A ascensão de Jordan Belfort, um tipo normal que acaba por conhecer um estilo de vida glamoroso, até poderia ser um belo conto de fadas, o típico concretizar do “Sonho Americano”, não fosse o facto de terminar numa queda abrupta e dura. E, já agora, o detalhe de envolver uns quantos atos fora da lei, como corrupção e essas coisas obscuras que, em certos casos, pontuam o súbito enriquecimento. Sob o comando da velha raposa Martin Scorsese, este The Wolf of Wall Street (O Lobo de Wall Street, 2013) é um dos melhores filmes alguma vez feitos sobre fraude em Wall Street. Pelo menos, é um dos que gerou enorme culto pelas personagens, ao ponto de haver gente capaz de decorar falas de Leonardo DiCaprio (Jordan Belfort) e de Matthew McCounaghey (Mark Hanna).
A matriz é sempre a mesma: Gordon Gekko
Pois bem, o percurso de Belfort desde Long Island até à prisão demora umas três horas, mas não existem minutos parados ou chatos. O carrossel está sempre em movimento, ou pelo menos dá a sensação de estar sempre prestes a entrar num círculo vertiginoso, fruto da montagem ritmada, das performances excecionais, da imagética que parece querer traduzir o slogan promocional do filme, algo que se poderia traduzir como «Ganhar Dinheiro. Gastar. Festarola». Esta não é uma viagem para meninos. Tem direito a bolinha vermelha por causa da nudez, do calão, do uso de drogas, mas também poderia ser pelos esquemas pornográficos de enriquecimento ilícito.
Segundo consta, DiCaprio teve um excelente mentor para o extraordinário desempenho: o próprio Jordan Belfort, que lhe deu dicas sobre a forma de se comportar, especialmente em relação às cenas em que teria de fingir que estava a agir sob a influência de cocaína ou dos fármacos quaaludes, capazes de induzir estados de euforia. Para aumentar as doses de realismo, o cenário estava pejado de corretores de bolsa da vida real, alguns dos quais tinham inclusivamente trabalhado na empresa de Belfort, a Stratton Oakmont. E, já agora, se perguntassem ao Jordan verdadeiro se ele tinha tido alguma inspiração para o seu esquema impiedoso de enriquecer-a-todo-o-custo, conseguem adivinhar o que ele responderia? O Gordon Gekko interpretado por Michael Douglas, está claro, nesse precursor filme Wall Street, de 1987.
Leia ainda: A ganância é boa, segundo Gordon Gekko
Dois atores em estado de graça
As cenas entre DiCaprio e McCounaghey são de antologia. Ali se vê como as boas intenções de um rapaz normal podem ser facilmente pervertidas por alguém mais experiente. Como a ideia de se ficar pobretanas para sempre, de nunca passar de um corretor sem cheta, se pode tornar tão pesada que o crime surge na conversa – e no ar – com uma tentadora leveza. Chega a ser enternecedor ver o jovem Belford a aprender os segredos do meio com Hanna.
Mark Hanna: O nome do jogo é “mover o dinheiro do bolso do cliente para o teu bolso”.
Jordan Belfort: Mas se ao mesmo tempo dermos a ganhar dinheiro ao nosso cliente, todos lucram com isso, certo?
Mark Hanna: Errado.
Sim, sim, o rapaz vê tudo mal. Nem percebe que a bolsa é uma pura ilusão. «Regra número um de Wall Stret: ninguém sabe se uma determinada ação vai subir, descer, andar para os lados ou em círculos.» Para Mark Hanna, a bolsa é uma balela, uma patranha feita de pozinhos perlimpimpim; não é algo concreto, que possa ser encontrado na tabela periódica dos elementos. Em resumo, é tudo falso. E foi nesse mundo de ilusões que Hanna venceu. Como? À custa, diz ele, de drogas. Eis uma segunda regra para obter o sucesso no mercado de ações. «Isto chama-se cocaína. Vai manter o teu cérebro desperto. E também ajuda a que os dedos teclem os números mais depressa. E sabes que mais? Isso é vantajoso para mim.»
Leia ainda: As lições dos empresários gananciosos
As consequências de ser um aluno aplicado
As máximas de Mark Hanna, ditas com propriedade, como se fossem verdades absolutas, seriam capazes de fazer descarrilar qualquer um.
Jordan Belfort: O Sr. Hanna é capaz de consumir drogas durante o dia e ainda assim fazer o seu trabalho?
Mark Hanna: Mas como raio é que seria suposto fazer este trabalho? Com cocaína e prostitutas, meu amigo.
Belfort será um aluno aplicado. Aos poucos, as dúvidas dissipam-se. Os princípios esbatem-se. Os escrúpulos diluem-se. Mostraram-lhe o caminho para a riqueza. Basta um bocadinho de esperteza, de ganância. E que interessa que esse percurso envolva máfias e coisas do estilo? Para um miúdo de vinte e tal anos, as fronteiras entre o certo e o errado tornavam-se maleáveis. Sim, ele subiria até ao topo à custa de comprimidos, cocaína, morfina e a droga mais fantástica do mundo, capaz de o tornar invencível, de conquistar o mundo, de estripar o maior dos inimigos: o dinheiro.
Leia ainda: Bernie Madoff: Uma tragédia digna de Shakespeare
Entre ser rico e ser pobre, ele escolhe ser rico
Jordan Belford ganharia muito, muito, dinheiro. Depois, cairia a pique, de desgraça em desgraça. E mesmo assim… «Deixem-me dizer-vos uma coisa: não existe qualquer nobreza em ser pobre. Já fui um homem rico e já fui um homem pobre. E escolho ser rico todas as vezes [que tiver de escolher]. Porque, pelo menos, se for um homem rico, quando tiver de enfrentar os meus problemas, posso aparecer no banco traseiro de uma limusine, vestido com um fato de dois mil dólares e com um relógio de ouro no pulso que vale 40 mil dólares.»
Tudo isto, realmente, merece o nosso aplauso. As drogas e as falcatruas? Não, nada disso. O nosso elogio vai inteirinho para o trabalho dos atores e do mestre Scorsese, que, juntos, criaram um dos grandes filmes do século XXI.
Leia ainda: O inglês bem-educado e o americano desbocado
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
Deixe o seu comentário