Desde 1967, o mundo assinala, a 8 de setembro, o Dia Internacional da Literacia. A data foi criada pela UNESCO para lembrar que o conhecimento é a base para uma sociedade mais pacífica, justa e sustentável.
Em 2024, pelo menos 739 milhões de jovens e adultos em todo o mundo continuavam com falta de competências em literacia, de acordo com a UNESCO. A nível nacional, o último relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) mostra que Portugal está abaixo da média de um conjunto de 31 países.
A literacia assume várias formas no nosso dia a dia. Vai da literacia financeira à mediática, passando também pela ambiental e digital. É ela que nos permite compreender o mundo e tomar decisões informadas. Mas, afinal, qual o retrato de Portugal?
Desafios na literacia, numeracia e resolução de problemas
O mais recente Inquérito às Competências dos Adultos da OCDE avaliou as competências em literacia, numeracia e resolução de problemas de adultos entre os 16 e os 65 anos, em 2022 e 2023. Portugal ficou abaixo da média dos 31 países e economias avaliados em todos estes domínios.
Literacia
Na literacia, 42% das pessoas não tiveram um desempenho superior ao nível um (a média da OCDE foi 26%).
Segundo o relatório, os adultos do nível um “compreendem textos curtos e listas organizadas, quando a informação está claramente indicada, conseguem encontrar informação específica e identificar ligações relevantes”. Já quem está abaixo deste nível consegue, no máximo, compreender frases curtas e simples.
Do lado oposto estão os adultos que conseguiram resultados de nível quatro e cinco. Estes são “capazes de compreender e avaliar textos longos e densos de várias páginas, entender significados complexos ou ocultos e utilizar conhecimentos prévios para compreender textos e realizar tarefas”. Em Portugal, foram apenas 4%, enquanto a média da OCDE foi 12%.
Ainda a nível nacional, os adultos entre os 25 e os 34 anos tiveram melhores resultados do que aqueles entre os 55 e os 65 anos. A OCDE explica que estes resultados podem dever-se a “efeitos associados ao envelhecimento, mas também diferenças na qualidade e quantidade de educação e formação entre gerações”.
Numeracia e resolução de problemas
Na área da numeracia, 40% dos adultos portugueses tiveram resultados iguais ou inferiores ao nível um (a média da OCDE foi 25%).
Neste patamar, as pessoas “são capazes de fazer cálculos básicos com números inteiros ou dinheiro, compreender o significado das casas decimais e encontrar trechos de informação em tabelas ou gráficos, mas podem ter dificuldades em tarefas que exijam várias etapas”. Abaixo do nível um conseguem apenas adicionar e subtrair números pequenos.
Apenas 7% estão nos níveis quatro e cinco (média de 14% na OCDE), patamares em que “conseguem calcular e compreender taxas e rácios, interpretar gráficos complexos e avaliar criticamente argumentos baseados em informação estatística”.
Já no capítulo da resolução de problemas, 42% dos adultos obtiveram resultados iguais ou inferiores ao nível um (29% na OCDE). No máximo, estas pessoas conseguem compreender “problemas muito simples, normalmente resolvidos numa única etapa”.
No nível quatro estão apenas 2% das pessoas (4% na OCDE). Neste patamar há uma compreensão mais profunda dos problemas e capacidade de adaptação a mudanças inesperadas, mesmo que estas exijam uma reavaliação significativa do problema.
Literacia financeira: Há melhorias, mas nem tudo está bem
O 4.º Inquérito à Literacia Financeira, relativo ao ano de 2023, foi apresentado pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros em abril de 2024. É o relatório mais recente desta série que avalia os níveis de literacia financeira dos portugueses e aborda temas de planeamento e gestão do orçamento familiar e da poupança, escolha de produtos financeiros, conhecimentos financeiros e finanças digitais.
Além disso, o inquérito integrou o exercício de comparação internacional dos níveis de literacia financeira da International Network on Financial Education da OCDE (OCDE/ INFE) para que fosse possível comparar os resultados nacionais com os de outros países. É nessa comparação que Portugal aparece no 13.º lugar de um grupo de 39 países no indicador de literacia financeira global.
Foram avaliadas três vertentes: atitudes, comportamentos e conhecimentos. Os participantes tiveram de responder a várias perguntas e, dependendo da resposta, era atribuída uma pontuação. Por fim, os resultados finais foram convertidos numa escala de 0 a 100 para permitir a comparação.
Assim, a classificação final foi de 62,7 pontos, melhor do que os 61,8 de 2020, mas pior do que os 67,2 de 2015. A subida de 2020 para 2023 deveu-se aos melhores resultados no indicador de conhecimentos financeiros (56,6 para 60,1), enquanto nos outros dois domínios registaram-se ligeiras descidas.
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Estudo do Doutor Finanças expõe fragilidades: Portugal está 15 anos atrás da Alemanha
Em 2024, o nível de conhecimento financeiro dos portugueses era inferior ao que os alemães demonstravam ter em 2009.
Esta foi uma das conclusões do estudo O Bem-Estar Financeiro em Portugal: Uma Perspetiva Comportamental, desenvolvido pelo Doutor Finanças em parceria com a Laicos – Behavioural Change, num projeto que contou com a chancela científica da NOVA IMS e da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL).
Neste estudo, apenas 36% dos portugueses souberam responder corretamente a três questões sobre taxas de juro, inflação, e risco e diversificação nos investimentos.
Além da Alemanha, o nível de conhecimento financeiro dos portugueses revelou-se também inferior ao dos Países Baixos em 2010 e igual ao da Finlândia em 2014.
Dos três temas analisados, aquele que os portugueses mais dominam é o dos juros, com 79% a responderam corretamente à seguinte pergunta: “Imagine que tinha 100 euros na sua conta poupança, com uma taxa de juro de 2% por ano. Após 5 anos, quanto acha que terá na sua conta se não retirar dinheiro?”.
O estudo recolheu respostas de 800 pessoas entre os 18 e os 75 anos com naturalidade portuguesa e a residir em Portugal à data de participação.
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Literacia mediática: A formação faz diferença
De acordo com uma diretiva europeia, a literacia mediática refere-se às competências, aos conhecimentos e à compreensão que permitem aos cidadãos aceder e utilizar os meios de comunicação social de forma crítica, eficaz e segura.
A informação mais recente sobre o tema está no Digital News Report Portugal 2025, produzido pelo OberCom – Observatório da Comunicação em colaboração com o Reuters Institute for the Study of Journalism.
De acordo com o relatório, 21% dos portugueses dizem ter recebido algum tipo de formação em literacia noticiosa ou para os media, um valor que está em linha com a média global dos 48 países participantes (22%). Ainda assim, abaixo dos níveis observados em países como a Finlândia (34%).
No entanto, a percentagem de pessoas que recebeu formação em Portugal é superior à de França (11%), Reino Unido (16%) e Japão (11%), por exemplo.
A análise mostra também que a formação em literacia mediática é mais comum entre jovens dos 18 aos 24 anos e entre pessoas com escolaridade mais elevada.
Outro ponto que o relatório destaca é o de que “a formação em literacia noticiosa associa-se a comportamentos informativos mais ativos”. Assim, as pessoas formadas demonstram:
- Maior interesse por notícias (60% contra 50% da população em geral);
- Maior propensão para pagar por notícias online (26% contra 10%);
- Tendência mais acentuada para aceder diretamente a websites de órgãos de comunicação social (24% contra 19%).
Além disso, quando é preciso verificar factos, estas pessoas recorrem com maior frequência a fontes oficiais (46%), marcas de confiança (44%) e verificadores de factos (28%). Mas a literacia mediática reflete-se também no envolvimento mediático. 86% dos que têm formação dizem envolver-se de alguma forma no quotidiano noticioso (ler, comentar, partilhar ou discutir notícias), contra 74% da população em geral.
Confiança nas notícias cai e desinformação preocupa
O Digital News Report Portugal 2025 mostra ainda outros dados interessantes. Este ano, a confiança nas notícias atingiu o valor mais baixo desde que Portugal integrou o relatório, em 2015. Apenas 54% dizem confiar nas notícias em geral, contra 66% há dez anos.
Ao mesmo tempo, 71% dos portugueses afirmam estar preocupados com a desinformação e com o que é real ou falso na internet, um nível de preocupação superior à média global de 58%. Portugal está, assim, entre os países mais preocupados com este fenómeno.
Na relação entre os dois indicadores, o relatório aponta que “quem confia em notícias tende a demonstrar níveis mais elevados de preocupação (79%) face a quem não confia (74%)”.
Em 2023, Portugal era o 12.º país europeu com melhor nível de literacia mediática
O último Media Literacy Index do Open Society Institute Sofia foi publicado em junho de 2023 e coloca Portugal em 12.º lugar de um conjunto de 41 países europeus. O relatório avalia indicadores como educação, liberdade de imprensa, confiança nos outros e participação online.
Numa escola de 0 a 100, Portugal conseguiu 60 pontos, 14 atrás da líder Finlândia. Com o mesmo resultado de Portugal aparece o Reino Unido, ambos à frente de países como Áustria, Chéquia, Espanha, França e Itália.

Literacia digital: Ligeiramente acima da média europeia
Mais de metade da população portuguesa tem literacia digital de nível básico ou superior. Os dados estão no relatório Competências Digitais 2024, da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), que apresenta a informação com base num inquérito da Comissão Europeia.
No indicador global de literacia digital da Comissão Europeia (Digital Skills Indicator 2.0), 56% da população entre os 16 e os 74 anos atinge, pelo menos, o nível básico de literacia digital (26% com nível básico e 30% com nível superior).
Este resultado coloca Portugal ligeiramente acima da média da União Europeia (UE), que é de 55% (28% com nível básico e 27% com nível superior). Já quando olhamos apenas para a população acima do nível básico, Portugal ocupa a 12.ª posição.
A avaliação das competências digitais é medida em cinco áreas: literacia de dados e informação, comunicação e colaboração, criação de conteúdos digitais, segurança, e resolução de problemas.
Na análise individual por estas áreas, Portugal está acima da média europeia na percentagem de pessoas com competências acima do nível básico na literacia de dados e informação (72% contra 69%) e segurança (56% contra 45%). Além disso, iguala a média na comunicação e colaboração (81%) e criação de conteúdos digitais (46%). Por fim, está abaixo da média na resolução de problemas (44% contra 57%).
Literacia digital é maior nas zonas urbanas
Tanto em Portugal como na UE, os níveis de literacia digital são superiores nas áreas urbanas. No entanto, em Portugal, a diferença para as zonas rurais é mais acentuada.
É que se 63,9% dos residentes em zonas urbanas verificaram um nível de literacia digital igual ou acima do nível básico, nas áreas rurais esse número cai para 43,7%.
Em termos de regiões, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve têm os melhores níveis de literacia digital, enquanto o Alentejo e os Açores têm os piores.
População que não usa internet tem vindo a diminuir
Em 2024, 12% da população portuguesa não utilizou internet nos três meses anteriores ao inquérito e 10% nunca tinha utilizado internet. Comparando com 2010, a evolução é grande. Nesse ano, 49% das pessoas não tinham usado internet nos três meses anteriores e 46% nunca tinham usado de todo.
De acordo com o relatório, “o principal motivo referido pelas famílias para não terem acesso ao serviço de Internet em suas casas relacionava-se com a literacia digital”. O principal motivo, apontado por 48% das pessoas que não usa, é a falta de conhecimento sobre a forma de utilização.
Seguem-se razões económicas relacionadas com o custo de acesso (15,5%) e do equipamento (8,4%).
Literacia ambiental: Portugueses entendem as alterações climáticas
Desde 2018, o Banco Europeu de Investimento publica o Inquérito do BEI sobre o Clima. No final de 2024, foi divulgada a sétima edição, mas foi na sexta que se procurou perceber o conhecimento que as pessoas têm sobre as alterações climáticas.
Além dos Estados-membros da UE, o relatório juntou o Reino Unido, os Estados Unidos, a China, o Japão, a Índia e o Canadá.
Os participantes tiveram de responder a 12 perguntas e foram classificados numa escala de 0 a 10, em que 10 indicava o nível de conhecimento mais elevado. Em termos globais, Portugal obteve 6,9 pontos, “o que coloca o país bastante acima da média da UE”, aponta o relatório.
Embora os portugueses compreendam as causas das alterações climáticas, o conhecimento sobre as soluções é mais limitado, uma tendência comum na Europa. Segundo o BEI, 79% dos portugueses não sabiam que a redução dos limites de velocidade nas estradas pode ajudar a combater as alterações climáticas.
Em relação às consequências das alterações climáticas, Portugal teve uma classificação de 8,67 pontos, acima da média europeia de 7,65. A esse propósito, 93% dos inquiridos portugueses sabem que as alterações climáticas têm um impacto negativo na saúde humana e 91% afirmam que as alterações climáticas estão a agravar a fome no mundo.
Além disso, 79% “consideram que as alterações climáticas contribuem para a migração global devido a deslocações forçadas”.
Saltando do sexto para o sétimo Inquérito do BEI sobre o Clima, 77% dos portugueses dizem que estão informados sobre como podem adaptar a casa e o estilo de vida para ajudar a combater as alterações climáticas.
83% das pessoas acham que podiam fazer mais
A primeira edição do estudo Clima de mudança: perceções sobre os desafios ambientais em Portugal, publicado em 2025 pela Fundação Calouste Gulbenkian mostra que “83% dos portugueses acredita que poderia fazer mais pelo ambiente”.
No entanto, há uma perceção de custo elevado associada a esse esforço: 52% dos que acham que podiam fazer mais, dizem que não o fazem devido a restrições financeiras.
Ainda assim, este relatório mostra que os temas ambientais estão longe de ser os que os portugueses consideram mais preocupantes. Numa pergunta de resposta múltipla, apenas 16% referiram as alterações climáticas e 5% as ameaças contra o ambiente.
Quando a análise incide sobre os hábitos, as conclusões são as seguintes:
- 72% separa e deposita o lixo no ecoponto sempre ou quase sempre;
- 31% evita usar o carro sempre ou quase sempre;
- 20% limita o consumo de carne sempre ou quase sempre;
- 13% compra em segunda mão em vez de novo sempre ou quase sempre.
Mulheres estão mais sensibilizadas para a causa ambiental
O estudo da Fundação Calouste Gulbenkian traçou cinco perfis, de acordo com “os níveis de envolvimento e predisposição para a mudança”:
- Esforçados (27%): Comprometidos, mas frustrados com a falta de apoio coletivo;
- Entusiastas (25%): Proativos e motivados, já adotam práticas sustentáveis;
- Recetivos (25%): Interessados, mas inconsistentes nos hábitos ambientais;
- Ocupados (15%): Envolvimento limitado devido às exigências da rotina;
- Desinteressados (8%): Sem interesse ou envolvimento com a causa ambiental.
Um dado interessante é que os perfis esforçados e entusiastas são maioritariamente compostos por mulheres, enquanto os perfis ocupados e desinteressados são dominados por homens. Já o perfil recetivo tem uma distribuição igual entre sexos.
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