Quantas vezes já não ouvimos a frase “No meu tempo não havia cá essas coisas de bullying… e virávamo-nos!”? A verdade é que o bullying sempre existiu, só não se dava por este nome. Outra verdade é que os tempos que correm, com a generalização do uso de tecnologias, dão aso a que surjam novas formas de perpetrar o bullying e também faz com que saibamos mais notícias sobre o tema. À medida que ouvimos sobre casos cada vez mais graves que muitas vezes se generalizam dos contextos escolares e outras atividades de tempos livres para outros contextos da vida dos jovens, ganhamos mais consciência do verdadeiro problema que o bullying é.

O que é e não é o bullying?

Podemos começar por clarificar o que o bullying não é: não é parte de um conflito entre uma ou mais pessoas, não é uma agressão “ocasional” e também não é parte da resolução de um problema. Ou seja, se há dois amigos que estão chateados e entram numa discussão, mesmo que acesa, sobre o assunto em causa, isto não é necessariamente parte de bullying, porque mesmo que exista agressão ou violência, esta é dirigida mutuamente, e existe, assim, uma espécie de equilíbrio. Ninguém está numa posição de superioridade ou poder. No bullying, as coisas são diferentes: é uma agressão intencional, recorrente e sistemática e em que existe um desequilíbrio de poder entre agressor e vítima, sendo que os três fatores têm de estar presentes. Por partes: a intencionalidade pressupõe que está presente o propósito de magoar e/ou causar dano à vítima. Nas crianças, nem sempre é óbvio que o façam de propósito e muitas vezes, quando existe uma conversa séria, é quando compreendem que o que estavam a fazer não era correto. Em crianças e adolescentes, a intencionalidade pode estar no “achar graça” ao sofrimento do outro, à sensação de adrenalina nos momentos em que o bullying está a ser perpetrado, e nem sempre com uma noção muito clara de querer magoar o outro. De qualquer maneira, quando existe bullying, esses momentos não são um acidente ou mal-entendido. No que diz respeito ao facto de ser recorrente e sistemático, isto significa que não são momentos isolados no tempo, mas antes repetidos diária e/ou semanalmente, durando por vezes, meses ou até anos. Por último – e muitas vezes a noção mais difícil de compreender – é a de desequilíbrio de poder: quando a vítima é percecionada pelo (ou pelos!) agressor como inferior e/ou mais fraca. A perceção de ser mais fraca pode estar relacionada com diversos fatores, como a detenção de alguma característica física que não é apreciada, um desempenho académico mais baixo (ou, por outro lado, mais elevado e que pode ser visto como algo “nerd”), estatuto socioeconómico mais baixo, entre outros. Muitos de nós temos características que podem fazer-nos mais suscetíveis de ser vítimas. No entanto, e algo que deixo sempre claro ao falar sobre bullying, é que isso não pode, nunca, justificar o comportamento do agressor.

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Que tipos de bullying existem?

A perceção de que o bullying é exclusivamente físico está, felizmente, ultrapassada. Aliás, é um dos tipos de bullying menos recorrentes, dando espaço a outros tipos de bullying que podem causar mazelas ainda maiores e que são tantas vezes, difíceis de identificar.

Físico: bater, empurrar, pisar, partir coisas suas, etc. Tudo o que entre no domínio físico;

Verbal: gritar, chamar nomes, criar alcunhas ofensivas (muitas vezes, mesmo que não pareça);

Emocional: coagir, ameaçar, chantagear, perseguir, gozar, difamar e tudo o que vise o mal-estar emocional da vítima. É um dos tipos de bullying mais difíceis de identificar, por ser tantas vezes silencioso e confundido com “coisas de miúdos”;

Social: excluir, coagir os outros contra a vítima, espalhar boatos, humilhar em público;

Financeiro: roubar, exigir dinheiro e tudo o que seja relacionado com dinheiro ou bens materiais;

Cyberbullying: todos os anteriores, mas perpetrados através da internet. Aqui acrescentam-se situações como a criação de perfis online em nome da vítima com o objetivo de denegrir a sua imagem, criar perfis seus ou publicar coisas pejorativas em relação a si, fazer-se passar por outra pessoa visando causar dano, coação à partilha de dados pessoais, exposição de conteúdos privados, etc. A utilização generalizada das redes sociais por crianças e adolescentes levou de facto o bullying a novos níveis e torna-se muitas vezes difícil perceber quem é o responsável por gerir situações que têm palco online (somos todos, sim?). Traz consigo perigos particulares, fazendo com que, em termos de consequências para a vítima, seja muitas vezes mais grave, tendo, inclusive, uma taxa de suicídio mais elevada, em comparação com o bullying em contexto “real”.

O que é particular em relação ao cyberbullying?

No cyberbullying as agressões podem ser mais difíceis de terminar, isto porque a vítima, tendo o seu ecrã no bolso, pode ser atacada a qualquer momento, onde quer que esteja. O bullying pode ser perpetrado em diversas aplicações online e o “palco infinito” traz esta perceção de poder ser atacado a qualquer momento e a qualquer hora, mesmo longe do contexto onde estão as pessoas que são agressoras. Para além disto, é difícil ter uma real noção de quantas pessoas verão os conteúdos contra si (se forem publicados), o que aumenta exponencialmente a falta de controlo. Simultaneamente, o bullying pode ser exponenciado, sendo que, se um conteúdo for público, muitas outras pessoas, além do agressor inicial, podem tecer comentários e ter atitudes negativas em relação à vítima. A possibilidade de anonimato online e a falta de supervisão sobre agressores e vítimas agravam um quadro de cyberbullying.

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Quais os sinais de que o meu filho pode estar a ser vítima de bullying?

Na verdade, os sinais mais comuns não são muito diferentes dos sinais aos quais devemos estar sempre atentos e que estão presentes numa panóplia de situações pelas quais uma criança pode estar a passar. Devemos atentar a alterações comportamentais e emocionais (ex. maior reatividade emocional; agressividade; tristeza; ansiedade); alterações nos padrões de sono, alimentação e controlo dos esfíncteres; diminuição do rendimento escolar; resistência em ir à escola e maior isolamento social. Em crianças e adolescentes que já têm acesso a um dispositivo eletrónico móvel, podemos ver maior nervosismo nos momentos de utilização ou resistência a partilhar o que fazem nos mesmos. Observa-se recorrentemente alguma tranquilidade no fim de semana ou nas férias, com uma crescente tensão e ansiedade à medida que a escola se aproxima.

Como conversar com o meu filho se desconfiar ou se souber que está a ser vítima de bullying?

É importante abordar o tema de forma natural, num momento em que possamos estar presentes plenamente. Há recorrentemente sentimentos de medo e tristeza muito presentes e várias crianças e jovens não querem conversar sobre o assunto, muitas vezes com medo do que acontece a seguir. É importante ouvir com atenção, sem interromper, não julgar e não insistir quando a criança se mostra muito resistente a partilhar no momento. Podemos dizer algo como “Estou a perceber que está a ser muito difícil para ti conversar agora, vamos dar-te algum espaço e conversamos mais tarde”. Não devemos mentir e dizer que não faremos nada em relação ao assunto, pois somos responsáveis pelo bem-estar das nossas crianças e por vezes isso significará tomar decisões que não vão gostar, mas que têm de ser tomadas.

Estar em articulação com a escola ou com o local onde ocorre o bullying é muito importante e a responsabilidade deve ser partilhada, pois cada adulto terá a sua função. Até ao 2º ano, os adultos terão de assumir o controlo quase na totalidade, conversando com a escola e ajudando a criança a perceber o que fazer nesses momentos; do 3º ao 6º já é possível delinear um plano em conjunto, conversando (se fizer sentido) em conjunto com a escola e percebendo o que pode ser feito nesse contexto; a partir do 7º ano, os pares ganham uma nova significância e a criança deve ser envolvida em todos os passos do processo. É importante enfatizar que a culpa nunca é da vítima e trabalhar na promoção da sua autoestima e assertividade. No caso específico do cyberbullying, é importante bloquear, denunciar, limitar o acesso às redes sociais (não como punição, mas como proteção), envolvermo-nos no uso das redes sociais e guardar as ameaças e agressões em local seguro online, para o caso de ser necessário provar o que está a acontecer.

Nas escolas, é importante que existam consequências para comportamentos de bullying, com regras claras aplicadas a todos; maior monitorização e supervisão dos jovens; sensibilização para o tema; formação ao staff e professores; possibilidade de intervenção individual com os alunos e espaço à promoção de competências socioemocionais.

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E aos agressores, não precisamos de tomar atenção?

Precisamos! Muito. Cuidar apenas das vítimas seria tratar o problema pela rama e ser negligente com crianças e jovens que estão, muito frequentemente, também em sofrimento. Ao mesmo tempo que temos de responsabilizar um bullie pelas suas ações, precisamos de perceber o que motivou tais comportamentos. Não é pouco comum que esteja a passar por um momento difícil ou que tenha sido, ele mesmo, vítima de bullying ou violência (por vezes no contexto familiar). Muitas vezes o bullying surge da necessidade de preservação da autoimagem, oferecendo sensações de controlo e de poder dos quais pode ser difícil abdicar se não existir um trabalho interno no que diz respeito à autoestima, empatia, antecipação de consequências e comunicação.

Nenhuma criança ou jovem deve passar por uma situação destas sozinha. Traz consigo consequências graves a nível socioemocional, como elevados níveis de ansiedade e depressão. Fomentar uma rede de apoio sólida é parte importante da resolução de uma situação destas, não só do ponto de vista das amizades, mas familiar também. O bullying é grave e não pode ser ignorado!

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