Se herdou um imóvel em conjunto com irmãos ou outros herdeiros e, mais tarde, vendeu a sua parte (o chamado quinhão hereditário), pode ter pago imposto indevidamente. Durante anos, a Autoridade Tributária (AT) considerou que estas transações geravam mais-valias sujeitas a IRS. Mas isso mudou.
Um recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) veio travar a cobrança de mais-valias sobre a venda de quinhões hereditários. Se pagou IRS por este motivo nos últimos quatro anos, tem agora a oportunidade de recuperar o dinheiro. E, em alguns casos, pode estar em causa uma quantia significativa.
O que é, afinal, um quinhão hereditário?
Quando alguém morre e deixa bens para os seus herdeiros, esses bens ficam em regime de herança indivisa. Cada herdeiro tem direito a uma parte ou quinhão da totalidade do património. Não é uma divisão física: é uma quota abstrata dos bens da herança.
Por exemplo, se três irmãos herdarem uma casa, cada um detém um terço do imóvel. Se um deles quiser ficar com o bem, pode comprar a parte dos outros, pagando as chamadas tornas. Até aqui tudo simples. O problema surgia quando essa compra era considerada pela Autoridade Tributária como uma venda de imóvel, sujeita a mais-valias em sede de IRS.
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Supremo diz que não há lugar a mais-valias
O acórdão n.º 7/2025, proferido a 4 de junho pelo Supremo Tribunal Administrativo, veio uniformizar a jurisprudência: a alienação de um quinhão hereditário não configura uma venda de direito real sobre imóvel. Ou seja, não gera mais-valias, e como tal não deve ser tributada em IRS.
Assim, a decisão põe fim a anos de interpretações da Autoridade Tributária que resultaram em cobrança de imposto a milhares de contribuintes. E, mais importante ainda, abre a porta à devolução de impostos já pagos.
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Quem pagou mais-valias sobre um quinhão hereditário pode pedir o dinheiro de volta
A boa notícia é que esta decisão também se aplica a situações passadas. Se declarou a venda de um quinhão hereditário e pagou IRS sobre eventuais mais-valias nos últimos quatro anos, pode apresentar uma reclamação graciosa ou pedir uma revisão oficiosa no Portal das Finanças.
Deve invocar o acórdão n.º 7/2025 do STA. A Autoridade Tributária ainda não divulgou orientações formais, mas segundo Paula Franco, bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, os serviços já começaram a aceitar estes pedidos. Em muitos casos, nem é preciso ir a tribunal.
Como recuperar o imposto? Conheça o passo a passo
- Reúna os documentos. Precisa da nota de liquidação do IRS e comprovativo de pagamento.
- Submeta o pedido. Pode apresentar uma reclamação graciosa ou pedir revisão oficiosa, invocando o acórdão do STA.
- Aguarde a decisão. O prazo legal de resposta é de 4 meses. Se for recusado, pode recorrer para tribunal (o arbitral é rápido e eficaz).
Se a devolução for aprovada, a AT tem de pagar juros indemnizatórios se demorar mais de 30 dias a devolver o valor.
Mas atenção! Nem todos os casos estão garantidos
Embora a clareza do acórdão, nem todas as situações são automaticamente abrangidas. A bastonária Paula Franco alerta que há diferenças entre venda de quinhão hereditário e venda de herança indivisa. Na prática, são semelhantes, mas juridicamente nem sempre são tratadas da mesma forma.
A Autoridade Tributária pode não aceitar todos os pedidos. Nestes casos, deve insistir e recorrer ao tribunal arbitral. A jurisprudência está a favor dos contribuintes e os tribunais têm decidido nesse sentido.
Quanto tempo tem para reclamar?
Tem quatro anos a contar do dia 31 de dezembro do ano em que foi feita a liquidação do IRS. Por exemplo, se pagou imposto em 2022, pode reclamar até 31 de dezembro de 2026. Este é um prazo legal fixado no artigo 78.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
É importante não deixar passar o prazo. Um pedido fora de tempo pode ser rejeitado, mesmo que tenha fundamento.
Quem não reclama, perde
Há situações em que o imposto cobrado pode ter sido de milhares de euros. Em certos casos, até dezenas de milhares. Para muitas famílias, o quinhão de uma herança representa parte importante do seu património. Porém, ao ter pago um imposto indevido agrava o peso fiscal.
O quinhão hereditário deixou de ser considerado uma venda com mais-valias sujeita a IRS. Esta decisão histórica do Supremo Tribunal Administrativo pode ter um impacto direto na sua carteira. Se pagou imposto, tem direito a reavê-lo. Mas é preciso agir. E o tempo está a contar. A recomendação é clara: consulte um contabilista ou advogado fiscalista, reúna a documentação e avance com o pedido.
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