Como a subida dos juros das obrigações penaliza as ações

Agravamento das yields tem impacto negativo na atividade económica e reduz a atratividade do investimento em ações.

A mensagem transmitida pelos bancos centrais, de que as taxas de juro vão permanecer em níveis elevados por mais tempo, tem dominado a evolução mais recente dos mercados financeiros, afetando o valor de quase todos os ativos cotados.

O impacto mais pronunciado está a ser sentido no mercado de dívida, sobretudo nos Estados Unidos, com o ajustamento dos investidores a esta expectativa que nos mercados é conhecida por “higher for longer”. A taxa de rendibilidade (“yield”) das obrigações norte-americanas a 10 e 30 anos atingiram máximos de 16 anos em redor dos 5%, enquanto na Europa o juro das obrigações alemãs a 10 anos fixou um máximo de 11 anos nos 3%.

As obrigações são uma classe de ativos vista como tendo risco baixo, variações contidas e volatilidade reduzida. Os últimos tempos contrariam esta tendência histórica. Os títulos de dívida recuaram em 2021 e sofreram uma queda histórica superior a 10% em 2022, estando a prolongar a tendência negativa este ano, levando muitos analistas a considerar que este é já o pior período de sempre para as obrigações.

A cotação dos títulos de dívida varia em sentido inverso ao das yields, pelo que o recente movimento de agravamento das yields traduz-se em perdas para os detentores de obrigações. Estes títulos tendem a beneficiar com perspetivas negativas para a economia, alívio da inflação e expectativa de redução das taxas de juro por parte dos bancos centrais.

Os astros pareciam alinhados para uma recuperação deste mercado, uma vez que os bancos centrais não devem voltar a subir os juros, a inflação está a recuar para mínimos desde o início da guerra na Ucrânia e as perspetivas para a evolução da economia global são cada vez mais sombrias, sobretudo na Alemanha e China. Tendo em conta este cenário e as desvalorizações muitos fortes nos últimos meses, os investidores e analistas estavam posicionados para uma recuperação das obrigações, ou seja, uma descida das yields.    

Mas aconteceu precisamente o contrário, com um agravamento muito célere das taxas de rendibilidades das obrigações depois de a Reserva Federal dos Estados Undos (Fed) e Banco Central Europeu terem alertado que a inflação persiste em níveis muito elevados (acima da meta de 2%), pelo que não será tão cedo que a política monetária irá aliviar (corte de juros).

Além desta pressão dos bancos centrais, outros fatores estão a contribuir para a perda de valor das obrigações. Os governos estão a emitir uma maior quantidade de dívida para financiar os défices orçamentais gerados com os apoios a famílias e empresas que foram concedidos para fazer face à inflação elevada. E os bancos centrais, no âmbito do endurecimento da política monetária, estão a reduzir os programas de compras de ativos que foram implementados na pandemia. Ou seja, existe uma oferta mais elevada para uma procura mais baixa, o que influencia negativamente o preço

A subida acentuada das yields ditou uma desvalorização acentuada das ações até ao início de outubro, explicada sobretudo por dois fatores desenvolvidos de seguida.

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Custos mais elevados para famílias e empresas

As taxas de juro das obrigações servem de referência para um conjunto alargado de operações de financiamento, pelo que quanto mais elevadas estiverem, maiores os custos que famílias e empresas vão suportar. Uma dinâmica que pesa de forma negativa nas perspetivas para a evolução das economias e para os lucros das empresas, o que justifica a reação negativa das ações.

A taxa de juro que os bancos norte-americanos estão a exigir para um empréstimo à habitação a 30 anos já está em 8%, o que representa um máximo de duas décadas. Este custo elevado não só deprime ainda mais o poder de compra das famílias, como representa uma pressão adicional sobre o mercado imobiliário. Os juros para compra de automóveis e outros bens duradouros estão no nível mais elevado desde 2000 e as taxas dos cartões de crédito dispararam para máximos, o que condiciona a evolução do consumo das famílias e os resultados das empresas que produzem estes e outros bens.

Os financiamentos captados pelas empresas nos mercados têm as taxas de juro das obrigações como referência, pelo que os empréstimos mais caros vão representar uma fatia mais elevada dos resultados das companhias, bem como condicionar a rentabilidade de muitos projetos de investimento. Tudo fatores negativos para a evolução da atividade económica.

Além das famílias e empresas, os países também são penalizados pelo aumento dos juros das obrigações. Na proposta do Orçamento do Estado para 2024, o governo português estima gastar 7,1 mil milhões de euros com o pagamento de juros no próximo ano, um agravamento de 8,6% face ao previsto para 2023 e de 51% face aos 4.687 milhões de euros gastos no ano passado. A diferença em dois anos é de quase 2,5 mil milhões de euros, dinheiro que o Governo não pode direcionar para outros fins que poderiam beneficiar empresas e famílias (cortes de impostos, apoios sociais, investimento público, etc).

Resumindo, taxas de juro mais elevadas por um período mais prolongado significam um crescimento económico mais débil, o que acabará sempre por se refletir no valor das empresas cotadas, sobretudo as que estão mais dependentes do ciclo económico.

Obrigações roubam atratividade às ações

As ações e as obrigações são as principais classes de ativos que compõem uma carteira tradicional, pelo que concorrem entre si na atração de investimento. São duas classes bem diferentes e de risco distinto – quando se compra uma ação estamos a adquirir capital de uma empresa, na aquisição de uma obrigação estamos a emprestar dinheiro – mas podem ser comparadas para avaliar a sua atratividade.

A mais tradicional passa por comparar a rendibilidade de uma obrigação com o retorno de uma ação através do pagamento integral dos resultados através dos dividendos. As obrigações do Tesouro dos Estados Unidos a 10 anos têm negociado nas últimas semanas com uma “yield” entre 4% e 5%, enquanto a yield dos resultados das cotadas do índice norte-americano S&P500 está abaixo dos 6%.

O diferencial entre os dois indicadores caiu recentemente para 0,75 pontos percentuais, o que representa um mínimo desde 2002 e demostra que as obrigações estão atrativas em relação às ações tendo em conta esta métrica muito popular.

Há outra forma mais simples de concluir que a atratividade das obrigações é superior. Os títulos de dívida dos Estados Unidos de prazos curtos (até dois anos) apresentam rendibilidades acima de 5%, levando os investidores a questionar porque devem apostar em ativos de maior risco (como ações) se têm alternativas mais seguras com retornos bastante atrativos.   

A subida das yields também penaliza as ações por outro fator. As avaliações das empresas cotadas são calculadas tendo em conta a atualização para o presente do valor futuro dos seus resultados. Quanto mais elevada for a taxa de juro, mais reduzido é o valor atual dos lucros futuros, daí que o agravamento das yields tenha implicações diretas na avaliação das empresas.

As companhias com elevadas perspetivas de crescimento, como as tecnológicas, são as mais penalizadas por este movimento de alta nos juros das obrigações, pois os investidores estão a comprar “hoje” os resultados que as companhias vão gerar “amanhã”. Já as empresas mais tradicionais e com negócios estáveis, são habitualmente favorecidas neste ambiente de juros elevados. Também porque apresentam níveis de “cash flow” mais elevados e não necessitam de volumes de financiamento intensivos. Precisamente o contrário do que acontece com as companhias mais jovens e de setores inovadores e disruptivos.

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Ações com ganhos menos fortes em 2023

A volatilidade tem sido uma nota dominante nos mercados, com mudanças de expectativas acentuadas sobre o rumo da política dos bancos centrais a influenciar decisivamente a evolução de ações, obrigações e outros ativos.

As yields das obrigações agravaram-se de forma mais pronunciada a partir do início do verão, sendo que entre meados de setembro até aos primeiros dias de outubro registaram um movimento ascendente ainda mais acentuado. As últimas sessões foram marcadas por um alívio, embora os analistas não descartem novos máximos se os dados económicos continuarem resilientes e a inflação não regredir à velocidade que os mercados estão à espera.

A subida mais recente das yields acentuou o movimento de correção dos mercados acionistas globais, que interromperam a tendência de alta acentuada na primeira metade do ano. Ainda assim, os índices conservam ganhos robustos no acumulado de 2023, com destaque para as valorizações de dois dígitos das ações norte-americanas e japonesas.

A evolução das taxas de juro das obrigações continuará a ser determinante para o rumo das Bolsas nos próximos tempos, ditando se os índices vão continuar a corrigir, ou vão reforçar os ganhos até ao final do ano.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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