Passados quase dois meses da entrada em vigor do novo regime de IRS Jovem, ainda há pormenores a acertar. Um dos mais relevantes prende-se com a aplicação do benefício na retenção na fonte, sobretudo porque a maioria das empresas processou os salários de janeiro tendo em conta aquelas que eram as indicações da Autoridade Tributária até à data.
Se é certo que o IRS Jovem tem como objetivo que os jovens paguem menos imposto, em janeiro esse efeito foi ainda maior. A partir de fevereiro, muitas empresas já vão calcular o salário líquido de outra forma. Mas o que acontece ao montante não retido do mês de janeiro?
Afinal, o que aconteceu em janeiro?
Em janeiro, as empresas calcularam o salário líquido dos trabalhadores com IRS Jovem de acordo com aquelas que eram, até então, as orientações das Finanças. As indicações, divulgadas num ofício circulado publicado em 2023, diziam que à parte do rendimento não isenta de tributação deveria aplicar-se a taxa marginal e a parcela a abater que seriam aplicadas à totalidade do rendimento se não houvesse isenção.
No entanto, quando aplicada no regime que entrou em vigor em 2025, esta fórmula fez com que alguns jovens não tenham feito qualquer retenção na fonte no mês de janeiro. Isto mesmo que já não estivessem no primeiro ano do benefício, um período em que, efetivamente, a isenção é de 100% (a não ser que ultrapasse o limite mensal de 2.052,68 euros).
Se esta fórmula se tivesse mantido ao longo do ano, muitos jovens que não fizeram retenção mensal iriam pagar IRS no acerto anual de 2026.
Assim, a Autoridade Tributária emitiu um novo ofício circulado, ajustado ao novo regime e que evita que os trabalhadores tenham de pagar imposto depois de entregarem a declaração anual.
"Tem-se verificado, em determinadas situações, que aquele cálculo da retenção na fonte mensal não está ajustado ao imposto devido a final, com a emissão da respetiva nota de liquidação, pelo que, reponderado o assunto, importa emitir novas instruções", explicam as Finanças no novo ofício.
Apesar de compreender o transtorno para as empresas, o fiscalista e co-fundador da consultora Ilya Luís Leon considera que as Finanças "até foram rápidas" a esclarecer o assunto depois de se terem apercebido do erro das empresas. "É de enaltecer o comportamento proativo da Autoridade Tributária, que até reagiu rápido a esclarecer", diz.
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Quais as novas indicações?
A partir de fevereiro, as empresas devem aplicar à parte não isenta a taxa efetiva que resultaria da tributação do rendimento total. Confuso? Explicamos com um exemplo.
Uma pessoa solteira e sem dependentes com um salário bruto de 1.500 euros e que não usufrua de IRS Jovem faz uma retenção na fonte de 186,10 euros (25% de taxa marginal e parcela a abater de 188,90€). Ou seja, em termos efetivos, a tributação é de 12,41% (186,10€ / 1.500€).
Assim, é esta taxa que se deve aplicar à parte não isenta. Se no primeiro ano a isenção é total, do segundo ao quarto, por exemplo, é de 75%. Nesse caso, a taxa vai incidir sobre 25% do salário bruto. Usando o exemplo acima, os 12,41% vão ser aplicados sobre 375 euros, resultando numa retenção na fonte de 46 euros.
Feitas as contas, em janeiro, esta pessoa recebeu 1.335 euros líquidos. No entanto, a partir de fevereiro vai receber 1.289 euros.
Nota: A isenção é apenas de IRS. Os descontos de 11% para a Segurança Social mantêm-se inalterados.
Como é que se vai compensar o erro de janeiro?
Fica, então, a questão: quando é que o engano de janeiro será compensado? Vai ser feito algum ajuste em fevereiro para pagar o imposto que não foi pago em janeiro? Em esclarecimentos ao Doutor Finanças, a Ordem dos Contabilistas Certificados diz que isso não deverá acontecer. Até porque o comunicado das Finanças diz que o novo entendimento "produz efeitos a partir da data da sua publicação", ou seja, 5 de fevereiro.
"As retenções na fonte efetuadas em janeiro não vão ser corrigidas", explica a ordem dos contabilistas. No entanto, como é natural, isso terá "impacto no ano de 2026 aquando do apuramento do imposto a pagar ou a reembolsar".
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Comunicação vai ser essencial
Na opinião de Paulo Velho Cabral, Chief Financial Officer (CFO) do Doutor Finanças, o esclarecimento da Autoridade Tributária "peca por tardio" e "criou incertezas em todas as empresas, bem como muitas dúvidas para os colaboradores".
Agora, cabe às empresas explicar da melhor forma o que está a acontecer, "especialmente se os trabalhadores não estiverem atentos às alterações fiscais e não entenderem o porquê deste ajuste".
"A transparência é essencial em todas as situações e nesta ainda mais, para se evitarem mal-entendidos e garantir que os trabalhadores compreendem claramente que a variação no salário líquido se deve a uma correção da retenção na fonte e não a um erro processual do seu vencimento", diz o CFO do Doutor Finanças.
Qual o impacto na declaração anual de IRS?
Como vimos, a correção do imposto de janeiro vai acontecer apenas no momento do acerto anual com as Finanças, após a entrega da declaração de IRS em 2026. Sem estas alterações, muitos jovens teriam de pagar imposto em vez de receberem reembolso.
Agora, é mais expectável que recebam reembolso. Ainda assim, será ligeiramente menor do que receberiam se a retenção na fonte de janeiro já tivesse acontecido de acordo com as novas orientações.
"Tendo sido efetuadas, em janeiro, retenções inferiores é expectável que a declaração de rendimentos a entregar no ano de 2026 resulte num reembolso menor ou então, em alguns casos, na eventualidade de pagar imposto", diz a Ordem dos Contabilistas Certificados. No entanto, tratando-se apenas do acerto de um mês "o impacto não será significativo" na maioria dos casos.
No caso de um jovem solteiro e sem dependentes com um salário bruto de 1.500 euros, que está entre o quinto e o sétimo ano de IRS Jovem e soma deduções de 250 euros (despesas gerais e familiares) a diferença no reembolso é de 93 euros (477,82 em vez de 570,82 euros).
Estes 93 euros são, precisamente, o valor que reteve a menos no mês de janeiro. Isto porque esta pessoa recebeu 1.335 euros líquidos em vez dos 1.242 que auferiu a partir de fevereiro.
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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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