As obrigações são um ativo chave na evolução dos mercados financeiros, uma vez que assumem um peso muito relevante nas carteiras de investimento, são essenciais para financiar empresas e países, servem de referência para definir custos de financiamento (créditos) e taxas de rendibilidade (poupanças). São também fundamentais para a evolução de outros ativos (ações, moedas, matérias-primas e outros) e são vistas como fiel da balança dos mercados financeiros.
Historicamente, o mercado de obrigações é visto como aborrecido, uma vez que as oscilações destes títulos são habitualmente pouco expressivas e fáceis de prever. São precisamente estes atributos que atraem os investidores que procuram ativos com um nível de risco baixo e rendimento estável.
Os últimos meses têm contrariado esta tendência de acalmia no mercado de obrigações, sobretudo nos títulos de dívida soberana, onde se têm registado vários episódios de stress. O que representa um desenvolvimento sempre desagradável para quem investe nestes títulos, embora não signifique remunerações mais reduzidas. Os fatores que justificam esta maior turbulência vão ser desenvolvidos mais à frente neste artigo, sendo antes importante detalhar as características básicas de como funciona este mercado.
Como funcionam as obrigações
Apesar da complexidade a nível técnico para determinar o retorno e cotação das obrigações, é fácil entender como variam os preços dos títulos e são definidas as taxas de rendibilidade, conhecidas por yields. As cotações das obrigações oscilam em sentido inverso às yields, pelo que a variação é positiva quando as yields descem e negativa quando as taxas de rendibilidade sobem.
A yield corresponde à taxa de remuneração que o investidor exige para comprar a obrigação, sendo que é mais elevada quanto maior for a perceção de risco. Ou seja, se o emitente da obrigação for credível e com risco reduzido de não reembolsar o investidor, o título terá uma yield mais reduzida do que se o emitente apresentar garantias mais fracas de que vai cumprir o compromisso.
Se o investidor comprar uma obrigação tradicional quando esta é emitida (mercado primário) e a mantiver em carteira até à sua maturidade, sabe à partida qual vai ser o seu retorno, pois a taxa de rendibilidade é definida previamente. Se comprar uma obrigação já emitida (mercado secundário) e a vender antes da data definida para o reembolso, o retorno é incerto, pois a cotação (e a yield) vai variar em função de diversos fatores.
A evolução das cotações das obrigações soberanas (emitidas por países) é determinada por um conjunto reduzido de fatores, como a política monetária (taxas de juro dos bancos centrais), indicadores macroeconómicos (inflação, PIB e outros dados de atividade económica) e de finanças públicas (défice orçamental, dívida pública). Com estas variáveis é possível avaliar as condições do mercado de taxas de juro em geral e as condições para o emitente reembolsar os investidores quando termina o prazo da obrigação.
A importância de cada um dos fatores varia em função da maturidade da obrigação. Os títulos das obrigações de prazos mais reduzidos são sobretudo influenciados pela taxa de juro dos bancos centrais, uma vez que a probabilidade de o emitente entrar em incumprimento é mais reduzida nos horizontes temporais curtos. Nos prazos mais longos, cresce a incerteza sobre a evolução do risco do emitente, pelo que os investidores exigem uma rentabilidade mais elevada. É por isso que as cotações das obrigações de prazos longos são sobretudo determinadas pelas características dos emitentes. E não tanto pelas condições do mercado em geral.
Cortes de juros beneficiam obrigações de curto prazo
As yields das obrigações registaram uma alta acentuada a partir de 2022, a acompanhar a escalada da inflação que obrigou os bancos centrais a um agravamento agressivo das taxas de juro em todo o mundo. A inversão de tendência surgiu em 2024, altura em que a política monetária começou a aliviar. Este movimento ascendente nas cotações das obrigações foi particularmente evidente nas obrigações a dois anos, sendo que os títulos com esta maturidade continuam a pagar um retorno atrativo.
A yield dos títulos dos países da Zona Euro está atualmente em redor de 2% e com margem reduzida para alívios adicionais, uma vez que o BCE já desceu os juros por oito vezes e deverá manter a política monetária neutral nos próximos meses. Já a yield das obrigações norte-americanas deve continuar a aliviar, pois só neste mês de setembro a Fed retomou o ciclo de corte de juros que deverá prosseguir até final do ano.
Dívida alta afasta investidores do longo prazo
Os vários períodos de turbulência que se verificaram no mercado global de obrigações este ano afetaram sobretudo os títulos de longo prazo (10 anos e acima), em particular ultralongos (30 anos), o que provou uma inclinação mais acentuada nas curvas de rendimentos da dívida (linha que junta as taxas de todos os prazos).
Esta evolução reflete os receios mais intensos dos investidores com a persistência da inflação em níveis elevados, défices orçamentais crescentes, trajetória ascendente da dívida pública e crises políticas que enfraquecem a determinação dos governos em implementar medidas de consolidação orçamental.
Inflação mais elevada de forma persistente significa taxas de juro mais altas no longo prazo, enquanto a deterioração das contas públicas induz uma perceção de risco mais alta e aumenta a pressão da oferta no mercado, pois os emitentes têm de reforçar os montantes das emissões para financiarem os défices. Os agravamentos das yields de longo prazo é uma realidade em várias das principais economias mundiais, com a França a surgir no topo das preocupações.
- As crises políticas constantes em França, com a nomeação de cinco primeiros-ministros em dois anos, ilustram a dificuldade em implementar medidas de austeridade num país com uma dívida pública já acima de 100% do PIB e com défice orçamental que deverá persistir acima de 5% este ano e em 2026. A yield das obrigações a 30 anos está em máximos de 2009 e a taxa a 10 anos já superou a de Itália, com o diferencial para a Alemanha no nível mais elevado desde a crise do euro no início da década passada.
- Apesar da maioria confortável no Parlamento britânico, o governo de Keir Starmer tem sido marcado pela instabilidade, com a recente remodelação a atirar a taxa das obrigações a 30 anos para máximos de 1998. A ministra das Finanças terá de voltar a aumentar impostos no próximo orçamento (estimativas apontam para 20 mil milhões de dólares), numa altura em que o Reino Unido já apresenta a inflação e custos de financiamento mais elevados do G7.
- Com uma dívida federal recorde acima de 37 biliões de dólares, as perspetivas para as contas públicas dos Estados Unidos deterioram-se após a administração de Donald Trump ter avançado com um agressivo pacote de corte de impostos. O impacto das tarifas na inflação e dos ataques à liderança da Fed na independência do banco central contribuem para os investidores exigirem retornos mais altos para financiar a maior economia do mundo. A yield dos títulos a 30 anos já esteve este ano acima de 5%, muito próxima de máximos desde século.
- O Japão também está no epicentro da turbulência no mercado global de obrigações, com a escalada das yields dos títulos de longo prazo para máximos históricos a refletir o elevado nível da dívida pública (uma das mais altas do mundo) e a crise política. A demissão do primeiro-ministro Shigeru Ishiba aumentou a apreensão com a possibilidade de o próximo governo adotar uma política orçamental mais expansionista e travou as expetativas de normalização da política monetária (taxa de juro persiste em 0,5%).
- A Alemanha é o farol do mercado de obrigações europeu, mas também não está imune à tendência de alta das yields. A taxa dos títulos a 30 anos atingiu um máximo de 2011 próxima de 3,5%, depois do governo germânico ter deixado para trás a estratégia de disciplina orçamental, com a implementação de estímulos para impulsionar uma economia estagnada há três anos e reforçar os gastos em defesa devido à ameaça russa.
- A trajetória favorável das contas públicas portuguesas (excedentes orçamentais desde 2023 e dívida pública abaixo de 100% do PIB) tem tido reflexo nos juros da dívida nacional, com as yields abaixo de países como Espanha e França. O diferencial para as taxas alemãs, que mede o risco das obrigações portuguesas, está em redor de 40 pontos base, o que representa um mínimo desde 2008.
Défices altos e dívida a crescer
O desconforto dos investidores com a sustentabilidade da dívida pública de grandes economias mundiais, exigindo por isso taxas de rendibilidade mais altas para as financiar, tem respaldo nas perspetivas desfavoráveis para a evolução das contas públicas destes países até ao final da década.
As últimas previsões do FMI apontam para saldos negativos nos orçamentos acima de 4% até 2030 em França, Estados Unidos, Japão e Alemanha. O que ditará uma tendência crescente na dívida pública nestes países, enquanto Portugal fica bem na fotografia.
Se esta deterioração dos indicadores de finanças públicas se acentuar, os investidores vão exigir taxas cada vez mais elevadas para comprar obrigações de longo prazo e os contribuintes pagar impostos cada vez mais elevados para suportar a fatia mais relevante que os custos com o pagamento da dívida vai assumir nos orçamentos.