O Barómetro de Hábitos de Investimento revela um dado desconcertante: 61% dos portugueses não investem. À primeira vista, a explicação parece simples – falta de poupança ou medo de arriscar. Mas o problema é mais profundo: falta de confiança.
Quase metade dos inquiridos já perdeu dinheiro em investimentos, e essa cicatriz pesa mais do que qualquer promessa de ganhos futuros. A dor da perda é mais intensa do que o prazer do ganho, como demonstra a economia comportamental. Não surpreende que 45% só aceitem produtos com capital garantido e quase ninguém tolere perdas acima dos 10%. Esta prudência extrema protege do stress no curto prazo, mas tem um custo invisível: a inflação. Ao evitar o risco visível, muitos acabam por sofrer uma erosão lenta do poder de compra – abraçando, sem perceber, o risco silencioso.
Outro dado reforça o paradoxo: dois terços dizem conhecer o conceito de diversificação, mas só um terço o aplica. Em teoria, todos concordam que não se deve “colocar os ovos no mesmo cesto”, mas na prática a maioria concentra-se em depósitos, certificados e PPR. É uma diversificação de fachada: produtos diferentes, mas comportamentos semelhantes, que não reduzem verdadeiramente o risco. Não é ignorância, é inércia. Sabemos o que fazer, mas ficamos paralisados entre o receio e o hábito. O investidor português não é ignorante, é um prudente traumatizado.
Este traço cultural tem raízes profundas. Durante décadas, poupar era sinónimo de depósito bancário ou certificados do Estado – soluções que foram, em tempos, vantajosas. Mas o mundo mudou: taxas baixas, inflação e novos instrumentos alteraram o contexto, mas os hábitos ficaram. Para muitos, investir ainda é sinónimo de “arriscar demais”.

A confiança não se constrói apenas com mais informação, mas com rotinas simples e previsíveis. O Barómetro mostra que muitos já reforçam mensalmente as suas aplicações – há disciplina, falta canalizar parte desse esforço para instrumentos que tragam crescimento real. Uma estrutura em três “baldes” pode ajudar: um para segurança imediata (6-12 meses de despesas), outro para objetivos intermédios (3-7 anos) e um terceiro para crescimento de longo prazo, aceitando alguma volatilidade. Esta organização dá clareza e reduz ansiedade: investir não é saltar para águas desconhecidas, mas caminhar com diferentes pares de sapatos, cada um para o seu terreno.
Outro exercício útil é inverter a pergunta: “quanto estou disposto a perder sem desistir?”. Se a resposta for 5%, a carteira deve ser desenhada de trás para a frente, respeitando esse limite. Saber à partida o que se pode perder é mais tranquilizador do que viver na ilusão de que nada se perderá.
A maioria dos portugueses escolhe produtos através dos bancos, o que traz segurança, mas também o risco de receber propostas pouco alinhadas com os seus objetivos. A chave é chegar preparado: levar escrito o horizonte temporal, objetivos, perda máxima aceitável e custos. Um gesto simples que devolve poder ao investidor.
Por fim, os critérios ESG continuam marginais: só 27% os consideram e apenas 6% dedicam mais de metade da carteira a estes temas. Quando a prioridade é “não perder dinheiro”, a sustentabilidade parece secundária – mas ignorar o ESG pode ser mais arriscado do que integrá-lo.
O retrato do Barómetro não é de ignorância, mas de cautela paralisante. A verdadeira transformação cultural começa com rotinas: reforços automáticos, organização em três baldes e definição de limites. O medo combate-se com experiências positivas e consistentes. Se cada vez mais portugueses investirem pouco, mas de forma regular e disciplinada, a próxima edição do Barómetro pode marcar o início de uma nova era: de poupadores defensivos a investidores confiantes.