representa o valor que as famílias conseguem guardar com os rendimentos que auferem, depois de pagarem todas as despesas. A taxa de poupança representa o peso da  poupança bruta no rendimento disponível bruto.   

Analisando os valores brutos é ainda mais evidente a deterioração da capacidade de poupança das famílias portuguesas. Nos 12 meses terminados em junho deste ano, os portuguesas conseguiram poupar 9,7 mil milhões de euros, um valor que representa uma queda assinável de 16% face ao que se verificava em junho do ano passado. E ainda mais acentuada (40%) comparando com todo o ano de 2021.

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Poupar mais nos tempos difíceis

A tendência de descida rápida da poupança é mais preocupante tendo em conta que já se situa em níveis historicamente baixos, sobretudo comparando com a média europeia (bem acima de 10%). Acresce que os portugueses só reforçam a poupança nas alturas em que se vivem momentos económicos difíceis.

Esta tendência é bem evidente no gráfico em cima e no que aconteceu durante a pandemia. A economia entrou em queda livre em 2020, levando a taxa de poupança a quase duplicar para 13,8%, um máximo de quase 20 anos. Assim que a economia começou a recuperar (e as restrições a diminuírem), a poupança entrou em queda livre, recuando para menos de metade até aos níveis atuais.

A especificidade da pandemia ajuda a explicar esta tendência, pois os consumidores estavam confinados em casa e sem opções onde gastar o dinheiro. Mas a análise a períodos anteriores confirma que as famílias têm um comportamento a fazer lembrar a cigarra na fábula com a formiga, poupando menos nos tempos de bonança e enfrentando as consequências nas alturas mais difíceis.

Na crise financeira de 2008, marcada pelo colapso do Lehman Brothers e outros bancos mundiais, as famílias portuguesas reforçaram fortemente os níveis de poupança apesar da quebra da atividade económica. Quando a economia começou a recuperar, os níveis de poupança voltaram a descer. A inversão de tendência só se verificou quando Portugal solicitou assistência financeira externa em 2011, com a taxa de poupança a regressar aos dois dígitos apesar da recessão de mais de dois anos que assolou a economia durante a intervenção da troika.

Este fenómeno, que está longe de ser um exclusivo das famílias portuguesas, é explicado pelas finanças comportamentais. Os consumidores redobram a cautela nas alturas de debilidade económica devido à incerteza com o futuro. Refreiam a aquisição de bens correntes, travam o consumo discricionário, como lazer e turismo, e adiam compras de bens duradouros, como automóveis e artigos para o lar.

Apesar de ser um procedimento que pode ser considerado racional, faria mais sentido as famílias pouparem mais nas alturas positivas para conseguirem manter os níveis de consumo nos tempos difíceis. Os comportamentos demoram tempo a alterar, sobretudo ao nível da gestão das finanças pessoais, mas a evidência dos dados históricos deve servir de alerta para que as famílias possam mudar os seus padrões de consumo e poupança consoante o ciclo da atividade económica.

Consumo cresce menos do que rendimentos

Os dados publicados pelo INE validam a ideia de que a redução da taxa de poupança nos últimos trimestres está relacionada com níveis de consumo mais fortes. Desde o segundo trimestre de 2021 que as despesas de consumo final registaram taxas de crescimento superiores à evolução dos rendimentos, o que ditou a redução do volume das poupanças.

Esta situação inverteu-se no segundo trimestre, com o consumo a crescer apenas 1,6% (mínimo de sete trimestres) num período em que os rendimentos subiram 1,9%. Um sinal de que as famílias estão a travar mais os gastos numa altura em que a economia nacional está a abrandar de forma mais intensa. O PIB cresceu 2,3% em termos homólogos no segundo trimestre (taxa mais baixa desde o primeiro trimestre de 2021), tendo mesmo estagnado face aos primeiros três meses do ano.

A inflação elevada não é a única culpada por este abrandamento do consumo das famílias. Ainda segundo dados do INE, o rendimento disponível bruto ajustado per capita em termos reais aumentou 0,4% no segundo trimestre de 2023, recuperando da queda de 0,5% no trimestre anterior. Já o consumo final per capita (também descontado da inflação) aumentou 0,3% no segundo trimestre de 2023, metade da taxa de crescimento do trimestre anterior (0,6%).

Se as famílias continuarem a travar o consumo, é expectável um abrandamento mais acentuado da economia portuguesa nos próximos trimestres, em linha com o que são as estimativas atuais para a economia europeia. Tendo em conta que a política monetária demora a produzir efeitos e o BCE já avisou que os juros vão continuar elevados em 2024, as perspetivas são sombrias e muitos economistas estão a contar com uma recessão no bloco dos países que partilham o euro.

No relatório publicado recentemente sobre a economia portuguesa, o Conselho de Finanças Públicas projeta uma “nova desaceleração no ritmo de crescimento do consumo privado”, em reação a “uma nova subida esperada nas taxas de juro, que continuará a restringir fortemente as decisões de consumo das famílias”.

No que diz respeito ao rendimento das famílias, o Conselho de Finanças Públicas estima uma desaceleração este ano, o que “deverá traduzir-se numa redução da taxa de poupança, que já atingira níveis historicamente baixos em 2022, marcando o esgotamento das poupanças acumuladas no processo de recuperação pós-pandemia”.

Apesar de se adivinharem tempos económicos mais difíceis, as perspetivas para a recuperação da poupança dos portugueses não são nada favoráveis, num contexto em que a inflação elevada e os juros altos continuarão a penalizar o poder de compra das famílias.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

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