A evolução dos preços das casas em Portugal

É preciso analisarmos com algum detalhe os dados dos preços das casas em Portugal. Qual o efeito da inflação e da subida de juros?

O Instituto Nacional de Estatística (INE) acabou de publicar o Índice de Preços de Habitação relativo ao segundo trimestre de 2023. Mas antes até de referir os dados com maior destaque e falar sobre cada um deles, é importante lembrar que este estudo do INE em particular, nos permite essencialmente formular observações gerais sobre o mercado imobiliário nacional, ou algumas das suas regiões. O que sendo relevante, pode carecer de aplicação a contextos particulares.

Mesmo num país pequeno como Portugal, há uma heterogeneidade muito acentuada dentro de um mesmo distrito, concelho e até freguesia. Se me permitem um exemplo em parâmetros lisboetas: a variação dos preços em Alcântara pode ser muito diferente daquilo que se verifica em Arroios. Mas, mesmo dentro dos limites geográficos de Arroios (como em boa parte das 24 freguesias da capital), há espaços e dinâmicas distintas.

Com esta ressalva feita, passo a enunciar os dados mais relevantes deste estudo e a comentar cada um deles.

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Queda nas vendas

Os dados mostram uma diminuição de 22,9% no número de vendas face ao trimestre homólogo. Ou seja, foram transacionadas menos 9.983 casas do que no segundo trimestre de 2022.

Este é o quarto trimestre sucessivo em que se verifica uma redução do número de vendas face ao período homólogo. E se no terceiro trimestre de 2022 essa variação negativa foi apenas de 2,82% (menos 1.224 casas), ela já havia sido de 16,04% (menos 7.359 casas) no quarto trimestre de 2022, e de 20,79% (menos 9.051 casas) nos primeiros três meses de 2023.

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Aumento de preços das casas

O Índice de Preços da Habitação subiu em 8,7% face ao segundo trimestre de 2022, a mesma que se havia registado no último trimestre.

Analisando a variação homóloga média dos quatro trimestres de 2022 observamos um aumento de 12,6% dos preços das casas. Ou seja, nos dois últimos trimestres, a valorização anual das casas aconteceu a um ritmo mais demorado do que nos quatro períodos imediatamente precedentes.

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Subida trimestral de preços acelera

No período em análise, houve uma subida de 3,1% dos preços das casas face ao trimestre anterior que, por sua vez, havia aumentado somente 1,3% e 1,1% nos dois trimestres imediatamente anteriores.

O aumento significativo da variação trimestral dos preços da habitação pode sugerir que as casas estão a retomar uma valorização mais significativa (o que, não deixa de ser interessante apontar, contrasta com a interpretação que o indicador anterior poderia sugerir).

Afinal que análise podemos fazer destes dados?

Tradicionalmente, a variação do número e valor de transações que um mercado gera, costuma definir o quão aliciante é, num dado sítio e momento, investir em imóveis.

O número de transações continua a descer. Em parte, pelo contexto inflacionista, que é responsável pela retração da poupança e do rendimento disponível. Mas também porque estamos num país em que cerca de 70% das transações imobiliárias estão associadas a hipotecas, e mais de 90% das mesmas foram contratadas a uma taxa variável. A subida acentuada das taxas de juro acaba por influenciar a dinâmica do mercado imobiliário.

É importante perceber que, após uma conversa com o seu gestor bancário ou intermediário de crédito, algumas famílias perceberam que teriam de se focar em imóveis de valores 20% ou 30% inferiores àqueles que achavam que poderiam comprar 10 ou 11 meses antes.

Sendo que, para agravar esta quebra da capacidade aquisitiva, os preços, ainda que tendo registado um ligeiro abrandamento, continuam a aumentar. E note-se: o ritmo de valorização das casas tem vindo a acontecer acima dos valores da inflação.

Ou seja, em Portugal a valorização das casas continua a acontecer a um ritmo superior ao da subida de preço da grande maioria dos bens. O que, num contexto desafiante (a subida das taxas de juro aumenta o custo do crédito, com expectáveis impactos negativos na procura e nos preços dos imóveis), parece dar razão àqueles que continuam a achar que o imóvel de segmento residencial é um bom investimento no nosso país. Como àqueles que continuam a achar que a habitação é um dos maiores desafios de Portugal e do Continente Europeu.

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Mas não há variáveis que contrariem a valorização dos ativos residenciais? Não se pode dizer que o impacto que a subida das taxas de juro tem na prestação das casas de tantas famílias não ameaça a valorização das mesmas. É normal que alguém que incumpra (ou perspetive incumprir) uma prestação ao banco considere vender a casa. E, a acontecer, é possível e provável que essa pessoa não seja o mais paciente dos vendedores.

Por outro lado, é evidente o esforço do Governo em evitar incumprimentos: depois da obrigatoriedade dos bancos apresentarem soluções para reduzir a prestação dos clientes, cuja taxa de esforço ultrapassou os 36% (em créditos até 250.000 euros), foi agora apresentado o desconto (a começar a ser reembolsado quatro anos depois) do pagamento de 30% do valor da Euribor.

Mas, quando analiso tudo isto, sabe em que penso? Que a situação atual nem sempre é descrita da forma mais adequada.

O que vivemos hoje em Portugal não parece ser, objetivamente falando, uma crise imobiliária. Pelo menos no segmento residencial. Porquê? Porque os ativos (as casas) se valorizam consistentemente a um ritmo superior aos demais bens. Mas não há qualquer dúvida de que vivemos algo tão ou mais preocupante: uma crise no acesso à habitação.

E porque é que é tão importante falar nisto? Porque a designação com que batizamos um dado assunto ou problema influencia a forma como o pensamos e comunicamos. Assim como a ação que incide sobre ele, seja ela no campo social, fiscal ou político. Porque a ação política se preocupa com o que pensam as pessoas. E o que as pessoas pensam é, por sua vez, influenciado pelo discurso dos media.

É precisamente por isso que é tão importante haver um discurso informado.

Consultor imobiliário na KW e especialista no mercado residencial da Grande Lisboa, é autor do blogue A House in Lisbon e da série Minuto Imobiliário. Nascido em Lisboa e formado em Sociologia, foi gestor no BES, assinou o blogue O Alfaiate Lisboeta, e foi cronista no Dinheiro Vivo, Expresso, Metro e GQ.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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