2024 está a ser bastante positivo para a generalidade dos ativos cotados nos mercados financeiros, com as ações a providenciarem retornos muito generosos depois de um ano de 2023 que já tinha sido bem positivo. A valorização acentuada das tecnológicas norte-americanas atira os ganhos dos índices norte-americanos para 20%, a maioria dos índices acionistas europeus marca ganhos de dois dígitos e as ações japonesas também registam um desempenho muito favorável.
Contudo, há um ativo fora desta classe das ações e com um nível de risco bem inferior que consegue uma performance bem superior. O ouro está a ser a maior estrela dos mercados financeiros em 2024 e os analistas confiam que a escalada das cotações não vai ficar por aqui, pois os catalisadores que estão a atrair os investidores para o metal precioso permanecem intactos.
Alívio sincronizado da política monetária a nível global, enfraquecimento do dólar, sinais mais intensos de abrandamento da economia mundial, agravamento da instabilidade geopolítica, diversificação das reservas por parte dos bancos centrais e procura robusta por parte de consumidores e investidores são os fatores que têm alimentado este “rally” do ouro.
A matéria-prima atingiu recentemente um máximo histórico acima de 2.600 dólares por onça, acumulando já uma valorização muito próxima dos 30% em 2024. Um ganho anual que é dos mais acentuados este século e que surge depois de uma valorização já de dois dígitos em 2023. Face ao registado em setembro de 2022, o ouro já valoriza mais de 60%, o que corresponde a cerca de 1.000 dólares por onça.
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Ativo de refúgio ou “peso morto”?
O ouro tem características muito específicas que reforçam a sua atratividade junto de muitos investidores. Tem forte perceção de valor e é visto como um ativo de refúgio, com potencial para proteger as carteiras de momentos de turbulência e negociar em sentido contrário a outros ativos. Tem habitualmente uma posição pouco substancial nos portfolios diversificados, mas também são diminutas as carteiras que prescindem da exposição a este metal precioso.
Também há quem tenha uma opinião desfavorável sobre este ativo, considerando o ouro um “peso morto” nas carteiras de investimento, que só serve como proteção face à inflação e momentos de crise e turbulência. A evolução pouco entusiasmante entre o início da década de 80 e os primeiros anos deste século dá razão a estes argumentos, mas após a crise financeira de 2008 e de ter superado a barreira dos 1.000 dólares, o ouro entrou numa fase bem mais interessante.
A alta do ouro intensificou-se nas últimas semanas, devido ao reforço de expetativas de descida agressiva de juros por parte da Fed, sinais mais evidentes de abrandamento da maior economia do mundo e agravamento da instabilidade geopolítica no Médio Oriente. Apesar das cotações elevadas, a procura no retalho continua forte e estão a crescer as compras dos fundos (ETF) do ouro devido ao maior volume de investimento nestes produtos financeiros.
A questão está em saber se a atual cotação do ouro já reflete todos estes fatores positivos, ou tem ainda margem para subir ainda mais. A tendência de alta quase constate, com máximos históricos quase todos os dias, indicia que o ouro vai continuar a brilhar. As expectativas dos analistas também alimentam a tendência altista. Uma sondagem efetuada pela Reuters mostra que os grandes bancos de Wall Street aguardam que o movimento positivo perdure em 2025, definindo targets acima da atual cotação próximos dos 3.000 dólares por onça.
Contudo, vários analistas alertam que é expetável uma correção nos preços da matéria-prima, assinalando que a evolução do ouro e de outros ativos estão assentes em expetativas bem diferentes. Enquanto o ”rally” de quase 30% do ouro em 2024 reflete a previsão de uma travagem a fundo da economia norte-americana que enfraqueça ainda mais o dólar, os máximos históricos das ações norte-americanas traduzem a expectativa de que a Fed vai conseguir orquestrar uma aterragem suave da economia.
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Economia dos EUA é chave
A evolução da economia norte-americana assume assim um papel ainda mais fundamental na evolução do ouro, uma vez que influenciará de forma decisiva vários daqueles que são os catalisadores do metal precioso. Se a atividade económica continuar resiliente, a Fed terá menor pressão para acelerar a descida de juros, o que dará força ao dólar e tornará o “rally” do ouro insustentável. Caso a economia norte-americana tropece para uma recessão, a atratividade do ouro sairá reforçada, ficando o caminho aberto para novos recordes.
O ouro apresenta uma correlação inversa muito forte face ao dólar, numa tendência que se tem notado de forma muito intensa em 2024 e mais amplificada no terceiro trimestre. O índice do dólar, que mede a evolução da moeda norte-americana face às principais divisas mundiais, desvaloriza 5% desde o pico registado no início de julho. Já o ouro acumula um ganho próximo de 14% no mesmo período, o que representa o ganho trimestral mais acentuado desde 2016.
Embora sejam evidentes os sinais de abrandamento, a economia norte-americana está ainda distante de um cenário de recessão. O mercado de trabalho permanece robusto e o consumo das famílias continua com vigor. O PIB dos Estados Unidos cresceu um ritmo anual de 3% no segundo trimestre e indicadores mais recentes apontam para um resultado muito próximo no terceiro trimestre. As previsões recentes da OCDE colocam o PIB dos EUA a crescer 2,6% este ano e 1,6% em 2025.
A evolução da economia norte-americana também será chave para outro fator que tem impulsionado o ouro de forma decisiva. Se a debilidade do dólar persistir com a Fed a cortar juro de forma agressiva para impulsionar a economia, será maior o incentivo para os bancos centrais continuarem a diversificar as suas reservas e reduzir a exposição ao dólar.
As compras das autoridades monetárias em todo o globo têm sido determinantes para a valorização das cotações, representando já cerca de um quarto da procura total do metal. O banco central da China tem sido dos mais dinâmicos e as expetativas apontam para que continue a acumular ouro nas suas reservas internacionais, ao mesmo tempo que corta da dívida pública norte-americana num contexto de agudizar das relações entre as duas maiores economias do mundo.
As eleições de 5 de novembro nos Estados Unidos também representam um catalisador para as cotações devido ao elevado nível de incerteza sobre quem vai substituir Joe Biden na Casa Branca. Uma vitória de Donald Trump tem potencial para impulsionar o ouro, dado que o mercado atribuirá uma probabilidade de agravamento da instabilidade geopolítica em vários tabuleiros (China, Médio Oriente e Rússia).
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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