Quando pensei em fazer um texto sobre a palavra “negócio” não imaginava que me fosse acontecer isto: "Meter-se em altas cavalarias". Eu, que nem sei subir para um cavalo, estava, como explica Magalhães Júnior, no “Dicionário de provérbios, locuções e ditos curiosos”, das Seleções do Reader’s Digest, a meter-me "em grandes empresas, em coisas que ultrapassam as possibilidades de quem as tenta, sendo fatal o mau resultado". Mas… quem nunca?! Pois bem, se me meti por este caminho, encontremos a saída mais airosa possível.
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Cuidado com o chão que se pisa
Antes de mais, preparar bem o terreno. "Mais vale um mau acordo que um bom pleito", avisa-se no dicionário de 1974, com a explicação de que é uma frase corrente nos meios comerciais e industriais, a frisar, em simultâneo, "as delongas e o alto custo dos processos judiciais". Tribunal? A sério? Só por ter mencionado no outro texto aquilo do livro do dirigente desportivo? Ora, toda a gente sabia menos eu. É que, nisto de negócios, sou meio nabo.
Bem gostava de "Saber guiar os bois adiante do carro", que Paulo Perestrello da Câmara, em 1848, sabia explicar sem problemas: conhecer, saber manejar o negócio, saber viver, guiar-se. Quando as coisas se orientam, "O negócio está em caminho", ou seja, "vai conforme a razão, em regra, em ordem". E, se tivesse sido esperto, pois que ficaria com a "Parte do leão" Disse esperto? Talvez devesse dizer trapaceiro, segundo a explicação na coleção do Reader’s Digest: "ficar com a parte do leão é ficar com tudo, é despojar os sócios através de recursos ilícitos e intimidações".
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Peixes, baldrocas, testas-de-ferro e mãos lavadas
Estão a ver? Uma pessoa entra nisto com boas intenções e, sem querer, já se transformou num rufia. É caso para dizer "Temos o caldo entornado", que significa um negócio mexido, aguado. Chegado aqui, "Tudo o que vier é ganho" ou, numa forma ainda mais popular, "Tudo o que cai na rede é peixe". E com direito a explicação de Magalhães Júnior: "indica este provérbio que não se deve negligenciar pequenos negócios, ou pequenos lucros, quando escasseiam os grandes."
É um bom conselho para desajeitados. Quem não souber melhor, pode ficar-se pelo "Negócio de trocas-baldrocas", que Perestrello da Câmara define como "transações de reles ou ínfimo valor, de barganhas". Ou então, "Servir de testa de ferro", que é figurar num negócio por outra pessoa, emprestar o nome para contrato, expediente que aparece frequentemente em notícias de trafulhices e é o mesmo princípio dos ghostwriters, gente que escreve livros em nome de pessoas (geralmente) famosas. Mas, quem for uma pessoa de sorte pode sempre ficar à espera. E, de repente, "Veio-lhe mesmo o negócio pintado", ou seja, chegou-lhe assim, sem mais nem menos, caiu-lhe no colo mesmo como desejava.
Pois sim, o melhor era arranjar um sócio como deve ser. Um parceiro que saiba da poda. "Uma mão lava a outra e ambas o rosto", já se dizia nos “Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns”, coleção de 1651 compilada por António Delicado, que alude a prestar-se serviço recíproco. Um ajuda o outro. "Um por todos, e todos por um", seria o lema, incluído por Perestrello da Câmara na sua coleção e assim esclarecido: "obrigação recíproca que contraem sócios em negócio de perdas ou ganhos."
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Um conselheiro capaz de nos deixar baralhados
Chegado ao fim, ainda não percebi se este negócio foi lucrativo ou se foi um desastre. Talvez devesse, logo no início, ter recorrido ao conselheiro Rodrigues de Bastos? Eis o que ele tem a dizer sobre o assunto, na sua “Collecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios”, datada de 1847:
"Os homens dão impulso aos negócios, e os negócios arrastam os homens."
"Quem perde a honra pelo negócio, perde o negócio e a honra."
"Não há metal tão duro, que resista à ação do ferro; nem negócio tão mau, que o dinheiro não acomode."
"Se quereis fazer negócio, ide pessoalmente; se quereis que ele se não faça, mandai."
Não sei bem que pensar, como de costume, depois das máximas do Conselheiro. Pelo menos, não mandei ninguém. Vim pessoalmente tratar do negócio. E, bem ou mal, está feito.
Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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