Um trimestre de máximos históricos nos mercados financeiros

Ações, matérias-primas e até a Bitcoin atingiram recordes num período marcado pelo forte apetite dos investidores pelos ativos de risco.

Everything rally” é uma expressão utilizada nos mercados para descrever as fases em que os diversos ativos cotados em bolsa valorizam de forma sincronizada. É bem adequada para sintetizar o que aconteceu nos mercados financeiros globais no primeiro trimestre deste ano. Acresce que, além de os primeiros três meses de 2024 terem sido marcados por um período em que quase “tudo subiu”, muitos ativos conseguiram mesmo alcançar novos máximos históricos.

Uma prestação impressionante tendo em conta o desempenho já muito positivo registado em 2023, sobretudo no mercado de ações. No primeiro trimestre deste ano, os índices acionistas marcaram ganhos acentuados em diversas geografias, dos Estados Unidos ao Japão e passando pela Europa, atingindo valores nunca antes vistos. Também foi um trimestre muito positivo para as matérias-primas, com destaque para o ouro, bem como para investimentos alternativos, com destaque para a Bitcoin.

Há um fio condutor neste “everything rally” que conduziu os investidores a apostarem forte nos ativos de maior risco: depois de uma subida agressiva de juros para combater a inflação elevada, os bancos centrais estão prestes a embarcar num ciclo de alívio da política monetária numa altura em que a economia está abrandar, mas longe do fantasma da recessão que era dado como certo.   

Esta expectativa até sofreu algum revés, devido à ameaça de a inflação persistir em níveis elevados, mas os bancos centrais já validaram que 2024 ficará mesmo marcado por cortes de juros, que no caso do Banco Central Europeu e Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) devem surgir já em junho.

Os mercados chegaram a prever as descidas de juros em março, sendo que este “adiamento” ainda foi suficiente para travar a dinâmica de alta das cotações das obrigações. Mas não teve força suficiente para travar a tendência ascendente do mercado de ações, alimentada também por resultados robustos das empresas e continuação da euforia relacionada com o impacto da Inteligência Artificial.  

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Ações japonesas brilham

No mercado acionista, os ganhos foram generalizados em termos geográficos e também em termos de setores, o que reduziu de forma expressiva a concentração da tendência de alta nas grandes tecnológicas, sobretudo dos Estados Unidos, como se tinha verificado em 2023.    

O MSCI ACWI valorizou 7,8% no primeiro trimestre, marcando já uma série de cinco meses seguidos de ganhos, período em que este índice que mede o desempenho das bolsas mundiais acumulou ganhos de 22%. O MSCI ACWI atingiu vários máximos históricos ao longo do trimestre, refletindo os recordes fixados por uma série de importantes índices mundiais, com destaque para o S&P500 (EUA), Nasdaq (tecnológicas dos EUA), Stoxx600 (Zona Euro), DAX (Alemanha), CAC (França) e Nikkei (Japão).

Depois de uma valorização de 28% em 2023, a bolsa japonesa volta a destacar-se este ano, colocando um ponto final a um longo período de letargia que ficou marcado por uma economia estagnada, deflação e taxas de juro em terreno negativo. O Nikkei somou 20,6% no primeiro trimestre, quebrando finalmente o máximo que perdurava desde 1990.

O Banco do Japão já retirou a taxa de juro de terreno negativo após o primeiro agravamento desde 2007, sendo que a normalização da política monetária deverá continuar a atrair capital para o Japão. Por parte de investidores estrangeiros, mas sobretudo dos locais, que colocaram as poupanças em ativos estrangeiros ao longo dos últimos anos e têm agora incentivos para repatriarem este capital.

O primeiro trimestre também fica marcado pela prestação positiva do setor tecnológico, embora de forma menos exuberante do que em 2023. O Nasdaq ganha 9,1% desde o início do ano, com a queda das ações da Apple e da Tesla a ofuscarem o impressionante rally da Nvidia (82,5% em 2024 após ganho de 239% em 2023). Com a tendência positiva a alastrar a outros setores, o generalista S&P500 avançou 10,2% no trimestre, acumulando uma subida de 25% em cinco meses consecutivos de alta.

Apesar do desempenho económico bem mais desfavorável do que nos Estados Unidos, as bolsas europeias conseguiram acompanhar o ritmo de Wall Street. O Stoxx600 avançou 7%, sendo que vários índices nacionais alcançaram ganhos de dois dígitos e fixaram máximos históricos. As bolsas europeias também acumulam uma série de cinco meses em alta, período em que o Stoxx600 valorizou 18%. A praça portuguesa registou um comportamento inverso, com o PSI a ceder 1,8% nos primeiros três meses de 2024 pressionado fortemente pelo desempenho da EDP (-20,7%) e EDP Renováveis (-32,3%).

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Bitcoin e ouro brilham em paralelo

O ouro e as criptomoedas são dos ativos mais distintos, mas nos últimos tempos têm andado de braços dados, o que constitui uma das maiores evidências deste “everything rally. O ouro é um ativo físico, com forte perceção de valor e visto pelos investidores como uma alternativa segura para proteger as carteiras de períodos de turbulência. As criptomoedas são ativos digitais e percecionados como especulativos e de elevado risco.

Contudo, ambos registaram um primeiro trimestre muito positivo, fixando máximos históricos devido à expectativa de descida de juros por parte da Fed e outros fatores específicos. O ouro avançou perto de 10%, com a cotação do metal precioso a consolidar acima dos 2 mil dólares a onça. O agravamento das tensões geopolíticas e a diversificação das reservas dos bancos centrais também contribuíram para a valorização do ouro.

As criptomoedas tiraram partido do apetite dos investidores pelos ativos de risco, perspetiva de baixa de juros, mas sobretudo pela “democratização” do investimento nestes ativos. O regulador norte-americano aprovou finalmente o lançamento e ETF (fundos de investimento) de Bitcoin, o que originou um grande fluxo de investimento para estes produtos financeiros e um forte aumento da procura desta criptomoeda.

A Bitcoin disparou cerca de 70% no trimestre e superou pela primeira vez a barreira dos 70 mil dólares, apagando totalmente um longo período de desvalorizações nas criptomoedas, que ficou conhecido como “inverno cripto” (Bitcoin desvalorizou mais de 70% entre novembro de 2021 e o final de 2022). 

Nas matérias-primas a tendência foi mista, com diversos metais industriais a serem penalizados pela fraca procura na China, enquanto algumas matérias-primas agrícolas dispararam devido a problemas nas colheitas. O índice CRB, que mede o desempenho global das matérias-primas, avançou mais de 11% no trimestre. Destaque para o minério de ferro, que desvaloriza cerca de 40%, enquanto o cacau mais do que duplicou de valor.

O petróleo valorizou no trimestre, com o Brent a avançar 13% desde o início do ano. Acumula três meses consecutivos de ganhos e negoceia em máximos de outubro, devido aos efeitos dos cortes de produção dos países da OPEP+ e perspetivas mais favoráveis para a evolução da economia mundial. Diversos países estão a aumentar a produção, mas os economistas estimam que não será suficiente para fazer face ao incremento previsto na procura.

No mercado cambial o dólar voltou a ser um vencedor, pois os últimos dados da inflação acima do esperado e dados económicos fortes nos EUA reduziram as expetativas de ser a Fed a liderar o movimento de descida de juros a nível global. O euro perdeu 2,3% face à moeda norte-americana no trimestre, revertendo a quase totalidade dos ganhos conquistados em 2023.

A inflação mais forte do que o esperado e a economia global resiliente também condicionaram a evolução das obrigações, pois os investidores tiveram de suspender as apostas de descidas agressivas das taxas de juro por parte dos bancos centrais. As yields das obrigações agravaram-se no trimestre, levando o índice que mede a evolução dos títulos de dívida soberana a nível global a ceder mais de 2% no primeiro trimestre.

Para o trimestre que agora inicia e o resto do ano, a evolução das expetativas para o rumo das taxas de juro continuará a ditar a direção das cotações dos ativos, sendo que a margem para valorizações expressivas nas ações parece cada vez mais estreita.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

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