Cultura e Lazer

Criptomoedas: A simplicidade da enorme confusão

Enquanto não aparece um blockbuster sobre um espetacular roubo de moedas digitais, vamo-nos entretendo com documentários sobre bitcoins, blockchains e burlões.

O filme de assaltos a bancos, museus, comboios ou diligências, enfim assaltos a qualquer coisa que guardasse ou levasse bens preciosos, sempre teve grande sucesso entre o público. Quem não se lembra de “Ocean’s Eleven” (2001) ou da sua versão feminina, o mais recente “Hustlers” (2019)? Mas, como há mais, muitos mais filmes destes, deixemos o assunto para outra altura e centremo-nos nas criptomoedas. Espaçadamente, lá surgem filmes que procuram atualizar o género, trocando os sacos de notas verdes ou diamantes reluzentes por bitcoins. Alguém por aí os conhece e viu? Por enquanto, o lado material do dinheiro parece ser insubstituível por números digitais, pelo menos em termos de montanha-russa de emoções no cinema. Lá chegaremos, sem dúvida. E, no resto, como estamos?

Um futuro imediato que ainda não chegou

Em 2015, um documentário previa, logo no título, a grande mudança: “Bitcoin: The End of Money as We Know It”. O co-realizador Torsten Hoffmann argumentava que o filme pretendia examinar padrões de inovação tecnológica e pôr em questão tudo o que pensávamos saber sobre o tema do dinheiro. Seria a bitcoin uma alternativa às moedas existentes? Seriam as criptomoedas a revolução da forma como vemos e usamos o dinheiro? Ou, ao invés disso, estaríamos face a um novo e apetecível campo para os criminosos?

A sinopse do documentário caracterizava-o como um curso intensivo sobre o tema: uma peça informativa capaz de tirar todas as dúvidas sobre a controversa bitcoin. Pois bem, cinco anos depois, Torsten achou que devia voltar aos mesmos sítios e falar com as mesmas pessoas. Talvez a evolução, afinal, não tivesse sido tão avassaladora quanto o que um dos entrevistados tinha profetizado: “A bitcoin é como o punk rock. Não pode ser parada”. De facto, não parou. Mas também não inundou tudo. Nem nada que se pareça.

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Guerra digital pelas bitcoins

“Cryptopia: Bitcoin, Blockchains and the Future of the Internet” (2020) centra-se, sobretudo, no potencial da indústria das blockchain. Se não sabe o que é, não se preocupe. Os vários exemplos ilustrativos no documentário são capazes de nos deixar com uma ideia geral sobre o princípio: um sistema criptográfico descentralizado que verifica e regista as transações eletrónicas em criptomoedas. No entanto, mesmo com a aquisição dessas noções básicas, continua a ser difícil descortinar quando e como é que a grande mudança vai ocorrer. Até porque a comunidade em redor da bitcoin se envolveu numa verdadeira guerra civil. O mundo ideal, libertário e simplificado das criptomoedas tornou-se, de repente, um campo cheio de fações, golpes, egos, lutas de tecnologias e até de denominações.

No meio da batalha, a confusão alastra e o mentor do documentário bem se esforça por descobrir vias e providenciar esclarecimentos. Será que os atuais protagonistas se mostrarão capazes de construir uma nova e confiável utopia cibernética? O potencial é inegável; basta verificar que, atualmente, a maior parte das transações já são digitais. E, se parece inegável que o documentarista tem uma certa simpatia por esse potencial, também é certo que tenta manter alguma neutralidade, dando voz a protagonistas de vários quadrantes. E é precisamente essa posição de dar espaço aos outros que acaba por deixar no ar a sensação de estarmos longe de atingir consensos. Se eles, os especialistas, os programadores, os empreendedores, não conseguem um entendimento, como poderemos nós, os pouco conhecedores, confiar no novo sistema?

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Um bunker perdido nos alpes suíços

Fica-se com a sensação de que, na verdade, existe ainda bastante caminho a percorrer. Porém, há quem já dê passos inequívocos em frente. Numa das partes mais excitantes do documentário, Torsten visita um armazém de bitcoins, situado num bunker algures nos alpes suíços. O trajeto até ao cofre-forte, e depois dentro dele, é tão envolto em secretismo e medidas de segurança que os nossos alarmes cinéfilos começaram logo a soar: eis o cenário perfeito para um filme de roubo de criptomoedas!

Voltemos à realidade, que o assunto é sério. Que se guarda então no antigo abrigo militar, construído em 1947? A parte “física” das bitcoins. Máquinas. Ali estão, num sítio sem rede, os servidores que armazenam as chaves criptográficas de algumas fortunas em bitcoins. Num artigo da “Quartz”, o responsável pela segurança do bunker referia que as instalações eram alvo de constantes ataques de hackers e ciber-terroristas. Mas, enquanto não aparece o blockbuster sobre o-grande-assalto-ao-cofre-forte-das-bitcoins, as histórias que nos chegam são, sobretudo, sobre gente trafulha.

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O sumiço do rei das criptomoedas

“Trust No One: The Hunt for the Crypto King” (2022) é um documentário sobre a história de um grupo de investidores em criptomoedas que, após terem ficado sem o seu dinheiro, se juntam para tentar descobrir o que realmente aconteceu ao multimilionário Gerry Cotten. O empresário tinha morrido na Índia, afirmava a mulher, numa publicação nas redes sociais, e levara consigo para a tumba as passwords com que geria o negócio. Resultado: 250 milhões de dólares inacessíveis e cujo paradeiro era desconhecido.

Meio thriller, meio documentário criminal, o filme rapidamente mostra um pendor mais de entretenimento do que de trabalho jornalístico. Não será intenção do realizador Luke Sewell, convenhamos, explicar os meandros das criptomoedas, como acontece com Torsten Hoffmann. E, assumida essa premissa pelo espectador, a viagem revela-se minimente satisfatória.

É certo que se chega ao final sem grandes conclusões sobre o que aconteceu ao dinheiro. Seria caso para dizer Não Confies em Ninguém e voltar quase ao princípio deste texto. O futuro das criptomoedas, que devia já ser hoje, parece estar adiado. Ou melhor, talvez esteja, por enquanto, reservado aos especialistas. Ora, nisso de especializações, este que vos assina o texto confessa-se especialista apenas em cinema. Assim, ver estes documentários é prescrição segura: podem não ser os mais elucidativos sobre como será o nosso dinheiro daqui a uns anos, mas são capazes de entreter sem grandes bocejos.

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

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