Quem ganha e quem perde numa guerra comercial? Eu aumento a minha tarifa em x, tu retalias e aumentas a tua tarifa em y.
Entre avanços e recuos, este parece ser um dos jogos favoritos de Donald Trump. No final, quem perde? Todos?
Nos últimos meses, a jogada dos EUA foi (ameaçar) aumentar as taxas alfandegárias dos produtos comprados ao estrangeiro (importações) para proteger as empresas e os produtos made in America.
Com isso, Trump diz que vai “tornar os americanos mais ricos”. Será?
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Primeiro a definição de tarifa comercial
- Taxa aplicada pelos governos aos produtos e serviços de outros países.
Este imposto é normalmente usado para encarecer os produtos importados, tornando-os menos competitivos face aos produtos nacionais. A ideia é que os consumidores prefiram os produtos nacionais porque, em comparação, se tornam mais baratos.
Por outro lado, durante o processo, os países que as aplicam encaixam mais receita pública.
Mas voltemos à questão central: ficarão os norte-americanos mais ricos?
Depende.
Antes, um aviso à navegação: o exemplo que se segue é propositadamente simplificado e, por isso, não olhamos para o impacto que os preços das matérias-primas tem no preço final dos produtos, nem ponderamos uma eventual retaliação por parte do país alvo de tarifas mais elevadas.
Por fim, para melhor avaliar os impactos entre países, seja na inflação, seja no PIB, teríamos de analisar as alianças comerciais que cada um dos países alcançaria para compensar as perdas de mercado. Mas de modo geral, o país que no final adotar a posição mais isolacionista, em teoria, é o que perde mais.
Com esta nota, avancemos…
O problema das tarifas
E para ilustrar melhor a questão, criamos um mundo imaginário à beira de perder os parafusos.
Sim, os parafusos… é com eles que vamos explicar o problema das tarifas.
Imaginemos um mundo com dois principais produtores:
- País A
- País B
Nestes dois países há duas fábricas de parafusos:
- Fábrica País A: Vende parafusos a 2 dólares por unidade.
- Fábrica País B: Vende parafusos a 1 dólar por unidade.
Olhando para esta diferença, o governante do País A aumenta a tarifa dos parafusos importados do País B e aplica-lhes uma taxa alfandegária de 300%.
Resultado? Os parafusos do País B passam a ser vendidos a 3 dólares por unidade no País A.
Problema resolvido? Só aparentemente.
É neste ponto da história que acrescentamos dois novos atores neste enredo:
- Construtora País A
- Construtora País B
O que acontece agora?
A Construtora A vai obviamente comprar os parafusos que precisa na Fábrica A porque são mais baratos.
Mas, com o tempo, a Fábrica A vai percebendo que há muita margem para subir os preços.
Afinal, se a concorrente estrangeira, a Fábrica B, está no mercado a 3 dólares por parafuso, porque não subir o preço e aumentar os lucros?
Os preços acabam por se igualar. E agora?
Agora, preciso que me acompanhe com especial atenção porque é aqui que se percebe que a solução passa, na realidade, a ser pior do que o problema:
- A Fábrica País A está lucrar como nunca.
- País A está a encaixar muitos milhões em taxas sobre a Fábrica País B.
- A Fábrica País B reduz vendas no País A.
- Todos os parafusos usados pela Construtora País A passam a ser vendidos pela Fábrica País A.
Aqui, acrescentamos dois atores cruciais para o desfecho desta história:
- Consumidor País A
- Consumidor País B
Com o tempo, o que parecia ser a solução alcançada deixa à vista um problema. Na realidade, dois grandes problemas:
Problema 1:
A Construtora País A gasta mais 300% em parafusos do que a Construtora País B e, por consequência, as casas construídas pela Construtora País A são mais caras do que as da Construtora País B.
Problema 2:
O Consumidor País A paga mais pela casa do que o Consumidor País B.
E os resultados… são:
Resultado 1:
Para o consumidor País A resta menos dinheiro para comprar outros produtos ou para poupar. Já ao consumidor País B resta-lhe mais rendimento disponível.
Resultado 2:
A inflação no País A aumenta mais do que no País B. Como a inflação é, na realidade, um imposto encapotado, ela empobrece, destrói mais riqueza do País A.
Resultado 3:
Ao perder poder de compra, o Consumidor País A reduz o consumo.
Resultado 4:
Com a quebra no consumo, a Construtora País A vende menos casas.
Resultado 5:
Com a quebra na venda de casas, a Fábrica País A vende menos parafusos.
Resultado 6:
No processo, quer a Fábrica País A, quer a Construtora País A, são obrigadas a reduzir pessoal.
Resultado 7:
O País A regista uma quebra na produção, no emprego, no consumo, na poupança e na cobrança de taxas alfandegárias.
No processo, perdeu também o investimento da Fábrica País B que, entretanto, abandonou o mercado.
Resultado 8:
O País A entra em recessão e o governo recebe menos impostos.
Resultado final:
No País A todos perderam… os parafusos!
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De volta à realidade
Agora, do mundo imaginário à realidade, a dos factos… e não a das perceções.
No primeiro mandato, em 2018, Donald Trump aumentou as tarifas sobre as máquinas de lavar roupa importadas.
Mas um estudo realizado nos Estados Unidos (Production, Relocation, and Price Effects of US Trade Policy: The Case of Washing Machines | Becker Friedman Institute) concluiu que o preço das máquinas de lavar nos EUA subiu 12%, como efeito direto dessa taxa.
A ideia da tarifa era proteger os produtores locais contra a entrada massiva de máquinas de lavar mais baratas do estrangeiro.
Mas, feitas as contas, e num primeiro momento, a medida custou 820 milhões dólares anuais aos consumidores norte-americanos. E é exatamente por isso, que este já é conhecido pelos economistas como o “efeito máquina de lavar”.
Resumindo, com o aumento de tarifas, aumentaram os preços das máquinas de lavar importadas. Mas os produtores norte-americanos aproveitaram a boleia e também aumentaram os seus preços. Os custos também aumentaram porque, em simultâneo, o agravamento de tarifas também afetou a importações de matérias-primas, como o aço e alumínio, o que também fez aumentar os custos de produção das fabricantes norte-americanos.
Por fim, este agravamento alastrou a produtos comprados em conjunto, como as máquinas de secar, que também viram os preços aumentarem à boleia das máquinas de lavar.
No final, nos EUA o custo unitário de uma máquina de lavar subiu, em média, 92 dólares, e o das máquinas de secar aumentou em 86 dólares por unidade, em média.
É por isso que numa guerra comercial o desfecho é sempre incerto.
Quem perde, quem ganha? Todos e nenhum, é o cenário mais provável.
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