O Banco Central Europeu (BCE) voltou a dar notícias favoráveis às famílias que têm crédito à habitação, que deverão continuar a assistir a um alívio nas prestações mensais dos financiamentos que contraíram. O banco central implementou um corte de 25 pontos base na taxa dos depósitos, que está agora em 3,50%, tendo sinalizado que a remoção da política monetária restritiva vai prosseguir nos próximos meses.
Os indexantes do crédito à habitação têm antecipado esta estratégia cautelosa do BCE no alívio das taxas de juro, com descidas graduais nos últimos meses que devem prosseguir ao mesmo ritmo nos próximos tempos. Ou seja, se o agravamento dos juros foi rápido e abrupto, levando a um disparo nas prestações do crédito, o caminho inverso está a ser bem mais lento e tudo indica que assim vai continuar.
Existe ainda outro fator que pode ser visto como desfavorável para as famílias com crédito à habitação. É muito pouco provável, para não dizer quase impossível, um regresso das taxas de juro do BCE a terreno negativo, pelo que as prestações do crédito à habitação dificilmente vão baixar para os níveis que se encontravam há cerca de dois anos.
As taxas Euribor, que servem de referência para fixar as prestações do crédito, estavam em redor de -0,5% nos primeiros meses de 2022 depois de terem entrado em terreno negativo em 2015. A escalada da inflação que se observou a partir dessa altura pressionou o BCE a efetuar agravamentos agressivos nas taxas de juro, que levaram as Euribor a darem um salto de mais de 4 pontos percentuais em pouco mais de um ano.
Foi a partir do último trimestre de 2023, quando ficaram mais firmes as perspetivas de que a inflação estava numa trajetória descendente em direção à meta dos 2%, que as Euribor iniciaram a tendência descendente. Após um aumento de 4,5 pontos percentuais em pouco mais de um ano, o BCE só iniciou o ciclo de corte de juros em junho deste ano (descida de 25 pontos base para 3,75%), mas os indexantes começaram bem antes a aliviar, pois estas taxas antecipam os movimentos futuros do banco central.
Euribor 12 meses já está a meio caminho
A taxa Euribor 12 meses, muito utilizada como indexante nos créditos à habitação mais recentes, atingiu em setembro de 2023 um máximo desde 2008 bem acima dos 4%. Desde então, acumula uma descida de 1,3 pontos percentuais (130 pontos base), situando-se já abaixo dos 3%. Nos indexantes de prazos mais curtos as descidas das taxas foram mais brandas, pois situam-se mais próximas da taxa de referência do BCE. A Euribor 6 meses, ainda a mais utilizada como indexante no crédito à habitação, baixou 86 pontos base, enquanto a Euribor 3 meses desceu pouco mais de 50 pontos base.
Apesar de o BCE estar ainda no início do ciclo de alívio das taxas de juro, o foco está já em saber até onde vai o banco central. As perspetivas atuais, tendo em conta a dinâmica dos indicadores económicos e as indicações dos responsáveis do BCE, apontam para que a taxa dos depósitos desça de forma gradual até atingir um nível neutral. Ou seja, que não exerça uma pressão negativa ou positiva sobre a atividade económica.
Embora não exista um nível específico para esta taxa neutral, os economistas estimam que esta se encontre no intervalo entre 2% e 2,5%. Desta forma, atualmente os economistas e investidores estão a estimar que o BCE baixe a taxa dos depósitos a um ritmo de 25 pontos base por trimestre, até que esta taxa neutral seja atingida no final no próximo ano, ou mesmo só no início de 2026.
Caso esta perspetiva se confirme e o BCE não vá além da taxa neutral, a margem de descida da Euribor 12 meses já é algo limitada. Uma descida até 2,25% traduz uma margem de alívio adicional de 70 pontos base, pelo que este indexante já terá percorrido mais de metade do caminho descendente. Na Euribor 6 meses existe potencial para uma baixa superior a 100 pontos base (recuou 86 pontos base desde máximos), enquanto na Euribor 3 meses a queda poderá ser acima de 120 pontos base.
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Prestações baixam em todos os prazos
A intensidade das descidas das prestações do crédito à habitação depende muito da data em que o financiamento é contraído e do indexante utilizado, sendo que as decisões de política monetária do BCE acabarão sempre por se refletir na totalidade no custo do empréstimo.
Um crédito à habitação de 150 mil euros a 25 anos, com spread de 1% e revisão em dezembro, sofreu no ano passado um agravamento na prestação mensal de 9% para 850 euros. No final deste ano, caso a Euribor se mantenha nos níveis atuais, a prestação deverá baixar 7%, sendo expetável uma quebra semelhante para 730 euros no final de 2025.
Tendo em conta os mesmos pressupostos, mas com o indexante Euribor 6 meses, a prestação estabilizou em redor de 860 euros em dezembro, baixou apenas 1% em junho e deverá registar uma quebra em redor de 5% no final deste ano. Em dezembro de 2025 a prestação deverá estar 10% mais baixa, em redor de 730 euros. No caso da Euribor 3 meses, a descida das prestações será mais branda, mas as famílias vão notar de forma mais rápida e regular o alívio das taxas de juro.
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Economia dita ritmo de corte de juros
Os pressupostos descritos neste artigo têm por base as atuais expetativas para a evolução da política monetária. É por isso importante mencionar que, tal como se tem verificado abundantemente nos últimos meses, as expetativas podem registar alterações significativas e o que é hoje estimado pode estar muito desfasado da realidade dentro de alguns meses.
Com a inflação aparentemente controlada e a caminho da meta dos 2% (em agosto recuou para um mínimo de mais de dois anos nos 2,2%), será a evolução da atividade económica a ditar o ritmo de descida das taxas de juro. Com a economia da Zona Euro praticamente estagnada e a economia alemã a contrair e sem perspetivas de melhoria no curto prazo, uma degradação mais profunda da atividade económica pode ditar um alívio da política monetária mais célere e agressivo.
Na reunião da semana passada em que baixou as taxas de juro, o BCE manteve a estratégia de “esconder o jogo” sobre os próximos movimentos, que diz dependerem da evolução dos dados e com as decisões a serem adotadas reunião a reunião.
Christine Lagarde voltou a recusar fornecer um calendário indicativo para os cortes de juros e admitiu que a decisão da próxima reunião está em aberto. Se a economia da Zona Euro acentuar a tendência descendente, a taxa dos depósitos pode baixar já a 17 de outubro. Casos o “status quo” se mantenha, o próximo corte só deverá acontecer a 12 de dezembro.
Será a evolução da atividade económica no resto deste ano e em 2025 a ditar se o BCE vai ser mais ou menos rápido e profundo a aliviar a política monetária. Num cenário de recessão económica, o banco central terá de baixar os juros de forma mais célere, podendo inclusive cortar a taxa dos depósitos para um nível inferior à taxa neutral. A concretizar-se, representará boas notícias para as famílias com uma descida mais acentuada das prestações do crédito, mas à custa de outros desenvolvimentos desfavoráveis, como o agravamento do desemprego e perda de rendimentos.
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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.
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