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juiz com balança na mão

Em matéria de resolver querelas de forma justa, há vários provérbios que ainda estão a uso, como o «cá se fazem, cá se pagam», ou o «paguei-lhe na mesma moeda», – ou seja, do «mesmo modo». Mas digamos que estes exemplos estão mais apropriados para os justiceiros do que para a justiça… «Quem com ferro mata, a ferro morre», sinalizava o “Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios” do major Hespanha, ou não fosse ele um homem de armas. Enfim, já se devia ter evoluído da barbárie do «olho por olho, dente por dente», mas ainda há quem teime em resolver os assuntos pelas próprias mãos.

Deus, o juiz supremo (para alguns)

Nesses casos, ficamos bem distantes dos provérbios que têm origem em tempos mais religiosos. Muitas gerações ainda foram criadas a ouvir um «Deus escreve direito por linhas tortas» ou um «Deus tarda, mas não falha». O primeiro oferece uma justificação divina para o que nos parece mal, profundamente injusto, e o dicionário de Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos, datado de 1848, incluía uma versão ligeiramente diferente: «Escreve Deus às vezes o direito com letras tortas.» Quanto à ideia de que Nosso Senhor não falha, bem, isso será questão para a fé de cada um.

O melhor é desviar o rumo da conversa para coisas mais terrenas, como isto de que «esquecemo-nos dos bens de que gozamos, e só nos ocupamos e queixamos dos males que sofremos». É a teoria do copo meio cheio ou meio vazio; a divisão do mundo entre pessimismo e otimismo.  Ainda assim, o realismo é capaz de trocar as voltas mesmo aos mais otimistas. O povo assim o afirma, ao referir que «arde o verde pelo seco», forma de dizer que «paga o justo pelo pecador». Ou então, quando vai tudo «a torto e a direito», que o dicionário de Sentenças Morais e Idiotismos da Língua Portuguesa traduz por «com justiça ou sem ela, sem seleção ou escolha».

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E se tudo se resolvesse como que por magia?

No fundo, talvez gostássemos que para a justiça não fosse verdadeiro o provérbio de que «uns são filhos, outros são enteados». Ou que tudo se nivelasse de forma natural, ao estilo, «faz o mal, espera igual.» De facto, a sabedoria popular desejou tanto este equilíbrio sem necessidade de tribunais que criou inúmeras versões da mesma ideia: que a um mal feito, houvesse retribuição quase imediata e inevitável.

«Quando uma causa é justa, cedo ou tarde triunfa».

«O castigo tarda, mas não falta.»

«O mal feito à noite, de dia aparece.»

«Quem cospe para o ar, na cabeça lhe cai.»

«Não desejes mal a ninguém, que o teu pelo caminho vem.»

«Quem semeia ventos, colhe tempestades.»

«Cada um tem aquilo que merece.»

O bastante conhecido «voltar-se o feitiço contra o feiticeiro» já vinha explicado ao pormenor por Francisco Roland, no seu livro de Rifões e Anexins, datado de 1841, como sendo «recair o mal sobre quem o faz», ou «julgar ter lucrado, vantajado, porém ser o prejudicado».

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Senhor juiz, volte, está perdoado

Porém, também há provérbios que defendem a necessidade de um juiz. Desde logo porque «ninguém é bom juiz, nem mau advogado, em causa própria». E para evitar que «por uns pagam os outros», a sabedoria popular pede mão pesada para quem prevarica.

«Juiz piedoso faz o povo cruel.»

«Quem perdoa ao lobo, prejudica a ovelha.»

«Ofende os bons quem poupa os maus.»

Como sempre, os anexins vão de um extremo ao outro. Em vez do tom impiedoso, também temos conselhos para ajuizar melhor. «Se queres ser bom juiz, ouve o que cada um diz», avisa-se. «Excesso de justiça faz injustiça», considera-se.

Até porque, frequentemente, não queremos para nós os mesmos pesos e as mesmas medidas que queremos ver aplicados aos outros: «Todo o mundo quer justiça, mas não em sua casa.» Ou, numa versão mais antiga, «A justiça a todos guarda, mas ninguém a quer em casa». É como diz o conselheiro Rodrigues de Bastos: «Preferi o estranho, que ama a justiça, a vossos próximos parentes, que a não respeitam.» Mas, para sermos justos com a quantidade de entradas sobre esta matéria que constam da Colleção de Pensamentos, Máximas e Provérbios, teríamos de lhe dedicar quase um texto por inteiro. Tenha calma, conselheiro. Vamos pensar no assunto, portanto, não precisa de nos pôr já em tribunal.

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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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