Cultura e Lazer

A arte de bem governar pelos provérbios (parte II)

Desta vez, o título até deveria ser “a arte de bem governar… segundo o nosso bem conhecido Conselheiro. É que as ideias que aí vêm são todas do livro dele.

Cultura e Lazer

A arte de bem governar pelos provérbios (parte II)

Desta vez, o título até deveria ser “a arte de bem governar… segundo o nosso bem conhecido Conselheiro. É que as ideias que aí vêm são todas do livro dele.

Na nossa viagem imaginária ao século XIX, acabámos por não nos ir embora, ao repararmos que metade da assistência reunida para escutar as máximas do Conselheiro José Joaquim Rodrigues de Bastos ainda se mantinha pela plateia e camarotes do teatro. Haveria mais a dizer sobre isto de como se pode governar um país? Havia. E quase que se poderia sustentar um programa eleitoral, pelo menos em termos de valores morais e princípios de atuação, nas máximas que os mais estoicos ainda escutaram sobre…

MAIORIAS E MINORIAS

«Fala-se muito no governo das maiorias; mas o governo das maiorias é o governo das mediocridades.»

«Os governos, cuja base não é larga e nacional, são corpos enfermos, que uma dose um pouco mais forte de liberdade infalivelmente mata.»

«Um governo é tanto mais hábil, quanto mais ele sabe consultar os interesses do maior número, e conciliar os de todos.»

PARTIDOS E GOVERNO

«O interesse dos governos é o de tudo unir. O interesse dos partidos é o de tudo dividir.»

«Os maiores detratores dos governos, são os que pretendem governar.»

«Toda a mudança de governo que não traz um grande bem, traz um grande mal; porque abala os interesses, contraria os hábitos, excita os ódios, e subleva as ambições.»

LIDERANÇA

«Os males públicos são ordinariamente causados por homens que se lançam na vida pública para satisfação de interesses privados.»

«Nada prova tanto a mediocridade daqueles que estão à testa dos Estados como a repugnância que eles têm para com os homens superiores. É a insuficiência, e não o génio, que teme as comparações.»

«Um homem de génio não pode governar um Estado sem firmeza; e é precisamente a firmeza que faz a desgraça dos Estados, governados por homens sem génio.»

HORÁRIO DE TRABALHO

«Os mais pequenos Estados têm de que ocupar a capacidade do maior dos homens.»

«Os que superiormente governam devem ser como os corpos celestes, que têm muito brilho e nenhum repouso.»

«Nenhum divertimento deve ocupar um grande espaço nos dias do homem encarregado dos negócios do povo.»

JUSTIÇA

«Para haver um governo verdadeiramente forte, é de absoluta necessidade que ele seja verdadeiramente justo.

«O governo melhor para os bons, é o mais justiceiro; para os maus, o mais indulgente.»

«Aqueles que têm em suas mãos as leis para governarem os homens, devem sempre deixar-se governar pelas leis.»

Leia ainda: A arte de bem governar pelos provérbios (parte I)

ORDEM E LIBERDADE

«Não merecerá nunca a qualificação de um bom governo aquele que se não ocupar da solução deste importante problema: Quais são os meios de conciliar a ordem com a liberdade?»

«O governo que faz que todos gozem tranquilamente da maior latitude de liberdade possível, não pode deixar de reputar-se um bom governo.»

«É fácil governar os homens pelo terror; mas é difícil fazê-lo impunemente e por muito tempo.»

REGIMES AUTORITÁRIOS

«O governo que diz ou que assenta que tem direito de enganar os homens para seu bem, ou é já tirano, ou marcha para a tirania.»

«Um governo se expõe a cair, quando em vez de se apoiar no coração dos povos, se apoia nas espadas dos soldados.»

«Um governo que marcha para o despotismo, marcha para a sua ruína; porque, isolando-se de todos, todos se isolam dele.»

VIRTUDES E DEFEITOS

«Quando existirem homens sem defeitos, ver-se-ão governos sem abusos.»

«Os homens enganam-se miseravelmente quando esperam achar a sua felicidade mais na forma dos seus governos, que na reforma dos seus costumes.» E, logo a seguir, à laia de reforço: «Em vão se muda de governo, se os homens e os costumes se não mudam.»

«Para o governo dos povos, os moços devem ser a força dos velhos; e os velhos devem ser o conselho dos moços.»

E foi assim que a palestra terminou, com os velhos e os moços – e as velhas e as moças – a retirarem-se, lado a lado, para as suas casas.

Leia ainda: As causas e consequências da guerra (nos provérbios)

Uma minibiografia para os mais curiosos

Nisto dos provérbios, temos recorrido tantas vezes aos pensamentos do conselheiro Rodrigues de Bastos que talvez valha a pena conhecermos um pouco sobre este homem. Sem grandes extensões, descansem, que essas ficam para o texto repartido por dois números da Revista Contemporanea de Portugal e Brasil, em 1861, e para o artigo assinado pelo Dr. Rui Moreira de Sá e Guerra, em 1988, no Boletim Municipal de Aveiro. Tudo obras consultáveis online.

Pois bem, sucintamente, diga-se que José Joaquim Rodrigues de Bastos nasceu em novembro de 1777, no lugar de Moutedo, concelho de Águeda. Os pais, abastados, viviam das suas fazendas e tiveram meios para mandar graduar o filho em Direito, pela Universidade de Coimbra. Obtido o canudo, o jovem iniciou carreira de advogado pelo Porto, cidade onde casaria e criaria dois filhos e uma filha. Após candidatar-se à magistratura, o bacharel seria empossado do cargo de juiz.

Eram as décadas das invasões francesas, da Corte portuguesa refugiada no Brasil, das Guerras Peninsulares, das ideias liberais que já germinavam pela Europa. Eleito deputado às cortes constituintes pela província do Minho, em 1820, foi escolhido pelos pares como um dos secretários. Participou ativamente na vida política, como «um dos mais ilustres campeões do partido liberal conservador», até ser nomeado corregedor e provedor da comarca do Porto. Ali esteve, já graduado desembargador, até assumir, em 1927, o cargo de intendente geral da polícia da Corte e Reino, tomando então o título de Conselheiro.

Autor de romances morais e meditações religiosas

Assistiu às lutas entre liberais e absolutistas que puseram o país em estado de guerra civil. Passada a turbulência das armas, afirma-se que foi alvo de saneamento. O dito homem de conduta moderada e prudente procurara sempre, segundo defende um dos seus biógrafos, «o equilíbrio de manter uma posição razoável, limadora de extremismos». Como também se escreve, «não admitia violências, nem as praticava e compreendia as ideias dos outros». Porém, a pertença a um partido parecia não ser conjugável com a sua liberdade. «Sabia que se não pode permanecer dentro dos limites da razão sem ser detestado dos homens de partido, nem tomar um partido sem se sair dos limites da razão.»

Alheado das disputadas políticas, continuaria a servir como desembargador; aos 55 anos, recolhia-se à vida privada. Aprofundou as «sólidas bases religiosas» ao escrever Meditações ou Discursos Religiosos e alguns romances ditos morais, com personagens que espelhavam os seus ideais de virtuosismo e sabedoria. Quanto à Colecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios, cuja 2.ª edição em 1847 se dividiu em dois tomos, foi considerada obra notável no seu género.

Conselheiro Rodrigues de Bastos
Ilustração em "Revista Contemporanea de Portugal e Brasil", volume VII, N.º 08, 1961 (disponível em Hemeroteca Digital de Lisboa)

Uma das bibliotecas mais impressionantes da cidade do Porto

O artigo na Revista Contemporanea surgia a breves dias de Rodrigues de Bastos completar 84 anos. O retrato-homenagem saído da pena de A. A. Teixeira de Vasconcellos assegurava que a idade não lhe enfraquecera as facultades, nem lhe abatera o espírito, nem lhe diminuíra a benevolência e a graça do carácter. Os dias eram passados entre a família, alguns amigos fiéis, e os seus livros.

Já viúvo, morreria em outubro de 1962, prestes a completar 85 anos. Assegura-se que possuía, à altura, uma das mais ricas bibliotecas da cidade do Porto. E o Conselheiro Rodrigues de Bastos não a esqueceria, no testamento redigido pela própria mão: «O que me deve o Thesouro publico de ordenados do Desembargo do Paço, o que tenho no Banco de Portugal e na companhia de seguros marítimos e terrestres, o ouro, a prata, a mobília, e a minha grande livraria, tudo deixo aos meus ditos filhos para repartirem entre si.»

Fica a dúvida do que terão feito os filhos a tanto livro e se terão conseguido que o Estado lhes pagasse os ordenados que há várias décadas devia ao antigo funcionário…

Leia ainda: A avareza nos provérbios: Condenação quase unânime

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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