Cultura e Lazer

Se a economia dos Sims é pouco realista, os fãs tratam disso

No universo do “The Sims”, preza-se o entretenimento sem pesos na consciência; mas também há quem queira maior realismo com o dinheiro.

Lançado em 2000, “The Sims” continua a ser um jogo popularíssimo. Atualmente na quarta série, este simulador de vida real propõe aos jogadores que criem uma persona virtual para depois a lançarem num mundo em que se pode comprar casa, trabalhar, fazer amigos, arranjar namoro, casar e até ter filhos.

A enorme quantidade de roupas, aparelhos, mobílias, artigos de decoração e outros bens à disposição dos sims, em troca de uns quantos simoleons (a unidade monetária do jogo), tem-se revelado um dos grandes atrativos da série; mas, numa simulação que pretende ser realista, como estamos em termos de economia?

Um mundo onde o dinheiro cresce nas árvores

Na verdade, ganhar simoleons não se revela uma tarefa especialmente complicada. “Na minha opinião, é demasiado fácil ganhar dinheiro”, sintetiza um utilizador, num fórum de discussão. Como discordar, se até existe a hipótese de plantar árvores em que crescem simoleons? Bem que gostaríamos de ter uma planta dessas num vasinho da marquise.

Outra enorme diferença em relação à realidade é que um avatar consegue encontrar sempre uma fonte de rendimento disponível, pois este é um universo que desconhece as crises financeiras, as empresas falidas, o desemprego. A nação dos sims conseguiu o milagre de todos os seus cidadãos terem uma atividade profissional. E, como as promoções são automáticas, a ascensão até ao topo da carreira (e a um ordenado chorudo), é simples e rápida.

As coisas são um bocadinho menos idílicas na versão online, em que se pede ao jogador que crie e comande uma comunidade inteira de sims; a moeda corrente continua a ser a mesma, mas as atividades remuneratórias são mais escassas e menos rentáveis. Mas isso é a forma de oferecer a hipótese aos jogadores de comprarem pacotes de dinheiro virtual com… dinheiro a sério.

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Até num hobbie se pode fazer fortuna

Convirá relembrar que The Sims é o que pretende ser: um jogo. E, para muitas pessoas, o conceito de entretenimento não passa por ter dívidas ao banco ou chegar ao fim do mês com a incerteza de haver dinheiro para pagar a eletricidade. “Eu uso a árvore do dinheiro porque, na verdade, detesto ter de me preocupar com as contas”, defende um jogador que não perde muito tempo a pensar no quão equilibrada é esta singular economia virtual.

Para estes jogadores menos afoitos a terem de lidar com frustrações económicas ou dores de crescimento, não faltam as hipóteses de enriquecerem os seus sims. Atingir a excelência em hobbies como jardinagem, pintura ou escrita, por exemplo, é uma forma de amealhar grandes fortunas. O que até faz sentido, dentro da economia muito própria do jogo, para o jogo não se tornar demasiado complexo ou exigente. No fundo, a mansão de luxo com vista para o mar não deve ser um sonho inalcançável. Diversão acima de tudo, certo?

Se não pagares a fatura da água, ficas sem pingo

Nem para todos. “Parece que já nada tem valor”, escreveu um utilizador, pois, após uma semana de jogo, todos os problemas financeiros tinham desaparecido, uma vez garantido o aumento salarial dado pelas promoções automáticas. Pelos vistos, há quem queira experiências mais tormentosas. Quemprefira que a construção da casa de sonho, ou a chegada ao topo da carreira, seja uma meta difícil de alcançar. Há quem prefira jogar num mundo em que o dinheiro, no fim de contas, não cresça no quintal.

Talvez possamos encarar esta necessidade de maiores dificuldades económicas nos jogos como um sinal de maturidade financeira. Não faltam, por isso, artigos a apontarem os erros da economia em “The Sims”. Um deles até funciona em detrimento dos avatares, que, coitados, ficam logo com a luz cortada se, por um desastre inimaginável, não conseguirem pagar a conta da eletricidade; ali, nada de renegociações da dívida ou pedidos de extensão do prazo de pagamento. De um dia para o outro, os interruptores deixam de funcionar e as torneiras ficam sem pingo de água.

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Discrepâncias entre o barato e o caro

O preço desarmonioso dos bens é uma das principais críticas ao jogo; se por um lado uma piza pode custar uns estrondosos 40 simoleons, por outro consegue-se comprar um carro com uns simpáticos quatro mil. Ou seja, o apreçamento dos bens mais caros parece estar fortemente subvalorizado; assim, não é preciso esperar anos para comprar o tal jacuzzi topo-de-gama para instalar nas traseiras da moradia. E as coisas supostamente mais acessíveis parecem, por sua vez, sobrevalorizadas; àquele preço, só os ricos poderiam jantar piza todos os dias!

Um utilizador deu conta desta disparidade através de um exemplo cheio de ironia, comparando os três simoleans que custa um hamburger com os 8.750 que compram uma nave espacial. “Para estes preços serem assim, ou o mercado de naves espaciais é desprovido de qualquer ética, sendo comum o trabalho escravo de sims, ou o mercado alimentar é extremamente ético e os trabalhadores recebem montes de dinheiro para fazerem os seus produtos”. E, incrivelmente, esta tomada de consciência dos preços desajustados, e pouco éticos, pode até ter impacto na forma de atuar: talvez os jogadores pudessem deixar de comprar foguetões para as suas personagens, “num esforço para desencorajar tais práticas”?

O pessoal que gosta de jogos complicados

As tentativas de parte da comunidade em conseguir um videojogo mais realista vão além da mera troca de mensagens espirituosas. Há quem aplique os princípios defendidos por palavras. Por exemplo, jogadores que limitam propositadamente a ascensão dos seus sims nas respetivas carreiras; ou que não hesitam em “obrigá-los” a mudar de profissão, para que regressem ao estatuto de aprendizes e recebam, novamente, um ordenado de início de carreira.

A utilização de mods – ficheiros que, quando instalados, alteram determinados aspetos do videojogo original – tem sido outra forma de aumentar o grau de realismo. Se grande parte destas modificações são apenas visuais, há outras que alteram as próprias dinâmicas do jogo. No caso de “The Sims”, a comunidade de fãs desenvolveu ficheiros que permitem, por exemplo, regular o mercado de arrendamento de imóveis, aumentar os impostos das propriedades (as rendas), ou limitar a progressão na carreira. Também existe um mod que aumenta as propinas universitárias, de tal forma que tirar um curso superior equivale a contrair uma dívida de dezenas de milhares de simoleons.

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Mods: Injeções de realismo económico

A utilização do Sims National Bank (SBN) é uma das formas mais citadas de injetar maior realismo económico no jogo. Este mod introduz um sistema financeiro alternativo, no qual é possível ter contas bancárias, efetuar transferências de dinheiro entre personagens, gerir faturas, contrair empréstimos, aceder a um sistema de segurança social e, não menos importante, ter a hipótese de receber heranças.

Para dificultar as contas do final do mês, com o SBN, o valor da fatura da luz, em vez de ser uma abstração, depende do número de aparelhos eletrónicos ligados à corrente. O mesmo se passa com os equipamentos que usam água. Aliás, no capítulo da poupança, a própria editora do jogo lançou um pacote de expansão que visa promover um estilo de vida sustentável: em Eco-Lifestyle, uma torneira a pingar a noite inteira aumenta o valor da fatura a pagar. O melhor será arranjá-la e viver uma vida virtual também sobre o credo “reduzir, reutilizar, reciclar”.

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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