Cultura e Lazer

A fúria do “Estás despedido!” e os seus efeitos

Dois filmes sobre despedimentos de funcionários que fogem à frivolidade de certos programas de entretenimento, em que o ponto alto é mandar alguém para a rua.

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A fúria do “Estás despedido!” e os seus efeitos

Dois filmes sobre despedimentos de funcionários que fogem à frivolidade de certos programas de entretenimento, em que o ponto alto é mandar alguém para a rua.

O reality show The Apprentice, protagonizado por Donald Trump, popularizou a expressão You’re Fired!, exclamada com o dedo apontado e, geralmente, num tom sem especial empatia pelo concorrente/executivo acabado de despachar. Nos comícios políticos, o candidato e futuro presidente da América recorreria novamente à expressão, como se continuasse a apresentar o concurso televisivo, tornando-a uma tirada digna de aplausos entusiastas. Em contraste com esta aparente leveza, trazemos dois filmes que procuram mostrar, entre pitadas de humor e romance, o lastro emocional e psicológico causado por um despedimento.

Vestir uma capa para evitar as emoções

Em Up in the Air (Nas Nuvens, 2009), George Clooney interpreta um perito em downsizing de empresas que viaja alegremente pelos Estados Unidos – acumulando preciosas milhas de passageiro frequente –, com a única função de dizer às pessoas que, de um dia para o outro, elas se tornaram obsoletas ou dispensáveis para a empresa em que trabalham. Este Ray Bingham habituou-se bem à sua odiosa tarefa: gosta de passar a vida de voo em voo, de hotel em hotel, e não está minimamente interessado nessas coisas de assentar num amor para casar e ter filhos. Na sua função, vê-se como um anjo da guarda que facilita a vida aos profissionais demitidos. Subcontratado por patrões que não têm a coragem de serem eles mesmo a fazerem o trabalho sujo, Bingham é um veterano das salas de reuniões e dos discursos motivacionais. «Tente não levar isto a peito», diz ele, perante a pessoa que acabou de despedir, desarmando as reações de raiva ou de tristeza. «Veja isto como uma oportunidade», avança, para amenizar o impacto da machadada. «Qualquer pessoa que construiu um império [económico] ou mudou o mundo já se sentou, em tempos, no mesmo lugar em que você está sentado.»

A saída da empresa, quase por artes mágicas, passa a equivaler a uma espécie de renascimento. E eis que a pasta com o pacote de compensações desliza pelo tampo da secretária, como se fosse um presente valioso que inclui a resposta para todas as dúvidas e medos. Então, com os espíritos mais apaziguados, Bingham pede que lhe devolvam o cartão da empresa, que empacotem os objetos pessoais e que confiem no processo que os levará, rapidamente, até à nova vida e, quem sabe, a um futuro brilhante. Mesmo para quem já tenha 57 anos e nunca tenha feito outra coisa na vida senão o trabalho que acaba de perder?

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Pessoas reais que testemunham em filmes

Na vida real, às vezes, um término doloroso pode ser, de facto, o princípio de algo positivo; e, da mesma forma, muitas vezes não é nada disso. Para o demonstrar, o filme recorreu a uma série de figurantes não atores que tinham passado recentemente por um processo de despedimento. O realizador Jason Reitman apontou-lhes a câmara e pediu-lhes que se imaginassem em frente à pessoa que os tinha demitido. Que gostariam de lhes dizer? Eis alguns exemplos do que foi dito:

Funcionário despedido #1: «Enquanto homem, como é que posso voltar para casa e explicar à minha mulher que perdi o meu emprego?»

Funcionário despedido #2: «Costuma dizer-se que perder o emprego é como ter uma morte na família. Mas, pessoalmente, eu sinto é que as pessoas com quem trabalhava eram a minha família e fui EU que morri.»

Empregado despedido #3: «Não tenho condições para ficar desempregado. Tenho a prestação da casa. Tenho filhos pequenos.»

Empregado despedido #4: «Não sei como é que você consegue viver consigo próprio, mas estou certo de que encontrará uma maneira de o fazer, enquanto nós, os restantes, ficamos a sofrer.»

É provável que alguns dos nossos leitores já tenham ouvido, dito ou pensado palavras semelhantes ao longo das suas vidas. Diga-se que o autor deste texto também já teve a sua quota-parte. Inúmeros comentários ao filme no site de cinema imdb também incluem relatos da experiência de se ficar sem emprego. Será de estranhar?

Detalhes de vidas (momentaneamente) destroçadas

Um despedimento pode mesmo ser traumático. E, em The Company Men (Homens de Negócios, 2011), chega a vez de uma série de altos quadros – com os seus ordenados chorudos, casas e carros luxuosos, roupas de marca, etc. – se verem repentinamente do outro lado do espelho. Despedidos faseadamente, eles serão obrigados a reequacionarem os seus estilos de vida e a redefinirem os seus papéis enquanto maridos e pais. E os caminhos mais ou menos dramáticos de Bobby Walker (Ben Affleck), Phil Woodward (Chris Cooper) e Gene McClary (Tommy Lee Jones) acabam por representar diferentes formas e capacidades de encarar a nova realidade.

Neste filme duro, o espectador poderá reencontrar-se com algumas situações familiares. Os trabalhadores despedidos após décadas a suar a camisola (porque, nos novos tempos, é preciso continuar a entregar lucros aos acionistas, nem que seja pelo corte de cabeças). As caixas de cartão cheias com os pertences pessoais retirados da secretária recém-esvaziada. A tentativa desesperada de quem perde o emprego de manter as aparências, dizendo a si mesmo – e aos outros – que aquilo não passa de uma fase má. As alterações feitas ao currículo, apagando cargos de chefia, porque a experiência pode indiciar a exigência de um salário elevado. O regresso às entrevistas de emprego, com longas esperas em corredores inundados de candidatos. A luta por uma vaga preciosíssima, num mercado saturado de jovens licenciados que não têm outra alternativa senão estarem dispostos a trabalhar longas horas a troco de poucos dólares. A gestão da vida de desempregado, com as suas doses maciças de frustração, desespero, ansiedade. As casas e os carros que não se conseguem pagar. Passar a dizer aos filhos que não podem ter as coisas que tanto desejam. As pequenas humilhações que quebram os grandes orgulhos e arrogâncias do passado. Ser obrigado a pegar na família e ir novamente viver para casa dos pais. Os recomeços honestos noutro ofício, após o luto de uma carreira bem-sucedida na antiga profissão.

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Vidas que acabam sem que ninguém o perceba

Entre alguns resvalos algo romantizados ou diabolizados sobre as profissões manuais e de escritório (as primeiras associadas à felicidade mais simples e pura, as segundas como se contivessem todos os malefícios do mundo), o filme de John Wells acaba por fazer o retrato de uma época em que a ganância, mais do que tolerada, se tornou um objetivo empresarial. Como se refere em certos diálogos, para que uns poucos ganhem milhões (ou ganhem ainda mais milhões), tornou-se legítimo que se despeçam milhares e se fechem fábricas. As imagens das instalações abandonadas funcionam, assim, como uma metáfora daqueles que ficaram de mãos a abanar. A fachada exterior que esconde o vazio interior; os vidros das janelas estilhaçados que mimetizam as vidas humanas despedaçadas. «Sabes qual é a parte pior?», pergunta o mais atormentado dos três protagonistas. «É que o mundo não parou. O jornal continua a chegar todas as manhãs, os aspersores ligaram-se automaticamente às seis... O vizinho do lado continua a lavar o carro dele todos os domingos. A minha vida acabou e, sabes, ninguém deu conta.»

Mas nós, aqueles que viram estes e outros filmes, aqueles que já passaram por situações semelhantes, notámos. Há sempre alguém que nota. Há sempre alguém disposto a escutar e a compreender. Há sempre alguém disposto a dar a mão. E isso não é coisa só de cinema; é da vida real também.

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