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Imagem onde um homem trabalhador descansa

As crises económicas do século XXI voltaram a ter impacto criativo nas letras de Bruce Springsteen. O álbum «Wrecking Ball» (2012) é, de facto, uma bola demolidora contra as demagogias políticas, contra as ganâncias empresariais, contra uma economia que parece apostada em deitar abaixo o homem trabalhador. E vão ser estas quatro faixas a terminar a nossa viagem pela discografia de um “patrão” da música, um dos maiores de sempre, que nunca esqueceu as suas origens humildes.

«Jack of All Trades» (Wrecking Ball, 2012)

O protagonista desta faixa é um homem dos sete ofícios. Ele corta a relva, limpa as folhas das caleiras, conserta o telhado para evitar que chova dentro das casas dos ricos. Ele assenta a pedra, martela os pregos, trata da colheita dos cereais e desmonta motores para os pôr a funcionar. «Sou um homem dos sete ofícios, querida, vamos ficar bem», assegura ele, sabendo que lá fora as pessoas estão a viver como se estivessem no meio de um furacão, sob uma chuva intensa. Safam-se todos como podem. Um cenário já visto. «O banqueiro engorda, o trabalhador emagrece / Já aconteceu tudo antes, e vai voltar a acontecer / Eles apostam a tua vida, sim, que vai voltar a acontecer.» São ainda os tempos de aguentar a seca e a inundação. De usar o que se tem. De fazer novo do velho. Ainda assim, quando o dia desponta, há um vislumbre de esperança. «Consigo ver a luz / há um novo mundo a chegar». Só que, às vezes, o amanhã chega encharcado de tesouros e sangue.

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«Shackled and Drawn» (Wrecking Ball, 2012)

O homem desta canção sente que acordou, ainda de madrugada, como se estivesse algemado, submerso, afogado. «Um dia mais velho, mais perto da cova», diz. Como se tivesse de carregar uma pedra às costas, um peso que passa de geração em geração. «Caminho com dificuldade na escuridão de um mundo que deu para o torto». Este protagonista, no entanto, não teme o trabalho. «Sempre adorei o cheiro a suor na minha camisa». Ele só quer que os outros lhe deem espaço, que o deixem trabalhar. Que tem isso de errado? «A liberdade, filho, é uma camisa suja / O sol na minha cara e a minha pá na terra / Uma pá na terra mantém o diabo afastado». Mas é uma liberdade relativa, num mundo desigual. «O jogador atira os dados, o homem trabalhador paga a conta / Na colina dos banqueiros continua tudo fácil e à grande». Nessa colina, onde o dinheiro ainda jorra, a festa está a bombar. Enquanto isso «cá em baixo, estamos algemados e submersos».

«Death to My Hometown» (Wrecking Ball, 2012)

Esta é a história da morte da terra em que o protagonista cresceu. É um grito de revolta contra o que aconteceu, mesmo que a destruição não tenha sido por uma bola demolidora, nem por bombas caídas do céu, nem por explosões de pólvora. Não se ouviram trovões de morte, mas houve pessoas que, como se fossem a mão de Deus, trouxeram o fim àquela localidade. Mas, se não houve balas a rasgarem o céu, se não se deitou fogo aos edifícios, se não houve exércitos invasores nem se coroaram ditadores, como é que o protagonista acordou, numa noite silenciosa, e descobriu que tinham trazido a morte à sua cidade natal? Quem foram, afinal, os culpados? «Os saqueadores atacaram na escuridão», acusa. «Destruíram as nossas famílias e fábricas / tiraram-nos as nossas casas / deixaram os nossos corpos nas planícies / os abutres comeram os nossos ossos.» A canção é um aviso. Eles vão voltar. Isso é certinho. Por isso, o melhor é arranjar uma canção e cantá-la até ao fim. Cantá-la bem, com pujança, para que eles a ouçam. «Manda os barões-ladrões direitinhos para o inferno / esses ladrões gananciosos que apareceram / a devorarem a carne de tudo o que encontraram / cujos crimes ficaram impunes / e que agora andam pelas ruas como homens livres.»

«This Depression» (Wrecking Ball, 2012)

E eis-nos perante um lamento final. Esta é a confissão de alguém que já esteve mal, mas que nunca se sentiu tão em baixo. De um homem que sempre foi forte, mas que nunca se sentiu tão fraco como agora. «Eu já andei perdido / Mas nunca assim tão perdido», confessa o protagonista à sua querida. No meio de uma depressão económica, de uma crise que parece não ter fim, ele sente que todas as suas orações foram em vão. Isso abalou-lhe a fé, mas ainda não perdeu a esperança. Mesmo que sinta que tem estado sem amor, sabe que não foi abandonado. Lá fora, começa a amanhecer. É o sol que nasce. Ele só precisa de ajuda. Precisa dela. Do amor dela. «Esta é a minha confissão / Eu preciso do teu coração / Nesta depressão.»

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