As férias são um ótimo momento para passar tempo com família e amigos. A verdade é que, felizmente, grande parte das crianças tem a possibilidade de passar algum tempo com familiares durante o ano letivo, mas nas férias de verão esse tempo pode ganhar novas proporções, principalmente quando familiares têm a disponibilidade de ficar com as crianças quando os pais estão a trabalhar, e em férias de família.
É tempo de união, bons mergulhos, refeições partilhadas, as gargalhadas multiplicam-se… mas com mais tempo para partilhar bons momentos, também vem mais tempo para conflitos. E quando o avô acha que uma palmada na hora certa não faz mal? E quando a cunhada decide comentar à frente de toda a gente que não percebe a decisão da mãe sobre parar de amamentar? E quando já pediu mil vezes para a avó não dar doces depois de jantar e há gelado todos os dias? E quando o tio teima em ver filmes de terror com os miúdos na sala? Todos nós, pais, já nos deparámos com situações em que foi difícil gerir a forma como os outros lidam com os nossos filhos. Não só familiares, mas também amigos e até pessoas que não nos são tão próximas assim. Assim sendo, para o efeito desta reflexão, falaremos sobre abordar limites, no geral, em relação à educação dos filhos. Como é comum, poderei correr o risco de deixar mais perguntas do que respostas, mas vamos à reflexão!
Compreender o contexto e encontrar o nosso padrão de resposta
Quem são as pessoas com quem isto mais acontece? E qual a reação que costuma ter? Pode ser importante compreender, por exemplo, se é hábito abordar o tema com hostilidade ou se tem tendência a ser mais passivo e deixar as situações passarem sem serem discutidas… a forma como reagimos às situações é fruto da nossa interpretação da mesma, e claro, da pessoa em questão. Para muitas pessoas pode ser mais fácil conversar sobre estas questões com um irmão do que, por exemplo, com os pais ou os sogros. Perceber o motivo pelo qual age de determinada forma com diferentes pessoas pode ser um bom primeiro passo. Tem medo de magoar se disser alguma coisa? Que se afastem? Que a criança possa ter algum tipo de consequência?
Além disto, pode ser importante compreender o motivo por trás do comportamento que não gostámos. Será que aquela pessoa dá doces à criança porque quer mimá-la? Será que não respeita a hora de dormir porque acha que não tem grande impacto no dia seguinte? Considera que bater não faz mal porque cresceu num seio familiar onde isso foi normalizado? Esqueceu-se de avisar que nos vem visitar a casa no pós-parto porque está muito preocupado em trazer-nos comida? Apesar de não ser desculpa para serem levados a cabo comportamentos com os quais não concordamos, pode ser importante estarmos conscientes do contexto que os rodeia, para que o momento de conversar sobre eles seja mais produtivo. Afinal, é difícil ter uma conversa assertiva sem empatia.
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Saber comprar as lutas
Antes de passarmos a uma reflexão sobre como ter este tipo de conversas difíceis, pode ser importante deixar o alerta de que, muitas vezes, é importante dar um passo atrás e analisar se determinado comportamento é assim tão danoso ou se “podemos deixar passar”. Se calhar chegaremos à conclusão que determinado comportamento não ocorre assim tantas vezes e que não tem grande impacto na criança e no funcionamento familiar. Em muitas famílias, o tal “doce dos avós” torna-se símbolo de cuidado, e está tudo bem com isso! O segredo está no equilíbrio e os problemas surgem quando se cai no exagero e quando a vontade dos pais não é respeitada constantemente.
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Saber que temos o direito a exigir respeito pelas nossas decisões enquanto pais
Depois do esforço por compreender o lado do outro, vem então a hora de tomar uma atitude. A verdade é que (felizmente!) grande parte das pessoas que vai contra o que os pais estipulam, fá-lo sem maldade e pensando genuinamente que é o melhor. Nem por isso deverá ser permitido. O momento de tomar uma atitude é muitas vezes o início de um conflito entre os próprios pais (sejam eles um casal romântico ou “apenas” parental). Há cuidadores que decidem, por exemplo, que cada figura parental ficará responsável por impor limites ao seu lado da família (ex. mãe lida com os seus próprios pais, o pai vice-versa). Apesar disto, é importante que ambos estejam alinhados em relação à mensagem que querem passar à pessoa ou pessoas em questão. Esta conversa deve ser pautada por empatia (enfatizando, se fizer sentido, que compreendem o motivo do comportamento – como abordado acima), assertividade (expressão clara daquilo que permitem e não permitem) e, se necessário, por negociação. Por exemplo, dizer asneiras em frente à criança não é mesmo aceitável, e se isso não mudar, podem não poder estar juntos até que consiga não o fazer (assertividade); até podemos permitir que a criança durma depois das 21h, mas nunca depois das 22h (negociação). Por vezes, um pequeno aviso bastará para que a família e amigos mudem algum comportamento; outras vezes são exigidas conversas mais extensas e os processos podem demorar muito tempo e até requerer dos pais limites mais sérios.
Em suma, a maioria das pessoas está apenas a fazer o que acha correto (às vezes é – temos muito a aprender uns com os outros!), mas nem por isso é menos fulcral impormos limites. Em específico no que diz respeito a gerações anteriores à nossa, sejamos empáticos o suficiente ao lembrarmos que as coisas eram muito diferentes e que estão a evoluir a passos largos; humildes o suficiente ao termos capacidade de ouvir, filtrar e aprender com quem já tem muita sabedoria acumulada; e confiantes o suficiente para nos defendermos quando necessário, mostrando novos caminhos no que diz respeito à parentalidade e educação.
Que esta reflexão não sirva apenas para as férias de verão, mas nos acompanhe ao longo de todo o ano – sempre que precisarmos!
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