A morte é um tema difícil para todos, quer adultos, quer crianças. No entanto, é importante que nós, crescidos, integremos que faz parte do ciclo de vida e, sendo assim, não deve ser ocultada dos mais novos. Com isto não quero dizer que devamos falar de qualquer forma sobre este tema sensível, mas que é importante que o integremos de forma adequada no nosso quotidiano quando falamos com crianças; para que quando um luto chegue, o consigamos acolher da melhor forma possível. Ao comunicar uma morte, é importante ouvirmos as nossas próprias emoções e prepararmo-nos para acolher quaisquer emoções da parte da criança. Não nos podemos esquecer, no entanto, que muitas vezes quem partilha uma notícia destas, está também a sofrer muito. Assim, apesar de ser fulcral que se reserve um momento a sós e tranquilo, onde exista espaço para a expressão emocional, é importante que os adultos tentem estar alinhados de forma a se apoiarem uns aos outros e estarem, mesmo que à vez, disponíveis para acolher o sofrimento dos mais novos. Podemos explicar o que aconteceu de forma simples, dizendo que o corpo parou de funcionar porque estava muito doente; ou que houve um acidente que não esperávamos e que a pessoa morreu. Devemos disponibilizar-nos a esclarecer as dúvidas da criança, sem necessidade de adiantarmos demasiados pormenores. Costumo dizer que nem sempre os adultos saberão todas as respostas. Não é suposto, e deverão permitir-se tempo para pensar. Quando isto acontece e somos apanhados de surpresa, podemos dizer algo como “Não sei responder a isso agora, mas está combinado que quando souber, conto-te logo”.
Como falar da morte em cada fase do crescimento?
É também importante perceber como cada fase compreende este conceito. Até aos dois anos de idade, os bebés não são capazes de conceptualizar a morte, sendo que as memórias que guardarão da pessoa que morreu serão sentidas ao nível das sensações físicas e memórias não verbais. É possível que compreendam que as figuras de referência à sua volta estejam perturbadas, mas não serão, naturalmente, capazes de expressar todas as suas emoções. Nesta fase é importante manter as rotinas, procurando apoio de pessoas próximas.
Dos dois até aos cinco anos de idade é possível verificar alterações emocionais e comportamentais na criança: podem demonstrar confusão pela perda; comportamentos regressivos (como voltar a pedir a chucha ou o biberão) e é possível que a hora da brincadeira e de imitação dos adultos expresse a sua dor, com possibilidade de aumento da ansiedade, nomeadamente ansiedade de separação de outras figuras de vinculação importantes.
Dos seis aos dez anos, a maioria das crianças compreende a morte como definitiva e irreversível. A partir dos dois anos, esconder a morte de um ente querido pode ser extremamente danoso emocionalmente, fomentando sentimentos de confusão e traição. Para a partilha de uma perda devemos procurar um momento tranquilo, utilizando então linguagem simples e direta, oferecendo-nos para esclarecer todas as dúvidas da criança. Usar a palavra morte é importante, explicando que não será temporária e que, portanto, a pessoa não voltará. Validemos todos os sentimentos que surjam, tendo em conta que (tal como nos adultos), as reações podem ser muito variadas: choque, tristeza profunda, raiva e negação, “vontade” de rir… Não existem reações certas nem erradas! Devemos ainda explicar o que poderá acontecer a seguir (rituais, reações de outras pessoas, etc.).
Na adolescência, a morte é já vista como definitiva. Esta é uma fase fulcral no desenvolvimento do ser humano, onde começamos a criar o nosso verdadeiro sentido de identidade. Assim, para além das estratégias mencionadas anteriormente, é importante que estejamos atentos a outras questões nesta fase: é possível que o adolescente tenha dificuldade em ser vulnerável junto dos adultos da sua confiança, e que procure mais os seus pares (o que é normativo!); por vezes, os efeitos do luto podem ser sentidos mais tarde e traduzirem-se em sentimentos de grande tristeza, reatividade emocional (ex. irritabilidade; raiva), alterações de humor súbitas, isolamento social, etc. Os adolescentes devem ser encorajados a partilhar os seus sentimentos sem, no entanto, haver pressão da nossa parte. Devemos disponibilizar-nos como um espaço seguro, sem julgamento e enfatizando paciência. Ao mesmo tempo, devemos oferecer-lhes regras, limites e orientação, levantando estas premissas quando o comportamento não é aceitável (ex. estragar coisas; agredir alguém, assim como outros comportamentos disruptivos). Quando e se estes acontecerem, a emoção presente deve ser sempre validada, traçando o limite (ex. “Sei que isto está a ser muito difícil, que estás triste e zangado, mas não posso permitir que me batas.”).
Apesar de não ser recomendável que se utilizem metáforas muito complexas, sob pena de passarmos ideias erradas sobre a morte, cada família pode e deve utilizar as suas próprias crenças (incluindo religiosas), para melhor processar o seu luto. Devemos antecipar com os mais novos o que são cerimónias fúnebres e o que devem esperar (quem estará lá, quais serão os diferentes momentos, o que vai acontecer à pessoa que faleceu, etc.). A presença da criança nestas cerimónias deverá ser conversada com a mesma, inclusivamente com as mais novas. É um momento de despedida, mas se percebermos que a criança não se sente confortável, podemos pensar com elas, na altura ou mais tarde, noutras formas bonitas de o fazer e de homenagear quem faleceu. Caso se decida, em conjunto, que a criança vai às cerimónias, deve ser acompanhada a todo o momento e é importante que exista alguém que possa estar responsável por ir embora com ela, se for a sua vontade.
Falar sobre a morte com as crianças e jovens é um tema extremamente complexo. Não há dois casos iguais nem duas crianças iguais. Cada família tem o seu modo de funcionamento e a forma como a morte ocorreu e a família lida com ela tem um papel fundamental no processo de luto de todos. Um luto é sempre difícil, e por vezes, é importante procurar ajuda especializada para processá-lo. Há muitas outras questões que pode ser importante explorar, pelo que, no fim desta crónica, deixo a referência bibliográfica que apoiou a escrita da mesma, e que guia tantos profissionais e familiares: “As crianças, a morte e o luto – manual prático para adultos” (Ideias com História), de Ana Santos, psicóloga clínica que tem trabalhado muito na área do luto e trauma. Para além desta referência, os livros “Quando o rei da selva morreu”; “A morte explicada aos mais novos” e “Para onde vamos quando desaparecemos?” podem ser muito úteis, tanto para adultos como para crianças. Aconselho a leitura, principalmente do primeiro manual, para que não restem dúvidas caso sinta que precisa de mais apoio em relação ao tema.
A morte é universal, mas nem por isso pouco complexa. É difícil antecipar as reações à mesma, quer em crianças como em adultos. Felizmente, grande parte de nós não passa muito tempo a elaborar excessivamente a possibilidade de perder um ente querido, mas saber mais sobre o assunto pode auxiliar todos a lidar de forma mais saudável com o tema.
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