Não há como o dinheiro não ser, tantas vezes, um tema central na nossa vida. A verdade é que, não trazendo por si só felicidade, o poder económico está relacionado com o bem-estar dos indivíduos e comunidade, abrindo oportunidades no que diz respeito à saúde, educação, lazer e outras áreas da vida.

Muitos pais se questionam se devem falar sobre o tema com os mais pequenos, e se sim, como o devem fazer. É verdade que, em última análise, é um assunto que é responsabilidade dos adultos. No entanto, é importante que não nos esqueçamos que um dia as crianças e adolescentes crescerão e que lidar com dinheiro será inevitavelmente necessário. Conversar sobre o tópico, principalmente na infância, não tem de ser feito de forma muito rígida, mas antes integrada no dia a dia de forma lúdica e adequada às brincadeiras e tarefas do quotidiano.

Para sabermos melhor sobre como integrar este tema, pode ser útil pensar sobre os estágios de desenvolvimento cognitivo de Piaget. Ao pensarmos sobre as tarefas e competências de cada fase, podemos melhor compreender o que faz ou não sentido fazer.

Estágio sensório-motor (0-2 anos)

Nesta fase, o bebé apreende o mundo através dos sentidos. No final deste estágio, está mais capacitado a fazer jogo de imitação e começa a ter crescente capacidade de ter um pensamento mais simbólico, o que levará eventualmente a brincadeiras faz-de-conta, na fase seguinte. É durante este período que começa a aprender a causa-efeito (ex. perceber que se aperta determinado boneco, ele faz um barulho). O aprendido nesta fase é, na verdade, base para tudo o que se seguirá, sendo que o bebé aprenderá vocabulário importante que o permite relacionar-se de forma efetiva e afetiva com o mundo, como saber como chamar os seus cuidadores e pessoas próximas, assim como dizer as suas comidas, brinquedos e animais prediletos.

Estágio pré-operatório (2-7 anos)

Nesta fase, há um aumento exponencial da capacidade de comunicar pela linguagem e o pensamento simbólico torna-se mais robusto, abrindo alas para a importante fase do faz-de-conta. O pensamento ainda é muito baseado na intuição e não na lógica. Não obstante, a criança vai sendo crescentemente mais capaz de contar, sendo que brincadeiras envolvendo números simples podem surgir. Com a brincadeira simbólica a ser parte central do mundo da criança, nesta fase podemos brincar aos restaurantes, cabeleireiros e lojas (não há limites para a imaginação!). É expectável que nestas brincadeiras as crianças imitem aquilo que veem nestes contextos. Apesar de ser importante relembrar que devemos deixar que a brincadeira seja guiada pela criança, surge muitas vezes a oportunidade de simular pagamentos, por exemplo. Podemos ir trocando pedras, dinheiro de brincar ou outros objetos pelos “serviços”, convidando gradualmente a fazer pequenas contas e fazendo comentários como “É muito barato este peixe, ainda dá para comprar uma fruta!” ou “Vou comprar primeiro a comida para o jantar e depois vejo se sobra para o corte de cabelo!” e fazendo a criança refletir sobre o dinheiro como uma troca, para que mais tarde comece a generalizar essas competências para o mundo real.

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Estágio operatório-concreto (7-11 anos)

Nesta fase, a criança começa a ter crescente capacidade de ter um pensamento mais lógico e de aplicá-lo a situações do quotidiano. Assim sendo, o pensamento simbólico ganha complexidade, com maior capacidade da criança para incluir nas suas brincadeiras problemas concretos do dia-a-dia, tendo agora uma maior compreensão de relações espaciais e temporais. Assim, nesta fase podemos complexificar “as contas” feitas nas brincadeiras e adicionar os conceitos de espaço e tempo quando falamos de dinheiro (ex. “Tenho de esperar até ao fim do mês para receber o meu dinheiro e ir às compras!”; “Tenho de ir trabalhar um pouco mais para conseguir comprar isto”). Nesta fase, as crianças começam a compreender de forma mais complexa que uma das funções do trabalho dos adultos é ganhar dinheiro e que apenas com acesso a ele conseguem comprar aquilo de que precisam. É muitas vezes nesta fase, por ganharem uma perceção mais real do mundo, que as crianças começam a ter mais preocupações em relação ao dinheiro. Devemos agora ter mais cuidado ao conversar sobre dinheiro de “forma séria” ao pé das crianças, sendo que preocupações intensas devem ser discutidas apenas entre adultos (ex. conversar sobre ter medo de perder o emprego; não poder fazer férias este ano porque não há condições financeiras). No fundo, quando de facto a vida financeira de uma família é ameaçada e pode colocá-la numa posição vulnerável, é fundamental que as crianças sejam protegidas destes cenários, para que não sejam expostas a informações que, naturalmente, ainda não vão ter capacidade de processar. Não obstante, esta é a altura de introduzir esta noção de que é preciso fazer algo para receber dinheiro em troca; e é preciso dar dinheiro para obter experiências e bens materiais.

É uma boa altura para introduzir o conceito de poupança, até porque a criança tem agora maior capacidade de absorver o conceito de conservação, conseguindo dar mais sentido, consequentemente, ao que significa poupar que, no fundo, é juntar e conservar. É importante que as tarefas mais importantes do quotidiano sejam feitas, enquanto regra, mas podemos pensar em introduzir de vez em quando tarefas diferentes, pela quais as crianças podem receber valores simbólicos (como 0,50€, 1€ ou 2€, dependendo da complexidade da tarefa). Podem ser depois convidadas a guardar essas quantias, para que possam depois decidir guardar ou comprar alguma coisa que seja do seu gosto. Lojas de pequenos artigos baratos são bons exemplos de sítios onde as crianças podem ser convidadas a ir e a escolher algum artigo que gostem mais, até porque muitas vezes os valores dos artigos são “certos” (1€ em vez de 0,99€), o que, nesta fase, ajuda a fazer trocos de forma mais simples e, assim, promover uma maior autonomia nesta fase. Na fase final desta fase, pode ser importante introduzir jogos que envolvem dinheiro fictício, como o Monopoly.

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Estágio operatório-formal (a partir dos 12 anos)

Com a entrada na adolescência, surge o pensamento abstrato, hipotético e dedutivo. Os jovens são crescentemente mais capazes de refletir sobre questões abstratas, como os conceitos de liberdade, verdade, justiça, paz, etc. A verdade é que esta capacidade permite que o adolescente comece a olhar para o dinheiro de outra forma, e este tema pode agora ser introduzido de forma mais “séria” em família, com reflexão sobre temas como a igualdade de oportunidades, desigualdades salariais, pobreza, sustentabilidade, etc. Isto pode ser feito por iniciativa dos pais ou do jovem, ou ter como ponto de partida as notícias ou situações que surjam no quotidiano, até porque existe agora uma maior capacidade de perspetivar o futuro e de pensar sobre situações hipotéticas. Com o aumento do raciocínio lógico, ao longo da adolescência, o cálculo mental evolui substancialmente, sendo que podem ser introduzidas tarefas mais complexas (ex. ir ao supermercado com determinada quantia para fazer uma receita pré-escolhida, mas sem os artigos pré-selecionados, para que tenha de ser o adolescente a fazer essa seleção, consoante o dinheiro que tem disponível). É uma boa fase para introduzir a mesada e convidar o jovem a organizar o seu dinheiro de modo a fazer atividades que lhe são prazerosas; assim como a poupar para que possa comprar itens ou experiências que são do seu interesse. É uma fase em que os jogos que envolvem dinheiro “a fingir” e recompensas começam a fazer ainda mais sentido e a dar frutos na generalização para a vida fora dos jogos.

É importante repetir que, apesar de ser um tema que, como qualquer outro, deve ser abordado adequadamente ao longo da infância e da adolescência, é um tópico que é, em última análise, responsabilidade do adulto. A verdade é que vemos recorrentemente crianças em consulta que, desde tenra idade, apresentam “ansiedade financeira”, com medo que os pais percam o emprego, ficando demasiado preocupados com o preço de uma atividade ou de umas férias e que se sentem muito reticentes ao pedir algo aos pais. É verdade que as crianças são mais eficazes do que achamos muitas vezes a ler situações, mas devem ser sempre protegidas de situações familiares mais graves, sendo asseguradas de que a sua segurança não está em risco. Com isto não digo que nunca possamos dizer que não há dinheiro para comprar determinada coisa, mas ao fazê-lo, deve ser com cautela, enfatizando que naquele momento existem outras prioridades e que talvez mais tarde seja possível despender esse dinheiro. Ou seja, mostrar que a prioridade são as necessidades básicas e que, depois disso, os pais podem decidir que outras coisas divertidas é possível fazer! No caso de a família se deparar com uma situação financeira muito delicada, que traga mudanças estruturais à família (ex. mudar de escola ou de casa), é importante procurar ajuda especializada para que esse tema seja abordado da forma mais apaziguante possível.

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