Dividendos atrativos, resultados robustos, avaliações contidas, estatuto defensivo da maioria das cotadas, evolução positiva da economia, deslocação de investimento dos Estados Unidos para a Europa. São estes os principais ingredientes que justificam o bom momento da bolsa portuguesa, que está a negociar em máximos de 11 anos e surge no topo dos desempenhos mais positivos entre as bolsas europeias.
O índice PSI, que agrupa as maiores cotadas da bolsa nacional, tem acumulado máximos de 2014 nas últimas sessões e marca uma valorização de 13,7% desde o início do ano. Quase duplica o registo do índice paneuropeu Stoxx600 (8%) e não está muito longe dos ganhos próximos de 20% registados pelos europeus com melhores desempenhos este ano (Dax da Alemanha, IBEX de Espanha e FTSE MIB de Itália).
São várias as estatísticas que evidenciam o momento positivo das cotadas portuguesas, no curto e longo prazo:
– PSI sobe há cinco semanas seguidas, uma série de ganhos que não se verificava desde março/abril de 2023.
– Índice português acumula uma valorização de 16% desde o mínimo do ano fixado a 9 de abril.
– PSI sobe há cinco meses consecutivos, o que não acontecia desde o período entre setembro de 2019 e janeiro de 2020.
– Se o ano terminasse agora, o desempenho do PSI igualava o melhor registo dos últimos oito anos (+13,7% em 2021)
– 2025 está a ser o quarto ano positivo nos último cinco (em 2024 desceu apenas 0,3%). E o quinto dos últimos sete.
– PSI já acumula uma valorização muito próxima de 100% desde os mínimos atingidos em março de 2020, logo após o início da pandemia. Um desempenho que traduz um retorno médio anual em torno de 20% (excluindo dividendos).
Estes números também mostram que as cotadas portuguesas deixaram definitivamente para trás o período negro em que diversos desenvolvimentos – resgate da troika, queda do BES e do Banif, colapso da PT, entre outros – motivaram uma fuga dos investidores da praça portuguesa.
Esta tendência de alta lenta e constante registada pelo PSI nos últimos cinco anos já foi suficiente para apagar o movimento negativo iniciado em 2014. Contudo, ao contrário do que se verifica noutros índices europeus que já negoceiam em máximos históricos, o PSI tem ainda um longo caminho a percorrer para superar os picos atingidos antes da grande crise financeira e da bolha das “dotcom”.
– PSI acumula uma desvalorização de 47% desde o final de 2007, altura em que o índice atingiu um máximo antes de entrar em queda livre devido à crise financeira que provocou uma recessão profunda na economia mundial e abriu caminho para o pedido de assistência financeira que Portugal iria pedir em 2011.
– Para atingir o máximo histórico fixado nos primeiros meses de 2000, o PSI terá de valorizar mais de 100%. É um dos índices mundiais que está mais distante de níveis recorde.
Se os fatores que justificaram o péssimo desempenho das ações portuguesas entre 2007 e o final da década passada são por demais conhecidos, importa analisar com maior detalhe os desenvolvimentos que suportam a evolução positiva nos últimos cinco anos.
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Dividendos atrativos
A política de remuneração generosa aos acionistas é um dos principais trunfos das cotadas portuguesas. Decorre precisamente nesta altura a época de pagamento de dividendos, uma época em que muitos investidores reforçam a exposição a estas companhias. Tal como se tem verificado nos últimos anos, a maioria das cotadas do PSI aumentou a remuneração aos acionistas em 2025 e paga um dividendo com retorno perto ou acima dos 5%.
Resultados em alta após recorde
Estamos também numa altura de apresentação de resultados trimestrais, o que tem contribuído para dar fôlego à tendência de alta das ações portuguesas. Entre as 10 cotadas do índice português que já publicaram os números dos primeiros três meses do ano, os lucros marcam uma subida agregada de 8%. Isto depois de 2024 ter sido já o terceiro ano consecutivo de lucros recorde para as empresas do índice português.
Empresas defensivas
A maioria das cotadas portuguesas tem um estatuto defensivo, ou seja, são menos vulneráveis ao ciclo económico e por isso mais procuradas em momentos de turbulência como o que se estão a viver em 2025. São as denominadas empresas de valor, que ficaram para trás nos períodos de forte valorização das bolsas globais em 2023 e 2024 que foram dominados pelas tecnológicas e outras companhias classificadas de crescimento. O PSI foi dos poucos índices acionistas mundiais com saldo positivo em abril, o mês que ficou marcado por quedas muito fortes nas bolsas globais devido ao anúncio de tarifas recíprocas de Donald Trump. Uma evidência do bom desempenho da bolsa nacional nos períodos difíceis para outras praças.
Economia portuguesa positiva
A evolução favorável da economia e das contas públicas em Portugal tem sido fundamental para colocar os ativos portugueses no radar dos investidores internacionais. O País deverá registar, em 2025, o terceiro ano consecutivo de excedentes orçamentais, uma evolução inédita nas contas públicas nacionais que contrasta com a evolução desfavorável que se verifica na maioria dos países europeus. A dívida pública baixou da fasquia dos 100% do PIB, atingindo 94,9% em março. O PIB de Portugal está, desde 2022, a crescer acima da média da Zona Euro e as projeções apontam para que a tendência persista nos próximos anos.
“Sell America” beneficia Lisboa
A bolsa portuguesa também beneficia com uma tendência que está a marcar a evolução dos mercados acionistas em 2025. A política comercial errática e caótica dos Estados Unidos afastou muitos investidores dos ativos norte-americanos, num movimento que fica sobretudo evidente na desvalorização pronunciada do dólar. O “sell America” beneficiou outros destinos, com destaque para a Europa, que beneficia também com a descida de juros do BCE e a alteração histórica da Alemanha na gestão das contas públicas. O anúncio de estímulos sem precedentes da maior economia europeia reavivou o interesse nos ativos europeu, numa tendência que também beneficiou Lisboa.
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BCP brilha e energia recupera
Ao desempenho notável da Bolsa portuguesa, como um todo, está obviamente associada a prestação muito positiva de algumas cotadas do PSI. O BCP é o principal destaque, mas as companhias de retalho dão um contributo decisivo e o setor energético está a recuperar. Apenas três cotadas apresentam um saldo anual negativo.
BCP dispara quase 10 vezes
As ações do BCP estão a prolongar uma escalada impressionante que surge depois de o banco português ter sofrido um longo período de agonia na bolsa. Desde os mínimos registados em 2020, os títulos disparam quase 10 vezes, tendo nos últimos dias superado a fasquia dos 0,60 euros pela primeira vez desde 2016. Apesar de a cotação estar ainda a “anos-luz” do máximo histórico acima de 25 euros em 2000, o desempenho nos últimos anos é notável, refletindo a recuperação sustentada e robusta nos resultados do único banco cotado em Portugal que avançou com um plano de remuneração aos acionistas muito atrativo. As ações do BCP valorizaram 80% em 2023, 69% no ano passado e, em 2025, já acumulam um ganho de 38%.
Sonae e Jerónimo Martins em alta
As empresas de retalho nacionais registam um desempenho muito positivo, ilustrando a evolução favorável das empresas defensivas. A Sonae valoriza 20% este ano e a Jerónimo Martins ganha 13,6% já depois de descontar o dividendo deste ano. A Jerónimo Martins disparou mais de 5% na sessão posterior ao anúncio de que os lucros subiram 31% no primeiro trimestre. A Sonae só publica os números dos primeiros três meses do ano na próxima semana.
Energia menos negativa
O setor energético é o mais preponderante da bolsa nacional e o desempenho não tem sido o mais favorável nos últimos tempos, o que justificou a variação ligeiramente negativa do PSI em 2024. As ações da EDP Renováveis afundaram mais de 40% no ano passado e a EDP desceu mais de 20%, sendo que as duas cotadas recuperaram nas últimas sessões depois de um arranque de ano igualmente negativo. A EDP Renováveis conserva um saldo negativo em 2025 (-9%), mas as ações já recuperaram 33% desde os mínimos de abril. A EDP já está em terreno positivo no ano (+8%), com os resultados muito favoráveis do primeiro trimestre (lucros subiram 21% para 428 milhões de euros) a serem decisivos para a recuperação (20% desde mínimos). A Galp Energia trava uma subida anual mais significativa do PSI, com as ações a recuarem 11% em 2025 (pior prestação no PSI) devido à evolução negativa dos preços do petróleo.
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