Trabalhadores independentes: as obrigações fiscais

Trabalha ou está a pensar trabalhar a recibos verdes? Saiba quais são as obrigações fiscais de um trabalhador independente e evite surpresas.

A figura de trabalhador independente é utilizada desde há bastante tempo (os vulgos “recibos verdes”) e permite que um profissional possa exercer uma atividade empresarial a título individual, completamente em regime de freelancer ou como forma de obter rendimentos adicionais. Ainda que a atividade de trabalhador não seja geralmente muito complexa, existe um conjunto de obrigações fiscais que é necessário acautelar, por forma evitar dissabores, pelo que decidimos no presente artigo abordar esta temática, reportando-nos às situações mais habituais do regime simplificado.

Declaração de início de atividade

Antes de iniciar operacionalmente a atividade é necessário comunicar o início de atividade à Autoridade Tributária, através da opção “Início de Atividade – Entregar Declaração”, disponível no Portal das Finanças.

No formulário que é apresentado existem diversos campos a preencher relativos à atividade a desenvolver. A AT disponibiliza o Manual de Início de Atividade, que embora não totalmente atualizado ajuda no preenchimento, sendo que em qualquer caso é possível contactar diretamente o serviço de finanças da área de residência.

De salientar que no separador “Atividade Exercida” é necessário indicar qual o volume de negócios esperado para o remanescente do exercício. Esta informação é especialmente relevante porque caso o cálculo anualizado seja de valor superior a €12.500 é obrigatório o enquadramento no regime normal de IVA, com a correspondente liquidação e dedução de IVA e a entrega da declaração periódica de IVA.

Caso o cálculo anualizado seja inferior ao indicado no parágrafo anterior, o enquadramento é no regime de isenção, podendo optar-se pelo regime normal. Ficando no regime de isenção não existe necessidade de liquidar IVA nem entregar a declaração periódica de IVA, mas naturalmente também não existe direito à dedução do IVA nas despesas da actividade.

Nos casos mais habituais o enquadramento em IVA é geralmente simples, mas é um imposto que tem diversas nuances, pelo que se o seu caso tiver alguma particularidade, nomeadamente praticar operações isentas de IVA ou efectuar prestações de serviços intracomunitárias, será de todo o interesse aconselhar-se devidamente.

Também de referir que é necessário indicar o valor anual estimado de rendimentos profissionais para efeitos de IRS, sendo que caso seja superior a €12.500 tais rendimentos ficam sujeitos a retenção na fonte, de uma forma geral.

Submetida e aceite a declaração fica formalmente iniciada a actividade para efeitos fiscais, sendo também a informação comunicada à Segurança Social.

Leia ainda: Simulador Segurança Social Trabalhadores Independentes

Faturar e comunicar faturas

Com a atividade aberta, o trabalhador independente pode desempenhar a sua atividade, devendo faturar as prestações de serviços que for efetuando. Existindo a emissão de um número reduzido de faturas/faturas-recibo o mais prático é mesmo utilizar a funcionalidade de faturas e recibos da AT, mas é também possível utilizar algum serviço/software de faturação existente no mercado, desde que devidamente credenciado pela AT.

Na emissão das faturas/faturas-recibo é preciso atender ao enquadramento que foi feito no início da atividade e às características da transação, nomeadamente para considerar adequadamente o IVA e a sujeição a retenção na fonte em IRS. Em muitos casos será simples, e.g., se estiver isento de IVA/dispensado de retenção na fonte a operação também será isenta de IVA e o recebimento dispensado de retenção na fonte, mas é de acautelar outras situações.

Independentemente do mecanismo de faturação utilizado (AT ou outro), é necessário garantir que o ficheiro SAF-T é devidamente comunicado à AT até dia 12 do mês seguinte. Se as faturas/faturas-recibos forem emitidas através do portal da AT a comunicação é automática, mas caso seja feito através de outra plataforma terá de confirmar se a comunicação é efetuada de forma automática (fatura a fatura ou mensalmente) ou proceder ao envio manual através do site do e-fatura.

Verificar faturas das aquisições no e-fatura

Ao contrário do que acontece para a generalidade dos contribuintes, os trabalhadores independentes devem confirmar no e-fatura as suas aquisições, caso contrário arriscam-se a que nem todas as deduções à coleta sejam consideradas e, em casos de rendimentos profissionais mais elevados, que uma maior parte do rendimento seja sujeita a tributação.

Na prática, esta confirmação de faturas consiste em indicar em cada fatura se respeita a uma aquisição no âmbito da atividade profissional, para além dos casos de verificação da categoria de algumas despesas pendentes, como acontece para todos os contribuintes.

A confirmação de faturas tem de ser feita até 25 de fevereiro de cada ano.

Declaração periódica do IVA

Os trabalhadores independentes que não fiquem enquadrados no regime de isenção de IVA têm de entregar a declaração periódica de IVA. Na maior parte dos casos não isentos aplicar-se-á o regime normal trimestral, pelo que é necessário entregar a declaração periódica até dia 15 dos meses de fevereiro, maio, agosto e novembro e, sendo apurado imposto a entregar ao Estado, pagar até dia 20 dos meses indicados.

Para simplificar a entrega da declaração periódica, a AT disponibiliza a funcionalidade de IVA Automático, que com base nas faturas comunicadas pelo contribuinte, emitidas no portal das finanças ou em outra plataforma, e na informação presente do e-fatura, respeitante às aquisições efetuadas, faz o pré-preenchimento da declaração periódica. A AT disponibiliza inclusivamente um folheto informativo e um vídeo esclarecedor.

Ainda que o processo do IVA Automático seja facilitador, é sempre necessário que os sujeitos passivos procedam à submissão/entrega da respetiva declaração.

Em alternativa ao IVA Automático é também possível preencher a declaração periódica, não sendo, para os casos mais comuns, algo especialmente complexo.

Declaração de IRS – Anexo B e Anexo SS

Tal como os restantes contribuintes, os trabalhadores independentes têm também de submeter a declaração anual de IRS, de 1 de abril a 30 de junho do ano seguinte ao que os rendimentos respeitam. Ao contrário dos contribuintes que apenas aufiram rendimentos de trabalho dependente os trabalhadores independentes não podem utilizar a funcionalidade IRS automático. Ainda assim, podem utilizar o pré-preenchimento, que já permite poupar algum tempo.

O preenchimento da declaração anual de IRS pelos trabalhadores exige a inclusão do Anexo B (regime simplificado, foco deste artigo) e, geralmente, do Anexo SS. O preenchimento destes anexos, em particular o B, pode, à primeira vista, parecer complexo, mas para a maioria dos casos, em que tenham sido prestadas apenas simples prestações de serviços, o preenchimento fica mais facilitado. Em qualquer caso, é importante estar-se convicto das opções tomadas.

Algumas notas relevantes para o preenchimento:

  • Quadro 4: ter especial atenção ao campo em que são indicadas as prestações de serviços, em particular se são no campo 403 ou 404, já que o coeficiente aplicado para a determinação do rendimento é significativamente diferente. Tendo-se já excluído os restantes campos do quadro 4, que são mais fáceis de distinguir, a regra é: se a prestação de serviços for de uma atividade especificamente prevista (i.e., couber em alguma designação que não a do código 1519) na tabela do artigo 151.º do CIRS utiliza-se o campo 403, caso contrário o 404.
  • Quadro 5: se o trabalhador independente apenas auferiu rendimentos de uma entidade pode optar pela aplicação das regras da categoria A (categoria dos rendimentos de trabalho dependente). Enquadrando-se nesta situação, o ideal é simular sem essa opção ativa e depois com a opção ativa, por forma a saber o que é mais vantajoso.
  • Quadro 6: quando o trabalhador dependente está sujeito a retenção na fonte, é de todo o interesse confirmar se as retenções que aqui aparecem automaticamente, em caso de pré-preenchimento, correspondem à totalidade das retenções.

Depois do preenchimento, validação e simulação, é entregar. Se tiver IRS a receber é aguardar, caso contrário terá de proceder ao respetivo pagamento até 31 de agosto.

Leia ainda: IRS: Quem tem de preencher o Anexo SS do IRS?

Síntese das obrigações fiscais

Neste artigo procurou-se sintetizar as principais obrigações fiscais de um trabalhador independente enquadrado no regime simplificado de IRS, abordando-se as situações mais comuns. Em jeito de conclusão, abaixo apresenta-se um quadro resumo.

DescriçãoQuandoObservações
Dar início da atividadeAntes de dar início à atividade
FaturarApós cada prestação de serviços
Comunicar faturasAté dia 12 de cada mês (refere-se às faturas do mês anterior)Faturas emitidas no portal da AT e por alguns softwares de faturação são automaticamente comunicadas
Verificar faturas das aquisições no e-faturaAté 25 de fevereiro do ano seguinte ao que as respeitam as aquisições
Entregar a declaração periódica do IVAAté ao dia 15 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano a que respeitam as operações (fevereiro, maio, agosto e novembro)Prazos para sujeitos passivos enquadrados no regime normal trimestral

Sujeitos passivos isentos não têm de entregar declaração periódica de IVA
Pagar o IVAAté ao dia 20 do 2.º mês seguinte ao trimestre do ano a que respeitam as operações (fevereiro, maio, agosto e novembro)Prazos para sujeitos passivos enquadrados no regime normal trimestral

Sujeitos passivos isentos não têm de entregar declaração periódica de IVA
Entregar a declaração anual de IRSDe 1 de abril a 30 de junho do ano seguinte ao que respeitam os rendimentos
Pagar o IRSAté 31 de agosto do ano seguinte ao que respeitam os rendimentosQuando exista IRS a pagar

Nota: Durante a pandemia alguns dos prazos presentes neste artigo têm sido alterados/alargados

O Pedro Pais desenvolve conteúdos sobre finanças pessoais há vários anos, tendo fundado um dos primeiros blogs nacionais sobre o tema, o Pedro e o Blog, mais tarde financaspessoais.pt, e o Fórum Finanças Pessoais, que se tornaram bastante conhecido e fazem hoje parte integrante do Doutor Finanças. É Revisor Oficial de Contas desde 2015 e sócio da GPA SROC, onde coordena trabalhos de auditoria, assessoria fiscal e consultoria. Quando não está a trabalhar ou a estudar, o Pedro gosta de se dedicar à família, amigos e jogar Padel.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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