Economia chinesa em apuros: Um retrato em cinco gráficos

Crescimento do PIB dececiona, preços estão a cair, imobiliário continua em crise, população está a encolher e as ações estão em queda livre.

A China foi a grande deceção da economia mundial em 2023, com um crescimento muito aquém do que eram as expectativas iniciais e do que o país registou nos últimos 30 anos. O desempenho débil ilustra a série de desafios que a China tem pela frente e lança uma nuvem negra sobre a evolução daquela que é a segunda maior economia do mundo e foi o grande motor da economia global este século.

A China enfrenta atualmente uma série de problemas: crise profunda e sem fim à vista no setor imobiliário; aumento pronunciado do endividamento das famílias, empresas e Estado; esfriamento nas relações comerciais e políticas com os países do Ocidente; bloqueio no acesso a tecnologia e ativos no exterior; fuga de capitais do país; envelhecimento da população; níveis de poluição muito elevados.

Esgotado o modelo que gerou fortes taxas de crescimento económico nas duas primeiras décadas deste século, a China procura agora novas fórmulas para ganhar pujança. A aposta excessiva na construção/imobiliário empurrou o país para uma crise que está a depauperar o património das famílias. O foco no setor industrial através do consumo desenfreado de matérias-primas também já não é solução e deixa a China vulnerável a variáveis que não controla. O recurso excessivo ao endividamento para a construção de infraestruturas colocou as contas públicas do país em situação de alerta.

Ciente da alteração de paradigma e de que o anterior não era sustentável, no início desta década as autoridades chinesas definiram a prosperidade comum como o grande desígnio das políticas públicas. Desmantelar os grandes conglomerados do país, travar a acumulação de grandes fortunas, reduzir a pobreza e desigualdades, expandir a classe média através da redistribuição de rendimentos são os principais objetivos de longo prazo.

Apesar de as medidas regulatórias que já foram implementadas terem provocado danos no mercado de capitais, removido os chineses da lista de mais ricos do mundo e reduzido a influência e poder das grandes companhias, a classe média tarda em sentir os efeitos de outras reformas, com a evolução débil do consumo privado a contribuir também para o abrandamento da economia.

Tendo a China uma importância fundamental na economia global, a forma como Pequim enfrentar estes desafios será determinante para a evolução mais ou menos robusta da economia mundial nos próximos anos. Para já, os sinais não são nada animadores, como é visível nos cinco temas que são detalhados de seguida.

Economia está a crescer pouco

No primeiro ano da pandemia (2020), a economia chinesa foi das poucas a nível mundial a conseguir escapar a uma variação negativa do PIB. Recuperou em 2021, mas a insistência das autoridades chinesas numa política muito rigorosa de combate à covid-19 motivou um abrandamento muito pronunciado no ano seguinte. No final de 2022, e de forma abrupta, Pequim decidiu abolir todas as restrições, gerando expectativas de uma recuperação muito robusta em 2023.

Mas o desempenho foi dececionante. O PIB cresceu apenas 5,2% em 2023, uma variação fraca sobretudo tendo em conta que compara com um ano em que a China esteve fechada ao exterior, as famílias com fortes restrições de mobilidade e muitas fábricas paralisadas. Excluindo os dois anos da pandemia (2020 e 2022), o crescimento em 2023 foi o mais fraco desde 1990.

Os dados de atividade económica continuam desfavoráveis e as perspetivas apontam para que a evolução permaneça débil. O Fundo Monetário Internacional estima que, se não forem implementadas a reformas necessárias, o potencial de crescimento da economia ficará em redor ou abaixo de 4% nos próximos anos, bem distante das taxas de dois dígitos registadas em diversos anos deste século.

Em sentido contrário, as expectativas apontam para que a dívida pública acelere a rota ascendente, superando o valor do PIB antes do final desta década, quando no início do século era inferior a 30%. Com défices orçamentais acima de 5% do PIB, a degradação das contas públicas reduz a capacidade de Pequim implementar estímulos orçamentais poderosos para impulsionar a economia.

Quando o PIB da China estava a crescer a um ritmo de dois dígitos ao ano, era consensual entre os economistas que o país iria superar os Estados Unidos como a maior economia do mundo, provavelmente já na próxima década. Um cenário que já está a ser colocado em causa tendo em conta a evolução débil atual.

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Preços dos produtos e serviços estão a descer

Numa altura em que a esmagadora maioria das economias ainda combate a escalada da inflação, a China enfrenta precisamente o problema inverso. Desde abril de 2023 que o índice de preços no consumidor regista variações homólogas praticamente nulas, sendo que nos três meses do quarto trimestre a evolução foi sempre negativa.

Os preços recuaram 0,3% em dezembro, depois de terem descido 0,5% em novembro, acentuando a ameaça de deflação na segunda maior economia do mundo. Uma situação que a China não vivia desde a crise financeira que assolou a economia global em 2009 e adensa ainda mais as perspetivas para a economia chinesa.

Esta queda dos preços é o reflexo da evolução débil do consumo das famílias, bem como de uma procura externa fraca. As vendas de produtos e serviços para fora do país recuaram 4,6% em 2023, na primeira queda anual das exportações desde 2016.

Uma queda generalizada dos preços pode ser combatida através da política monetária, com descidas das taxas de juro, o que também contribuiria para impulsionar a atividade económica. Contudo, o banco central tem as “mãos atadas” pois um alívio dos juros agravará a tendência de queda da moeda e a fuga de capitais do país.

Além do perigo que representa o cenário de deflação para a economia como um todo, a descida dos preços agrava o problema das famílias e empresas mais endividadas, pelo que pode acentuar o aumento das falências e as dificuldades do setor financeiro.

Preços das casas não param de descer

O “milagre económico” chinês foi conseguido muito à custa da estratégia da construção de fábricas, estradas, aeroportos e outras infraestruturas, mas sobretudo casas. Os resultados foram notáveis ao nível da diminuição da pobreza, com o número de pessoas a viver com 1,9 dólares por dia a baixar em 800 milhões no espaço de 40 anos.

A urbanização foi célere, com uma deslocação em massa dos chineses para as cidades. Após um fluxo de 400 milhões de pessoas em 20 anos, dois terços dos chineses já vivem em cidades, mas a aposta no betão e aço foi longe demais. O setor do imobiliário e da construção assumiu um peso insustentável na economia, a rondar os 30% do PIB, e a oferta excedeu claramente a procura.

Muitos milhões de apartamentos continuam vazios e são várias as cidades-fantasma no país. As estimativas apontam para que existam 90 milhões de habitações vazias na China, o que seria suficiente para albergar a população inteira de países como a Alemanha, França, ou Reino Unido. O resultado foi uma crise sem precedentes no imobiliário, que motivou o colapso de várias gigantes do setor, uma descida acentuada nas vendas e um recuo contínuo nos preços, o que diminuiu o património das famílias.

Segundo dados oficiais, os preços das casas recuaram 0,4% em dezembro, na maior queda mensal em nove anos e marcando o 18.º mês de evoluções negativas no espaço de 20 meses. As vendas afundaram mais de 20% e o investimento imobiliário sofreu a maior queda desde 2000. No acumulado de 2023, as vendas baixaram 6% e o investimento recuou 9,6%, depois de, em 2022, já ter registado uma queda semelhante.

Pequim tem adotado medidas para estancar a crise no setor, aliviando as restrições à compra de habitação, fomentando o crédito à habitação e o financiamento às imobiliárias e empresas de construção. Mas têm sido sobretudo medidas avulsas e sem poder para inverter o declínio do setor.

As famílias estão com maiores dificuldades em pagar as prestações (execução de hipotecas disparou 43% em 2023 para 389 mil habitações) e as empresas em cumprirem as obrigações com os credores, pelo que esta crise está ainda muito longe de ter um fim à vista.   

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População está a encolher

A evolução demográfica será talvez o problema estrutural mais grave da economia chinesa no longo prazo. O envelhecimento da população, redução da força de trabalho e descida acentuada da natalidade representam uma ameaça séria à capacidade da economia de regressar às taxas de crescimento do passado.

As estatísticas oficiais divulgadas recentemente mostram que a população chinesa baixou em 2,75 milhões em 2023, depois de, em 2022, já se ter observado uma redução de 850 mil. Desde o período negro da Grande Fome de Mao (1958-1962) que a população chinesa não encolhia durante dois anos seguidos.

As perspetivas apontam para que a tendência persista nos próximos anos, pelo que é garantido que a China vai perder o estatuto de país mais populoso do mundo. Apesar de os dados não serem ainda oficiais, terá acontecido já em 2023, uma vez que a Índia terá aumentado a população para 1.429 milhões de pessoas (estimativa das Nações Unidas), enquanto na China já se sabe que recuou para 1.409 milhões.

A taxa de natalidade desceu pelo segundo ano para 6,39 por mil pessoas, o que representa o valor mais baixo desde que há dados. Em 2022, as autoridades anunciaram novas medidas para incentivar as famílias a terem mais filhos, um claro contraste com a política de filho único que vigorou durante 35 anos (entre 1980 e 2015) para travar o aumento descontrolado da população.

Os especialistas alertam que a China vive uma situação de “bomba-relógio” demográfica, com implicações graves na economia e dúvidas crescentes sobre a sustentabilidade do sistema de pensões. Enquanto a força de trabalho está a encolher, as estimativas apontam para que o número de pessoas com mais de 60 anos (idade da reforma no país) suba dos atuais 280 milhões para 400 milhões em 2035. A população ativa (entre 16 e 59 anos) tem vindo a recuar nos últimos anos e baixou em 2023 para 61,3% do total.

Ações estão em queda livre

A evolução dececionante da economia, o agravamento da crise no imobiliário, as restrições impostas às tecnológicas e outros desenvolvimentos desfavoráveis estão a acentuar o movimento negativo dos ativos chineses, numa fuga de capitais que está a fazer soar os alarmes em Pequim e a desvalorizar a moeda.

O CSI 300, índice que agrupa as maiores empresas cotadas na bolsa chinesa, perdeu valor nos últimos três anos, em claro contraciclo com os mercados acionistas globais, que sofreram quedas acentuadas em 2022, mas recuperaram com força no ano passado. Após uma desvalorização de 6% desde o início do ano, o CSI 300 recuou nos últimos dias para mínimos de cinco anos e prepara-se para um ciclo de seis meses sempre a perder valor.

Na bolsa de Hong Kong, onde estão cotadas muitas companhias chinesas, o Hang Seng vai já para o quinto ano negativo, negoceia em mínimos de 14 meses e acumula uma desvalorização próxima de 10% em 2024. Face ao pico registado em 2021, o valor de mercado das ações cotadas nas bolsas da China e Hong Kong recuou perto de 6 biliões de dólares.

Pequim não tem grandes problemas com a diminuição das fortunas na China, mas esta destruição de valor está também a afetar a poupança das famílias, pelo que está a tornar-se um problema político. As autoridades em Pequim deram ordens aos fundos e empresas públicas e instituições financeiras para suster esta sangria no mercado de capitais e decidiu avançar com medidas mais poderosas para “restaurar a confiança dos investidores”.

Além da intervenção verbal do primeiro-ministro Li Qiang, as autoridades decidiram mobilizar 2 biliões de yuans (255 mil milhões de euros) para comprar ações de empresas chinesas listadas em Hong Kong, mais 300 mil milhões de yuans (38 mil milhões de euros) para adquirir ações cotadas na bolsa chinesa. A iniciativa até pode travar a queda dos preços dos ativos no curto prazo, mas só o vislumbre de uma recuperação assinalável da economia chinesa será capaz de impulsionar as ações chinesas de forma sustentável.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

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