Todas as iniciativas que fomentem a captação de poupança por parte das famílias portuguesas são bem-vindas, pelo que o regresso das Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV 2031) deve ser visto como um desenvolvimento positivo. A remuneração destes títulos de dívida do Estado é baixa, mas tem o mérito de atenuar o fluxo de poupança que continua a ir para os depósitos bancários (com retornos ainda mais reduzidos) e aumentar a concorrência aos bancos, que continuam adormecidos na oferta de soluções de baixo risco para os aforradores portugueses.

Sem necessidade de captar fundos junto das famílias e confortáveis com os elevados montantes que estão a angariar em depósitos, todas as iniciativas que contribuam para acordar os bancos portugueses são meritórias. Uma ronda rápida pelos sites das instituições financeiras nacionais mostra que as ofertas em destaque continuam a ser depósitos bancários com juros pouco acima de 1%, que certamente vão dar retornos reais negativos aos aforradores.  

OTRV com procura fraca

Os resultados da emissão de OTRV, apurados a 16 de julho, mostram que a operação foi um fiasco e que, com as atuais condições, estes títulos não representam uma alternativa viável para captar a poupança dos portugueses. O objetivo passava por colocar mil milhões de euros, mas as ofertas de menos de 25 mil investidores ficaram apenas nos 612 milhões de euros. Fosse este o resultado de um leilão de dívida pública junto de investidores internacionais, seria avaliado nos mercados como um desastre com impactos imprevisíveis.     

Percebe-se o fraco interesse nas OTRV. Estes títulos vão pagar uma remuneração que corresponderá à cotação da Euribor a 6 meses acrescida de 0,25%. À partida até pode ser interessante, mas as elevadas comissões associadas são o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” deste produto, que arrisca retornos nominais negativos para montantes baixos. Embora tenham potencial para superar os depósitos bancários, acabam por ser menos atrativos do que os Certificados de Aforro, produtos do Estado mais “simples” e sem custos relacionados com comissões.  

Fica assim evidente que as OTRV não representam uma ameaça real aos depósitos dos bancos, ao contrário do que aconteceu há dois anos com outro produto de poupança do Estado. Em meados de 2023, a forte subida da rendibilidade e das subscrições de Certificados de Aforro fizeram mossa. O setor “levantou a voz”, o governo apressou-se a reduzir substancialmente a atratividade dos produtos e a evolução dos depósitos retomou o curso normal, acumulando recordes mês após mês.

Será necessário muito mais do que lançar OTRV pouco atrativas para que as famílias portuguesas tenham uma verdadeira alternativa que combata a inércia de deixar as poupanças paradas nos bancos a serem derrotadas pela inflação. Uma opção bem mais eficaz, que até está no programa do governo, pode verdadeiramente revolucionar a forma como os portugueses aplicam as poupanças e forçar os bancos a oferecerem soluções realmente atrativas.

Dois terços das poupanças com retorno real negativo

A forma (pouco eficaz) como os portugueses estão a aplicar as poupanças ilustra bem a urgência na adoção de medidas que sejam capazes de combater a tendência, cada vez mais provável, de as famílias portugueses perderem dinheiro nas aplicações de baixo risco. Isto porque as perspetivas apontam para a inflação em Portugal (e no resto da Zona Euro) persistir em torno dos 2%, enquanto as taxas de juro do BCE devem estacionar abaixo deste patamar.

Entre depósitos bancários, Certificados de Aforro, Certificados do Tesouro, fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário e fundos de pensões, os portugueses têm aplicados perto de 300 mil milhões de euros, sendo que mais de 80% destas soluções oferecem um retorno líquido abaixo do atual nível da inflação (2,4% em junho). Só os depósitos bancários representam 66%. Mesmo contemplando outros ativos financeiros, como ações, obrigações, gestão de patrimónios e outros, é garantido que dois terços das poupanças dos portugueses (excluindo ativos fixos como imobiliário) arriscam retornos reais negativos.

Os depósitos bancários dos particulares atingiram 194 mil milhões de euros em maio, o que representa um novo recorde e um crescimento de quase 10 mil milhões (5%) em apenas 12 meses. Uma evolução indiferente à descida acentuada das taxas de juro das novas aplicações, que atingiu um nível médio abaixo de 1,5% em maio, uma redução 1,23 pontos percentuais face ao mesmo mês do ano passado.

O montante aplicado em Certificados de Aforro também está a aumentar a bom ritmo. Atingiu um recorde de 37,5 mil milhões de euros em maio, um crescimento de 3,5 mil milhões de euros (10%) em 12 meses. Estes produtos pagam uma taxa de juro bruta de 2,011% às aplicações efetuadas em julho, sendo que a esta remuneração é necessário juntar os prémios de permanência, que começam nos 0,25 pontos percentuais (do segundo ao quinto ano) e chegam aos 1,75 pontos percentuais (no 14.º e 15.º ano). 

Nas opções que representam níveis de risco mais reduzidos, os montantes aplicados são bem mais baixos. No final de 2024, os fundos de investimento mobiliário geriam 20,8 mil milhões de euros, os fundos de investimento imobiliário 15,5 mil milhões de euros e os fundos de pensões 19 mil milhões de euros. Em Certificados do Tesouro, outro produto de poupança do Estado, estão investidos menos de 10 mil milhões de euro.

Imitar os EUA e o Reino Unido

No atual programa do Governo consta a promessa de “reforçar os rendimentos futuros desonerando fiscalmente a poupança”. O objetivo também passa por “promover a concorrência no setor bancário”, através do “estudo criterioso” da “promoção de acesso a fundos do mercado monetário e a dívida pública de forma simples, permitindo um acesso mais generalizado a instrumentos muito líquidos e concorrentes dos depósitos bancários”.

A má notícia é que estes objetivos já estavam inscritos no programa da AD para as legislativas de 2024, mas o Executivo de Luís Montenegro nada fez na anterior (e curta) legislatura. A notícia mais favorável é que os membros do Governo têm, nos últimos tempos, reiterado a determinação em impulsionar a poupança em Portugal. É este o compromisso assumido pelo governo português:

Criar contas-poupança isentas de impostos, adotando um regime em que certo nível de contribuições dos trabalhadores e das suas entidades empregadoras sejam livres de IRS, salvo se e quando forem distribuídas, pagas ou, de qualquer forma, apropriadas pelos respetivos titulares. Tal passa pela introdução de contas poupança com possibilidade de acesso a grande diversidade de instrumentos, com eventuais limites à entrada, inspirada no modelo de ‘ISA accounts’ no Reino Unido ou nas contas ‘401K’ nos Estados Unidos. As contribuições e reinvestimentos destes proveitos não são tributados, incluindo se forem utilizados para amortização de crédito à habitação que onere a casa de morada de família. Poderá ponderar-se tratamento semelhante aos rendimentos prediais e de capitais (aplicando-se, assim, o princípio de que, se reinvestidos, continuam a não ser tributados)

Ainda é incerto qual vai ser o caminho seguido pelo governo, mas é animador o facto de fazer desde já referência às populares soluções adotadas pelos Estados Unidos e Reino Unido. Não é necessário inventar, pelo que se o Executivo português imitar o que está a ser feito há décadas em dois dos mercados financeiros mais desenvolvidos do mundo, garante meio caminho para o sucesso.

A outra parte passa por desenhar uma solução que seja atrativa e, ao mesmo tempo, resistente o suficiente para que fique imutável nas próximas décadas, independentemente dos ciclos políticos.  Criar um mecanismo que sofra alterações constantes ao longo dos próximos anos, tal como tem acontecido às alterações fiscais na área dos investimentos, pode matar qualquer que seja a iniciativa nesta área.

A modalidade adotada nos Estados Unidos é conhecida por contas 401 (k), que são alvo de contribuições regulares pela entidade empregadora e pelos trabalhadores, com o objetivo de poupança para a reforma. O dinheiro investido, em ativos de risco diferente, só é tributado quando for retirado, ou seja, na idade da reforma.

No Reino Unido existem as Individual Savings Accounts (ISA), que assumem diversas modalidades, mas também contemplam uma fiscalidade bastante amigável nas poupanças com objetivos de longo prazo (além da reforma também pode ter como objetivo comprar casa, ou outros fins).

Se seguir estes modelos, o Governo português estará a abdicar (ou adiar a captação) de receitas fiscais, o que não será fácil de justificar tendo em conta a escassez de fundos disponíveis em áreas essenciais como a saúde e a educação. Mas os ganhos estruturais, e a longo prazo, podem ser muito superiores, sobretudo se conseguir cimentar uma cultura de poupança duradoura em Portugal que deixe de estar centrada em colocar o dinheiro num depósito bancário que tem grande risco de perder para a inflação. Já terá valido a pena se conseguir despertar os portugueses para a necessidade de poupar de forma regular e eficiente e forçar os bancos a oferecerem opções atrativas.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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