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Freakonomics: Os monstrinhos da economia

Nisto de conceitos e teorias económicas, há dois economistas que se têm dedicado a baralhar e voltar a dar. Para clarificar tudinho ou aumentar a confusão?

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Freakonomics: Os monstrinhos da economia

Nisto de conceitos e teorias económicas, há dois economistas que se têm dedicado a baralhar e voltar a dar. Para clarificar tudinho ou aumentar a confusão?

O livro Freakonomics, que na versão portuguesa contou com o subtítulo “O Estranho Mundo da Economia”, lançou os autores Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner para a fama mundial. Editado originalmente em 2005, o livro que a Wikipedia regista ter sido geralmente descrito como a fusão da cultura pop com a disciplina da economia acabaria por gerar um culto em redor dos dois economistas. A marca Freakonomics expandiu-se para um blogue, um podcast, um novo livro, um serviço de consultoria e, em 2010, um documentário. Freakonomics – The Movie entrega vários segmentos – à laia de capítulos – a diferentes realizadores. Diga-se que, se a abordagem de Levitt e Dubner se mantém inequivocamente fresca e controversa, já as opções visuais e narrativas dos documentaristas (todos oriundos do cinema independente) nem sempre se revelam as melhores para nos cativar a atenção. O resultado acaba por ser uma mistura de estilos e abordagens demasiado… freak. Ainda assim, para quem não teve contacto com o livro, o blogue ou o podcast, o documentário consiste na forma mais rápida de entrar no mundo destes investigadores que procuram estudar o comportamento humano no campo da economia.

Vivemos numa sociedade sã (ou nem por isso?)

O capítulo dedicado ao desporto japonês do sumo é, realmente, soporífero. Uma pena, dado que a premissa será das mais interessantes, ao avançar que a economia procura ser uma ciência pura num mundo impuro. No filme, defende-se que os economistas costumam partir do pressuposto de que as pessoas são atores racionais inseridos num mercado transparente. Mas, que acontece quando surge a corrupção? Eis a ponte para o desporto do sumo, visto pela sociedade nipónica como algo absolutamente puro; porém, como estão em jogo quantias monetárias e níveis de prestígio bastante elevados, é quase inevitável que apareçam indivíduos dispostos a prevaricar. Então, como identificar quem está a tentar enganar o sistema? A resposta, segundo os autores, está nos padrões; e a prova, essa, está na análise dos números. Acontece que esta fórmula aritmética é complexa…

Para diminuir as hipóteses de sucesso dos trapaceiros, surgem soluções, como incentivar o jornalismo de investigação e melhorar a proteção de quem denuncia crimes de corrupção. E, lá vem a parte mais controversa, devia combater-se a ideia generalizada de que vivemos em sociedades honestas, sinceras e fundamentalmente sãs. Muitas vezes, será essa ilusão de que o mercado é algo de bom e racional que nos impede de aceitar a existência de corrupção. Quem nunca teve um momento de boca escancarada perante as notícias na televisão? «Ele?! Não posso acreditar!» Pois bem, para Levitt e Dubner, devemos sobretudo encarar os números; limpar o embaciado do espelho para nos vermos tal como verdadeiramente somos.

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Tens cara de Obdúlia, mas vou chamar-te Inês!

Gostamos de pensar que somos mais do que um número ou um nome. Mas o segmento do documentário dedicado à parentalidade afirma que foi criada uma indústria em redor da escolha do nome dos nossos filhos. Há sociedades, ou famílias, em que os nomes são selecionados como se se tratasse do lançamento de um produto no mercado; como se nesse ato de parentalidade se definisse o futuro do bebé. Porém, os estudos apresentados pelos economistas demonstram que serão outros fatores a definir o destino de uma criança, por mais singular que seja o seu nome. O sítio onde se vive, as condições de vida, os próprios pais, acabam por ter maior impacto do que nos chamarmos Hugo ou Diocleciano, Joana ou Hermengarda.

Porém, um nome pode ter impacto nas outras pessoas, e o documentário não foge às questões do preconceito racial. Nos Estados Unidos, um nome tipicamente afro-americano tem menos hipóteses de receber uma chamada de volta. (Será muito diferente em Portugal?)  Assim, os pais de recém-nascidos confrontam-se com uma questão ética: devem ceder e “mascarar” a raça com um nome anódino ou dar à sua filha o nome de que realmente gostam?

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Por detrás de uma razão, pode haver outra razão

O segmento “Nem sempre a vida é maravilhosa” pega nos índices de crime e violência nos Estados Unidos, nomeadamente no pico dos anos 1990, para tentar identificar as razões que levaram à posterior baixa drástica dessa mesma taxa. Desde então, choveram correlações de causa e efeito, já que o ser humano se esforça por encontrar, a todo o custo, explicações para o que vai sucedendo no mundo. Os dois economistas debruçam-se sobre os dados que podem ou não corroborar as várias hipóteses – polícia mais proativa, aumento de pessoas nas cadeias, etc. –, e, depois de as analisarem uma por uma, concluem que o somatório das teorias existentes justifica apenas 50% da descida da taxa de crime. A que se poderá atribuir a restante metade? Steven D. Levitt avança com a legalização do aborto. Face a essa medida, muitas crianças indesejadas não nasceram e, assim, não tiveram de crescer e viver em ambientes sofridos que, estatisticamente, os poderiam a levar a maus resultados escolares, comportamentos autodestrutivos e práticas criminais. Ideias tendenciosas e abusivas? É esse sentimento de incomodidade que os autores pretendem despertar nos espectadores, recorrendo aos números para fundamentarem as suas controversas teorias. Em qualquer dos seus formatos, esse é o objetivo de Freakonomics: desafiar o instituído. Como se voltássemos a ser crianças e pudéssemos questionar tudo, sem o receio de sermos invalidados pelo nosso mundo de adultos.

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Subornar os alunos para subirem as notas

Para terminar, eis mais uma provocação: «Pode um aluno do 9.º ano ser subornado para ter um bom desempenho escolar?» Pois bem, a Universidade de Chicago propôs-se fazer a experiência, num liceu local, prometendo 50 dólares mensais aos alunos que conseguissem melhorar as suas notas. A premissa da experiência económica assentava no sistema de recompensa. Dado que os jovens têm dificuldade em perspetivar o futuro, que tal propor-lhes incentivos económicos no presente? Na verdade, afirma-se, todos os pais subornam os seus filhos. Ora, tendo em conta que os incentivos económicos e sociais funcionam, seria possível mudar rapidamente os resultados dos alunos apenas com recurso a uma pequena recompensa de 50 dólares? Isso e mais o isco de sortear um passeio de limusina, entre os alunos elegíveis… O resultado? A economia como uma experiência contínua. Como reconhecem os dois autores, se os resultados não forem tão bons quanto o esperado, então é necessário assumir uma postura de honestidade face ao conseguido e adotar novas estratégias. No fundo, será preciso fazer perguntas diferentes das anteriormente formuladas.

Em Levitt e Dubner, esta permissão de pôr tudo em questão equivale à liberdade de pensamento. Para eles, os limites da economia não são traçados por retas ideológicas; todas as hipóteses são, à partida, viáveis. Depois, claro está, há que encontrar os números e as estatísticas que sustentem as eventuais respostas. 

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