Prepare-se para um planalto nos juros da Zona Euro

O BCE pode não voltar a subir os juros, mas a descida não acontecerá tão cedo, o que ditará novos aumentos nas prestações de crédito.

O Banco Central Europeu (BCE) tem sido uma fonte de más notícias para as famílias portuguesas, com as decisões adotadas pela autoridade monetária a traduzirem-se num agravamento substancial das prestações do crédito à habitação.

A reunião de 14 de setembro não fugiu à norma. O banco central surpreendeu com um novo aumento de 25 pontos base, que colocou a taxa dos depósitos no nível mais elevado desde a criação do euro (4%). O BCE deu um sinal forte de que não deverá voltar a subir os juros, considerando que estão no nível adequado para combater a inflação. Mas também avisou que não será tão cedo que vai começar a reduzir as taxas de juro.

Ou seja, nem tudo foram más notícias, mas ficou evidente que 2024 será mais um ano em que o preço do dinheiro continuará em níveis muito acima do que os portugueses estão habituados nos últimos anos.

Desde junho de 2022, o BCE subiu os juros por dez vezes, num total de 450 pontos base (4,5 pontos percentuais). Depois desta escalada da montanha nos juros, as famílias devem preparar-se para um planalto, em que as taxas vão permanecer junto aos 4% por largos meses.

Como é muito habitual nos mercados, a mensagem que o BCE transmitiu na última reunião foi recebida com otimismo, levando os investidores a especularem que o corte de juros estaria para breve. Os responsáveis do banco central apressaram-se a corrigir estas expectativas, reforçando que será necessário manter os juros por níveis restritivos por mais tempo, com alguns até a admitirem um agravamento adicional se os dados da inflação surpreenderem pela negativa.

Após a reunião do BCE, os investidores apontaram para o primeiro corte de juros entre março e junho. Christine Lagarde (presidente), Luis de Guindos (vice-presidente) e diversos governadores de bancos centrais de países da Zona Euro vieram entretanto avisar que este cenário não corresponde à realidade tendo em conta os dados atuais.

O FMI e a OCDE já aconselharam o BCE a não equacionar cortes de juros em 2024 e muitos economistas alinham nesta narrativa de que não há margem para inverter a política monetária a curto prazo. Contudo, como se tem comprovado nos últimos meses, as expectativas mudam de forma rápida.

Outros bancos centrais também devem optar pela mesma estratégia, sinalizando o pico nos juros ao mesmo tempo que descartam cortes nos próximos tempos. A Fed manteve a taxa de referência em 5,25%-5,5%, mas reduziu substancialmente os cortes previstos em 2024. As autoridades monetárias da Suécia e Noruega efetuaram aquele que terá sido o último aumento do atual ciclo. Já o Banco de Inglaterra e o banco central da Suíça surpreenderam com a manutenção dos juros, mas assinalaram que pretendem manter a política monetária restritiva por um período longo.

Inflação e recessão

O BCE suportou a decisão de subir os juros este mês com a revisão em alta da estimativa para a inflação em 2024. O staff do banco central aponta para valores acima de 3% no próximo ano, não deixando margem para complacências por parte do Conselho do BCE, o órgão da autoridade monetária que fixa as taxas de juro.

O índice de preços no consumidor da Zona Euro subiu 5,3% em julho, metade do máximo registado em outubro de 2022 (10,6%), mas em agosto baixou apenas uma décima. Já a inflação subjacente, que exclui alimentos e energia, desceu apenas duas décimas para 5,3%, permanecendo encostada ao recorde de março (5,7%).

Para agravar o cenário para a evolução dos preços que são pagos pelos consumidores, o petróleo encetou uma trajetória de alta acentuada que ameaça travar a tendência de alívio da inflação. O Brent, que é transacionado em Londres e serve de referência para Portugal, atingiu um máximo de 10 meses acima dos 95 dólares por barril e já acumula uma valorização superior a 30% face aos mínimos de março.

Tendo em conta os cortes de produção da Arábia Saudita e Rússia, bem como a pressão na procura da matéria-prima, os analistas consideram ser uma questão de tempo até o barril de petróleo regressar aos três dígitos, o que promete complicar ainda mais a tarefa dos bancos centrais em controlar a inflação. 

No outro prato da balança estão os indicadores que apontam para uma deterioração da atividade económica na Zona Euro e que também estão evidentes nas novas previsões do BCE. O staff do banco central vê o PIB dos países que utilizam o euro a crescer apenas 0,7% este ano (em junho previa 1,5%) e 1% em 2024.

A Alemanha é a principal responsável por este cenário mais sombrio para a Zona Euro, pois a maior economia da região não deverá escapar a uma recessão já este ano, arrastando os países vizinhos. As últimas projeções publicadas pela OCDE colocam a Alemanha como o único país do G20 (a par da Argentina) a sofrer uma queda do PIB em 2023.  

Agora que sinalizou uma pausa nos juros, nas decisões que adotará nas próximas reuniões, o BCE terá de atribuir um maior equilíbrio na avaliação entre os riscos de a inflação não baixar para a meta desejada e a economia sofrer um impacto com taxas de juro mais elevadas do que o necessário. Ainda assim, o foco continuará na inflação, pelo que, enquanto os preços não aliviarem de forma evidente, não é expectável que o BCE comece a reduzir as taxas de juro

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Prestações do crédito ainda vão subir

Tendo em conta este cenário, mesmo que o BCE não volte a subir os juros, as famílias devem contar com mais agravamentos das prestações do crédito. Mesmo que os aumentos sejam mais contidos do que nos últimos meses, os efeitos do combate à inflação vão continuar a pesar nas finanças das famílias ao longo de 2024.

Já depois da última reunião do BCE, as taxas Euribor atingiram novos máximos de 2008, refletindo este cenário de manutenção dos juros por mais tempo. Os indexantes nos prazos a 12 e seis meses já estão acima dos 4%, enquanto na maturidade a três meses está muito perto desta fasquia.

Um crédito de 200 mil euros indexado à Euribor a 12 meses, com spread de 1% e prazo de 30 anos, que seja revisto em outubro, está a pagar uma prestação em redor de 830 euros. O aumento será de 33% para cerca de 1.100 euros, pois irá refletir o aumento das taxas ao longo do último ano. A boa notícia é que na revisão em 2024 a prestação já poderá ser inferior.

Quem tem o crédito indexado a taxas com maturidades mais curtas também vai sofrer um agravamento nas prestações, embora de forma menos intensa. Um empréstimo com revisões a cada seis meses sofrerá em outubro um agravamento de cerca de 10% na prestação. Créditos indexados à Euribor a 3 meses podem ver a prestação a subir 7%, sendo provável que não seja o último agravamento do atual ciclo.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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