Cultura e Lazer

Charles Ponzi: O homem que deu nome ao esquema de pirâmide [Parte II]

O apelido Ponzi continua a servir para nomear um tipo específico de fraude. Mas o homem, e o seu esquema de pirâmide, são pouco conhecidos.

Continuação de Charles Ponzi: O homem que deu nome ao esquema de pirâmide [Parte I]

O pote de ouro no fim do arco-íris

Estava-se em 1918, e há relatos de Charles ter pegado no negócio do sogro – uma mercearia – e ter conseguido arruiná-lo rapidamente. Após mais alguns empreendimentos que colapsaram, continuou a perseguir o seu arco-íris. Até podia ser um sonhador, mas pelo menos era um sonhador perseverante; alguém a quem o falhanço nunca esmorecia.

E, de repente, ao deparar-se com um guia sobre cupões internacionais de resposta, achou que encontrara a sua grande oportunidade. Numa América saída da Grande Guerra, em que o dinheiro podia mesmo aparecer às pazadas, Charles Ponzi correu atrás do seu pote de ouro, com entusiasmo e energia redobrados. Perseguiu o fim do arco-íris e, lá chegado, encontrou uma linha direta para a riqueza. Uma riqueza de milhões e milhões. “Devia ter parado. Saído enquanto podia ter saído a bem. Não o fiz. Daí, esta história”.

Grande parte das fraudes assenta no princípio da credulidade, e o italiano Carlo Ponzi (que nos Estados Unidos se tornaria conhecido por Charles) testou até ao limite essa capacidade de acreditarmos no outro: aos clientes, prometeu 50% de lucro, em apenas 45 dias. Demasiado bom para ser verdade? Milhares de pessoas acharam que não e que Mr. Ponzi conseguiria dobrar o seu dinheiro em apenas três meses. Afinal, na Boston de 1920, vivia-se um período de recuperação e prosperidade. Todos podiam ter a ambição de serem ricos.

Especular com cupões de resposta

Em que consistia, então, o pote de ouro de Charles Ponzi? Uma brecha no sistema: comprar, com desconto, cupões de resposta postal em países estrangeiros; depois, redimi-los nos Estados Unidos pelo valor integral. A explicação do esquema – e subsequente ruína – ocupa 15 capítulos das memórias de Mr. Ponzi. Ao princípio, tudo lhe pareceu demasiado bom para ser verdade. Mas era. Com o que Charles já sabia de taxas de câmbio, havia ali uma oportunidade para especular; um caminho tão simples quanto inexplorado. Se comprasse cupões em Espanha e os vendesse nos Estados Unidos, o lucro da transação poderia ascender aos 10%. E noutras moedas mais depreciadas, como a lira italiana? Após umas breves contas, deparara com uma margem de lucro bruta inimaginável: 230%.

Para provar a si mesmo a teoria de que a depreciação de papéis-moeda podia afetar o custo de venda dos cupões, Charles tratou de enviar três cartas: uma para Espanha, outra para França, outra para Itália. No interior de cada uma, seguia uma nota de dólar e uma folha com instruções para o destinatário: este devia trocar a nota em moeda local e, com o valor obtido, comprar o maior número possível de cupões. Na volta do correio, as expectativas de Mr. Ponzi confirmaram-se. E, sim, os correios de Boston asseguravam que os cupões internacionais podiam ser resgatados localmente, sem qualquer entrave. Ficava assim aberta a via que o tornaria um homem rico.

Se o peixe graúdo não morde o isco…

“O máximo que se podia dizer sobre este tráfego de cupões é que era pouco ético. Mas uma violação da ética não era uma infração da lei”, salienta Charles. O contexto da altura, diga-se, ligava pouco à ética. “A única meta existente era o todo-poderoso dólar”. Porém, sem capitais próprios para financiar as operações de compra de cupões, Ponzi precisava de investidores. A tentativa de obter um empréstimo acabou em insucesso; o banco queria saber mais do negócio do que aquilo que Charles estava disposto a contar… E se, em vez de tentar pescar grandes somas, tentasse atrair pequenos investidores?

Para garantir uma fachada de prestígio e estabilidade, Charles apressou-se a fundar a sua empresa. O que era mesmo a Securities Exchange Co.? Um nome, uma morada, escasso mobiliário; nem sequer havia papel timbrado. Mas à frente da empresa estava um homem conhecedor da natureza humana. “Somos todos jogadores. Todos desejamos ganhar dinheiro facilmente. E queremos ganhar bastante. Se não fosse assim, nenhum esquema de enriquecimento rápido seria bem-sucedido”. A proposta de Charles Ponzi parecia tão incrível quanto irrecusável: 50% de juros após 45 dias. Algo que podia ser testado com uma simples nota de dez dólares. Se era um risco, bem, era um risco extremamente atrativo.

Da bola de neve à avalanche

Charles Ponzi pusera a rolar uma pequena bola de neve. Em 1 de janeiro de 1920, contava apenas com 18 investidores, os quais representavam um total de 1.770 dólares. Em meados de fevereiro, ao pagar-lhes 2.478 dólares, tudo se acelerou: o número de investidores passou então a crescer de forma rápida e constante. “Quando as pessoas recebiam 15 dólares no final dos 45 dias, perdiam qualquer réstia de cautela. Mergulhavam com tudo o que tinham. Traziam amigos. Cada cliente satisfeito tornava-se ele próprio um vendedor”. A bola de neve, aos poucos, convertia-se numa avalanche.

O resto da história de Charles Ponzi roça o tantas vezes batido tema da ascensão-e-queda. Porventura, será também um conto sobre a ganância. “O homem comum nunca está satisfeito com aquilo que tem. Nem sequer percebe quando está bem na vida. Se tem uma camisa, quer ter duas. Se está solteiro, quer ter uma mulher. Se está casado, quer ter um harém”. Charles também queria mais. “Devo ter ficado cego à custa da arrogância e da ambição”. Quis abrir sucursais; o negócio assim o pedia. “Eu lidava com a mercadoria mais essencial de todas: o dinheiro. O mundo era o meu mercado. A humanidade inteira era a minha clientela”.

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Comprar, comprar, comprar

O dinheiro dos investidores não parava de entrar. Sequioso de poder, Mr. Ponzi lançou-se na compra do banco que lhe recusara o empréstimo. Era uma vingança, servida fria, à custa dos milhões que lhe entravam pela porta adentro. Porém, o apetite de Charles tornara-se insaciável: “Queria comprar tudo o que estava à vista”. Comprou edifícios, moradias, apartamentos. Adquiriu participações em várias empresas. Chegou a ficar com uma fábrica de massas, para que nunca lhe faltasse o esparguete em casa.

No espaço de meses, Charles Ponzi, imigrante italiano, passou de pobretanas a milionário.  Vivia numa mansão com 12 quartos, era servido por criados, deslocava-se numa limusine; tinha grandes contas em cerca de 45 bancos. Milionário à custa do negócio dos cupões? Ah, nem tanto. Se alguém se sentasse a fazer contas sobre a quantidade de cupões necessários para justificar todo aquele influxo de dinheiro, chegaria a um número estonteante: milhões e milhões de cupões. “Um absurdo”, concorda Charles. Nem sequer havia tantos no mundo; teria levado meses a imprimir as quantidades necessárias para sustentar aquele negócio de especulação.

Um génio com uma mão cheia de nada

Na verdade, após a compra do primeiro lote de cupões, Charles só voltara a conseguir fazê-lo em quantidades diminutas. Perante a atividade pouco normal em redor dos cupões, as administrações postais dos vários países tinham tomado medidas para suster, ou até suspender, a venda de cupões. O stock existente, aliás, não chegava para as encomendas. Quando Charles se confrontou com as primeiras remessas que, afinal, não lhe chegariam às mãos, compreendeu que lhe faltaria dinheiro para pagar os juros aos seus investidores. Quais 50 por cento! Quando muito, conseguiria devolver 75 cêntimos de cada dólar investido. “Que poderia eu fazer? Declarar insolvência e enfrentar um processo legal, ou manter o bluff e confiar na sorte? Mantive o bluff, na esperança de que viesse a deparar com algum plano viável que me permitisse pagar tudo o que devia aos meus credores”.

[continua e termina em Charles Ponzi - parte III]

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

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