Pessoa a segurar barras de ouro

O ditado ensina que “o tempo tudo cura”, mas também tudo corrói, incluindo o dinheiro. O que vale 100 euros hoje pode valer mais ou menos amanhã e esta diferença acaba por ditar o sucesso ou fracasso da sua carteira de investimentos.

Há uma norma basilar nas finanças conhecida como princípio do valor temporal do dinheiro. Por outras palavras, esta lição ensina que o dinheiro hoje vale mais do que a mesma quantia no futuro. Este fenómeno deve-se à evolução natural de subida dos preços, medida pela taxa de inflação, entre outras condições financeiras.

taxa de inflação caracteriza-se como a taxa de crescimento dos preços na economia, tratando-se da evolução de preço de um cabaz-tipo de bens e serviços para as famílias. No entanto, a sua evolução também deve ser deduzida do retorno dos instrumentos de poupança e investimento, devido ao princípio do valor temporal do dinheiro.

Quando a taxa de inflação é superior a zero, existe a necessidade para uma família de despender mais dinheiro para comprar exatamente os mesmos bens e serviços e o rendimento pago por um determinado investimento precisa de ser mais elevado para compensar a subtração da inflação.

Vejamos um exemplo prático: Imagine que há exatamente um ano investiu 50 euros numa ação, que hoje lhe deu um retorno bruto de 5%, ou seja, de 2,5 euros. No entanto, como dissemos, este é um rendimento não líquido, porque ainda não foram deduzidos os valores de comissões e imposto e, claro, o impacto da inflação.

Em junho, a taxa de inflação homóloga cifrou-se em 2,4%, de acordo com a estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE), pelo que terá de deduzir este valor do rendimento obtido, que terá registado assim um retorno real (ainda sem contar com comissões e impostos) de 2,6%.

No entanto, tenha em conta que este é um exercício teórico e que nem todas classes de ativos reagem da mesma maneira à subida dos preços na economia, havendo mesmo alguns, considerados como ativo-refúgio que podem beneficiar com a inflação.

Ouro, o ativo-refúgio por excelência

O ouro é considerado um ativo-refúgio por excelência, face a cenários de incerteza, pelo que é comum assistir-se a uma valorização, muitas vezes expressiva, do metal amarelo, em períodos de subida acelerada dos preços.

Isto, porque quando a inflação sobe, o poder de compra da moeda diminui. Assim, os investidores tentam procurar ativos que mantenham o seu valor ao longo do tempo, como o ouro.

Exemplo deste fenómeno foram os idos anos 70 nos EUA, em que a inflação norte-americana abriu o apetite de forma expressiva pelo metal amarelo.

Por outro lado, é preciso ter em conta que, a longo prazo, a inflação – ou melhor, o remédio para combater o aumento dos preços, pode vir a ser prejudicial. Recorde-se que, para abrandar a subida dos preços, os bancos centrais tendem a subir os juros diretores, o que torna os títulos da dívida – que remuneram em juros – mais atrativos do que o metal amarelo.

Além disso, deve ter em conta que estes comportamentos são apenas prováveis, e não certos, já que o mercado funciona de forma imprevisível e à boleia de muitos fatores, e não um único, como a inflação ou a política monetária dos bancos centrais.

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Obrigações: Impacto depende do tipo de título de dívida

No caso das obrigações, o impacto da inflação varia consoante a natureza destes instrumentos, ou melhor, da forma como é calculado o juro pago periodicamente, pelo capital emprestado pelo investidor.

Consideremos o caso de títulos de dívida, em que o cupão está sujeito a uma taxa de juro fixa. Por exemplo: imagine que uma empresa paga a cada três meses um cupão que corresponde a 6% do valor nominal de cada obrigação, que é 100 euros. Aqui, o investidor receberá, sem mexidas, quatro vezes por ano, seis euros.

Nestes casos, o preço das obrigações no mercado secundário – onde pode vender a outros investidores depois de ter comprado os títulos a uma empresa ou ao Estado – tenderão a desvalorizar porque, com a subida da inflação, espera-se que os bancos centrais reajam com uma subida dos juros diretores, o que tornará novas emissões de dívida mais atrativas do que as antigas.

Por outro lado, não se esqueça que também a dívida é considerada um ativo-refúgio, ainda que não tenha o mesmo protagonismo do ouro, pelo que poderá vir a assistir-se a um aumento da procura, como forma de combater a incerteza, sobretudo em cenários em que seja difícil prever qual será o rumo dos preços a médio e longo prazo.

Obrigações indexadas à taxa de inflação

Se esta lógica é linear para as obrigações a taxa fixa, não se pode dizer o mesmo das obrigações a taxa variável, em que o cupão está dependente da variação de outro ativo ou indicador económico, como os juros dos títulos de dívida indexados a indicadores ligados à inflação ou aos juros diretores.

Pelo mundo todo, existem países que vendem dívida, em que os cupões estão indexados a este tipo de indicadores, incluindo a índices de preços no consumidor e no produtor, que são utilizados como referência para medir a subida dos preços.

Nos EUA, por exemplo, é comum a comercialização de TIPS (Treasury Inflation-Protected Securities), emitidos pelo Tesouro americano.

Nos TIPS, a variação dos juros está intimamente ligada à variação do Índice de Preços no Consumidor (um indicador também utilizado para medir a inflação). Sendo os juros destas obrigações automaticamente reinvestidos, quando pagos, este é um produto muito procurado por investidores que se tentam proteger em períodos de inflação elevada.

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Inflação torna o dinheiro mais barato

Quando os preços sobem, a capacidade de comprar produtos com o mesmo dinheiro reduz-se, o que enfraquece a moeda. Esta realidade tem impacto não só na carteira do consumidor, mas também do investidor que investe no mercado cambial.

Recorde-se que, ao investir neste mercado, aplicará sempre o dinheiro em dois ativos e não um só, já que uma moeda denomina o preço do outro, sendo o par mais negociado do mercado o euro/dólar.

Em 2022, a escalada da inflação na Zona Euro – entre outros fatores como o medo de uma recessão – pressionou a moeda única levando-a a valer, pela primeira vez em 20 anos, menos de um dólar.

Se por um lado, este fenómeno foi penoso para quem investia na compra de euros com dólares, foi benéfico para quem investiu na situação oposta já que conseguiu comprar mais euros por um valor mais baixo da divisa norte-americana.

Por outro lado, quando os bancos centrais sobem os juros para combater a inflação, tende a verificar-se a situação oposta, ou seja, uma valorização da moeda ou região em que se subiu as taxas diretoras.

Ações e mercado de risco não gostam da inflação

Por norma, o mercado de risco – onde estão inseridas as ações – não “gosta” da subida dos preços, sendo comum assistir-se a uma queda dos preços dos títulos. Este fenómeno deve-se à relação entre inflação e custos.

Quando a inflação sobe de forma inesperada, aumentam os custos operacionais das empresas em matérias-primas, energia e salários por exemplo, o que leva a uma queda dos preços das ações. Mas também aqui a história ensina que este não é um comportamento linear.

Há momentos em que, se a inflação está sob controlo e é acompanhada de crescimento económico, os investidores podem vir a acreditar que a empresa conseguirá ajustar os preços, controlar os custos e aproveitar a boleia do aumento de produtividade de um país.

Além disso, é preciso ter em conta que há setores que podem vir a beneficiar da subida da inflação, como o setor da mineração do ouro ou do petróleo, o que explica a subida dos preços de alguns fundos negociados em bolsa ligados a estes setores, que em 2022 registaram uma subida da cotação.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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