Um terço das famílias portuguesas não fala sobre dinheiro com as crianças até aos 6 anos, como revelou o 1.º Barómetro de Hábitos Financeiros, uma iniciativa do Doutor Finanças em parceria com a Universidade Católica Portuguesa. Ou seja, a relação das crianças com o dinheiro ainda é evitada em muitas casas portuguesas.  

Segundo o mesmo barómetro, em Portugal, é entre os 10 e os 15 anos que 73% dos portugueses falam sobre dinheiro com os filhos, para ajudar na gestão e envolvê-los na tomada de decisões. Não será demasiado tarde para iniciar a educação financeira? Afinal, qual é a melhor idade para começar a falar de dinheiro com os mais novos? E como fazê-lo de forma adequada à sua idade? Este artigo responde a essas questões, com dicas práticas e estratégias simples para desenvolver a literacia financeira infantil em casa.

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A partir dos 3 anos: Introdução ao tema com o início do consumo

Parece cedo, mas não é. Por volta dos 3 anos, as crianças já começam a manifestar preferências e desejos de consumo. Ou seja, pedem um brinquedo, um chocolate ou um pacote de batatas fritas no supermercado. Este é o primeiro sinal de que a criança está a iniciar uma relação com o dinheiro, mesmo que ainda não o compreenda.

É nesta fase que os pais devem começar a introduzir conceitos simples, como o facto de o dinheiro não ser ilimitado e de que é necessário trabalhar para o ganhar.

Dica: A linguagem deve ser simples, os exemplos reais e as conversas naturais, sempre em resposta a situações do dia a dia.

Exemplo prático: “O pai e a mãe trabalham para receber dinheiro. Com ele pagamos a casa e a comida. Só podemos comprar outras coisas quando são importantes ou quando há mais dinheiro”.

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Aos 6 anos: O valor do dinheiro e a poupança

Por volta dos 5 ou 6 anos, as crianças já conseguem entender que o dinheiro serve para comprar coisas e que, por isso, tem valor. Logo, compreendem melhor a relação entre o dinheiro e os bens materiais. Assim, esta é a altura ideal para explicar a diferença entre necessidades e desejos, entre compras essenciais e impulsivas e começar a trabalhar metas simples de poupança.

Introduzir o conceito de poupança também pode começar aqui, com a ajuda de um mealheiro. Explicar que é possível juntar dinheiro para comprar algo maior no futuro ajuda a desenvolver a paciência e a noção de planeamento.

Dica prática: Encoraje o seu filho a poupar para algo que queira muito, como um brinquedo mais caro. Isso ensina paciência e reforça a recompensa do esforço.

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Estratégias de poupança: Os três mealheiros

Uma das formas mais eficazes e visuais de ensinar literacia financeira infantil é através da técnica dos três mealheiros, também conhecida como Spend, Save, Share” (Gastar, Poupar, Ajudar):

  • Gastar: para pequenas despesas do dia a dia;
  • Poupar: para objetivos importantes;
  • Ajudar: para contribuir em causas solidárias ou ajudar quem precisa.

Como as crianças devem distribuir o dinheiro pelos três mealheiros? Através da regra 50-40-10:

  • 50% para gastar;
  • 40% para poupar;
  • 10% para ajudar.

Entre as crianças mais velhas ou jovens, pode ser adotada outra versão desta técnica que divide o dinheiro em:

  1. Um mealheiro para o dia a dia (semanada/mesada)
  2. Um mealheiro para um desejo (ex. consola)
  3. Um mealheiro para o futuro (estudos superiores, tirar a carta ou até comprar o primeiro carro)

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Semanada ou mesada: Quando e como introduzir?

Oferecer uma semanada ou mesada é uma forma prática e eficaz de ensinar responsabilidade financeira desde cedo. Mas não basta entregar o valor. É essencial acompanhar, orientar e ensinar. Lembre-se de que o mais importante não é o valor dado, mas sim a consistência e o objetivo.

Dos 6 aos 10 anos é mais fácil gerir uma semanada

Entre os 6 e os 10 anos, uma semanada é mais recomendada, pois o intervalo mais curto permite ajustar comportamentos rapidamente. Comece por introduzir a semanada por volta da entrada na escola primária. É nessa altura que as crianças já sabem contar e fazer contas básicas. Embora não exista um valor pré-definido, é preferível dividir a quantia em moedas de menor valor do que dar apenas uma moeda por semana. Desta forma, é mais simples incentivar a criança a criar pequenas estratégias de gestão usando os três mealheiros.

A partir dos 11 anos pondere dar uma mesada

A partir dos 11 ou 12 anos, pode começar a dar uma mesada, permitindo que a criança aprenda a gerir um valor maior durante mais tempo. Defina com o seu filho quais são as despesas que a mesada irá suportar. Por exemplo, esta deve cobrir refeições na escola, lanches com amigos, idas ao cinema ou até uma compra a longo prazo.

Quando tem filhos adolescentes, o valor da mesada pode ainda contemplar algumas despesas fixas, como o carregamento do telemóvel e o cartão do bar da escola. Ou seja, o valor da mesada deve cobrir as responsabilidades atribuídas e permitir que sobre algum dinheiro.

Dica: Os pais não devem ceder a pedidos adicionais, se o dinheiro acabar antes do tempo. Os erros de gestão da mesada ou semanada são das melhores ferramentas de aprendizagem.

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Evitar o consumismo na relação crianças e dinheiro: Menos impulso, mais reflexão

Num mundo de estímulos constantes, ensinar as crianças a evitarem o consumismo é uma tarefa essencial. A chave? Conversas simples e exemplos práticos.

Como fazê-lo:

  • Envolva os filhos nas decisões de compra.
  • Mostre que há sempre alternativas: comprar usado, trocar, esperar por promoções.
  • Pergunte antes de uma compra: “Precisas mesmo disto ou só queres agora?”

Comparar preços é outra lição valiosa. Mostre como o mesmo produto pode custar mais ou menos em lojas diferentes. Este simples passo ensina análise e valor.

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Livros e jogos: Aliados na educação financeira

A educação financeira não tem de ser chata nem teórica. Existem cada vez mais livros infantis e jogos didáticos que ajudam as crianças a aprender sobre dinheiro de forma divertida. Desde contos sobre partilha e ganância, até jogos de tabuleiro que simulam decisões financeiras, as opções são variadas e adaptadas a diferentes idades.

Entre os 3 e os 7 anos, os livros com histórias e ilustrações são ideais. A partir dos 8 anos, os jogos de gestão e simulação começam a ganhar relevância, permitindo à criança experimentar cenários reais de forma lúdica.

Dica: O livro Doutor Finanças e a Bata Mágica, que vem acompanhado de um jogo de tabuleiro gratuito, é uma excelente introdução à poupança e à responsabilidade.

Mas as opções não terminam por aqui. Há jogos conhecidos por crianças e adultos que permitem melhorar a gestão e reforçar certos ensinamentos de literacia financeira. As crianças e jovens podem tirar lições financeiras do jogo do monopólio. Afinal, se estas não tomarem decisões de forma consciente, podem ir à falência. Como a mesma finalidade, também pode apresentar o Jogo da Vida ou o The Sims

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Ensinar pelo exemplo: O papel dos pais

As crianças aprendem mais com o que veem do que com o que lhes é dito. Se os pais falam mal do trabalho ou discutem sobre dinheiro à frente dos filhos, a mensagem que passam é negativa. Pelo contrário, se envolvem as crianças nas pequenas decisões do dia a dia – como escolher um produto mais barato no supermercado – estão a construir uma base sólida de literacia financeira.

Esse exemplo também se aplica aos hábitos de consumo. Se um pai diz que não se deve gastar por impulso, mas compra algo supérfluo sempre que sai de casa, a criança percebe a contradição.

Dar espaço para errar é ensinar a decidir

Tal como os adultos, também as crianças precisam de errar para aprender. Se gastarem todo o dinheiro da semanada em dois dias, não devem ser recompensadas com um “adiantamento”. Essa experiência – e o desconforto de não poderem comprar mais nada até à semana seguinte – é uma lição valiosa.

Além disso, se o seu filho gastar todo o dinheiro de forma impulsiva, evite críticas severas. Em vez disso, mostre as consequências: “Agora tens de esperar até à próxima semanada.” Este tipo de lição é eficaz a longo prazo e fortalece a autonomia.

Tenha em conta que, ao permitir que os seus filhos decidam o que fazer com o dinheiro que têm, é essencial para promover autonomia e responsabilidade. O papel dos pais é orientar, não controlar.

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