Os precedentes de um bom negócio, para a sabedoria popular, são vários. Comecemos pela amizade, que surge logo como um sinal vermelho. "Quem seu amigo quer conservar, com ele não há de negociar", já se avisava no “Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios” do major Hespanha.
Ainda assim, se fosse preciso explicação, Paulo Perestrello da Câmara não se coibiria, em 1848, de fazer um comentário a um provérbio recolhido no seu livro: "Amigos, amigos, negócios à parte", o que, segundo o autor, significava que "em matéria de negócios se põe de parte a amizade". Nada de favores, portanto.
Negócios que precisam de explicação
Em matéria de rifões simples e bastante conhecidos, estamos conversados. Bem, talvez possamos ainda acrescentar que "a alma do negócio é o segredo", assim fixado na mesma coleção de 1848. Mas quem se lembra ou quem conhece o seguinte, tirado do mesmo livro? "Chuchar boa torcida, boa mecha", que é como quem diz, "lucro pingue, gordo", que não melhora muito a coisa. Fica-se confuso à mesma. É lucro grande, abundante, negócio chorudo, coisa lucrativa, que rende bem, certo?
Talvez “negócio” seja uma palavra e conceito que requer muitas explicações. Vejamos cinco, para começar, com os parêntesis explicativos do autor já referido, Perestrello da Câmara:
"Candeia que vai adiante, alumia duas vezes" (diz-se de pagamento adiantado)
"Conversando com os meus botões" (examinando, ponderando o negócio comigo mesmo, refletindo sobre o pró e o contra, etc.)
"É negócio de truz" (ou caso de truz; importância, valor)
"Empandilharam-me os cobres" (roubaram-me com trapaças, fraudaram-me com pandilha o dinheiro. Pandilha é o conluio ou ajuste de duas ou mais pessoas para roubar.)
"Foi-lhe o negócio de vento em popa" (favorável, prosperamente)
"Fulano é filho do ganha dinheiro" (de homem industrioso, diligente e ambicioso)
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Uma coisa boa pode demorar cem dias (ou uma viagem à China)
No mesmo livro, fiquei a saber que uma bela frase (já usada em título de livro de memórias de um conhecido dirigente desportivo), é cousa antiga: "Largos dias tem cem anos", ainda na explicação do mesmo autor, "exprime que o negócio de que se trata, oferece grande dilação". Coisa demorada, portanto, arrastada no tempo.
Outro dicionário de provérbios que recorre a explicações é o das Seleções do Reader’s Digest. Na edição de 1974, o autor da recolha, Magalhães Júnior, conta que "Aprendiz de feiticeiro", coisa que o povo passou a dizer "dos indivíduos que se atiram a empresas ou aventuras para as quais não estão suficientemente preparados, marchando, por isso, para o inevitável desastre", é expressão saída de uma fábula do poeta alemão Goethe. Quanto à expressão "são favas contadas", bem, trata-se de "coisas tidas como absolutamente certas", negócio seguro, "é contar com ele, exatamente como se esperava". Hum, negócios impossíveis de correr mal… Isso é mesmo verdade? Segundo os provérbios, sim.
Temos o "Negócio de pedra e cal", por exemplo, que é seguríssimo. Ou o "Negócio da China", por exemplo, que é coisa de grande lucro, ou, segundo outra definição, "um negócio altamente vantajoso, que deixa lucros extraordinários"; o autor do dicionário do Reader’s Digest avança até que a locução poderá ter origem tão antiga quanto as viagens de Marco Polo, época em que a China passara a ser conhecida como "uma terra de coisas mirabolantes, assombrosas".
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E quando o negócio dá para o torto…
Mas, e se correr mal? Descansem, que o povo também terá algo a dizer nesse momento. Logo à partida, coisa mal feita, sabe-se logo, pois "Notícia ruim corre depressa". Enfim, foi tudo um "Negócio gorado", que o autor da coletânea do Reader’s Digest explica assim: "é o que não chega a bom termo, como um ovo que, em vez de produzir pinto, apodrece, chocado, por falta de aquecimento ou de outra condição."
Por isso, se tem a panela ao lume, ou melhor, se está a fechar um negócio, vá lá tratar dele e não o deixe arrefecer por estar a ler textos sobre provérbios. Da nossa parte, prometemos voltar com mais uns quantos negócios. A sério, podem acreditar, vão lá à vossa vida.
Já foram?
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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.
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