O mercado de arrendamento urbano em Portugal tem sofrido, nas últimas décadas, profundas transformações legislativas com vista a equilibrar os interesses dos senhorios e dos arrendatários, procurando promover dinamismo habitacional e estabilidade social, nem sempre com sucesso.
Neste contexto, o legislador introduziu figuras contratuais diferenciadas, adaptadas a necessidades concretas, entre as quais se destaca o arrendamento para fins especiais transitórios. Trata-se de um regime jurídico com características próprias, vocacionado para situações de ocupação habitacional temporária, distinto do arrendamento habitacional permanente.
Âmbito de aplicação
Os arrendamentos para fins especiais transitórios destinam-se a responder a necessidades de habitação de curta duração, que não justificam um contrato de arrendamento tradicional. Entre os exemplos mais comuns encontram-se: a deslocação de estudantes para frequência de cursos universitários, a estadia de professores para lecionar por períodos determinados, a estadia de trabalhadores em missões temporárias, a permanência em determinada localidade para frequentar formação profissional, ou mesmo a instalação temporária de famílias por motivos de saúde. A lei pretende, assim, enquadrar juridicamente relações que, sendo legítimas e frequentes, não se enquadrariam nas exigências do regime habitacional tradicional.
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Utilidade prática
A utilidade desta figura contratual é dupla. Para o arrendatário, garante o acesso legal e seguro a um imóvel durante o período estritamente necessário, evitando a rigidez de contratos prolongados que não se ajustam à sua situação. Para o senhorio, constitui uma forma de colocar o imóvel no mercado sem o receio de ficar vinculado a um arrendamento de longa duração, assegurando uma maior rotatividade e permitindo adaptar o destino do imóvel a diferentes contextos. Esta flexibilidade é especialmente relevante em grandes centros urbanos, onde a mobilidade estudantil e profissional é intensa.
Regime legal aplicável
O regime dos arrendamentos para fins especiais transitórios encontra-se regulado no Código Civil, artigos 1095.º e seguintes, no âmbito do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). A duração contratual é o elemento central que distingue esta modalidade: a lei, no nº 3 do artigo 1095.º, prevê que o prazo para este tipo de contratos possa ser inferior a 1 ano. Embora estes contratos não sejam, por natureza, sujeitos a renovação automática, as partes podem acordar no contrato essa renovação.
Para que o contrato se possa enquadrar no regime dos arrendamentos para fins especiais transitórios as partes têm de identificar de forma clara a finalidade e os motivos que justificam a submissão do contrato a esse regime, ou seja, o contrato deve referir a razão pela qual o contrato é celebrado para um fim especial transitório e referir o período para o qual é contratado.
Uma das características mais importantes dos contratos submetidos a este regime é a estabilidade que resulta para inquilino e senhorio da circunstância da cessação ocorrer de forma simples e automática no termo do contrato, sem necessidade de denúncia ou comunicação prévia, salvo estipulação em contrário. O legislador quis, deste modo, conferir previsibilidade e segurança, afastando litígios associados a prorrogações indesejadas. Em caso de incumprimento, aplicam-se as regras gerais do arrendamento, incluindo a possibilidade de recurso ao procedimento especial de despejo.
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Tratamento fiscal
No plano fiscal, os arrendamentos para fins especiais transitórios são tributados, em regra, como os demais contratos de arrendamento urbano, enquadrando-se no regime de rendimentos prediais para efeitos de IRS. Contudo, a sua curta duração tem implicações relevantes:
Vantagens:
- Permite ao senhorio ajustar o valor da renda de forma mais dinâmica, em função da procura que se verifica em cada momento;
- Reduze o risco de incumprimento prolongado, uma vez que a curta duração do vínculo facilita a substituição rápida do arrendatário;
- Possibilita ocupação temporária legalmente enquadrada, evitando soluções informais ou paralelas ao mercado regulado.
Desvantagens:
- Os benefícios fiscais mais relevantes – como a redução progressiva da taxa de IRS em função da duração do contrato (10%, 15% ou 20% em contratos de médio e longo prazo) – não são aplicáveis aos arrendamentos para fins especiais transitórios, justamente pela sua natureza transitória;
- A rentabilidade líquida pode revelar-se inferior, dado que a tributação segue a taxa autónoma de 25% (ou a taxa geral aplicável, caso não se opte pela tributação autónoma), sem reduções associadas à estabilidade contratual.
Assim, embora úteis do ponto de vista contratual, os arrendamentos para fins especiais transitórios não beneficiam de uma moldura fiscal tão atrativa quanto os arrendamentos estáveis de longa duração.
Diferenças e vantagens face ao regime geral
A principal diferença entre o arrendamento para fins especiais transitórios e o arrendamento habitacional urbano reside na duração fixa, curta e pré-estabelecida do contrato. Enquanto o arrendamento habitacional comum privilegia a estabilidade da residência, impondo prazos mínimos mais longos e mecanismos de denúncia prévia e, em certos casos, mecanismos de renovação automática, o arrendamento para fins especiais transitórios flexibiliza totalmente esta relação, permitindo às partes acordar prazos curtos e garantindo a cessação automática no termo.
Para os senhorios, isto traduz-se numa clara vantagem, pois reduz a exposição ao risco de ocupação indesejada e diminui os constrangimentos legais para retomar a posse do imóvel. Para os arrendatários, ainda que a proteção seja menor, há a vantagem de aceder a contratos adequados às suas necessidades específicas, sem compromissos excessivos.
Procedimentos especiais de despejo
Em caso de incumprimento, o senhorio pode recorrer ao Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), criado para simplificar e acelerar os procedimentos de despejo. A existência de um contrato de arrendamento para fins especiais transitórios, por ser de curta duração e dotado de termo certo, facilita a comprovação da cessação ou da falta de pagamento, reduzindo a margem de litígio. Comparativamente ao arrendamento habitacional permanente, em que o arrendatário goza de maior proteção, o arrendamento para fins especiais transitórios tende a permitir uma recuperação mais célere do imóvel.
Conclusão
O arrendamento para fins especiais transitórios representa, assim, um instrumento jurídico flexível e funcional, que procura dar resposta a necessidades específicas de curta duração, equilibrando os interesses das partes. Embora fiscalmente possa ser menos vantajoso do que os contratos longos, a sua maior simplicidade contratual, a previsibilidade da cessação e a facilidade de eventual despejo, assim se reúnam os requisitos e justificação para a submissão do contrato a este regime, tornam este tipo de contratos uma alternativa cada vez mais relevante no panorama do arrendamento urbano português.
Como sempre, aconselha-se a consulta prévia a um advogado ou um solicitador para que seja confirmada a verificação dos requisitos necessários para a submissão de determinado arrendamento a este regime.
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