A gestão da remuneração é um dos pilares da política de recursos humanos em qualquer organização. Nos últimos anos, além do salário base e dos prémios monetários, tem ganho cada vez mais relevância a utilização de compensações em espécie.
Este tipo de benefícios, que não assume a forma de pagamento direto em dinheiro, constitui uma ferramenta estratégica para atrair, motivar e reter talentos. Ao mesmo tempo, pode oferecer vantagens fiscais tanto para as empresas como para os trabalhadores, dependendo da natureza e do enquadramento legal de cada compensação.
Mas afinal, o que são compensações em espécie e quais são os exemplos mais comuns no mercado português?
Neste artigo vamos explorar em detalhe este conceito, o seu enquadramento legal e fiscal, os tipos mais utilizados e as suas implicações para empregadores e colaboradores.
O que são compensações em espécie?
De acordo com o Código do Trabalho português, a retribuição pode assumir várias formas: monetária (em dinheiro) e não monetária (em espécie).
As compensações em espécie consistem em benefícios ou vantagens atribuídas ao trabalhador que não se traduzem diretamente em dinheiro, mas que representam valor económico mensurável e estão relacionadas com o vínculo laboral.
Exemplos: utilização de viatura da empresa, seguro de saúde, subsídios em cartões refeição ou oferta de formação paga pela entidade empregadora.
Importa sublinhar que, na maioria dos casos, as compensações em espécie são consideradas parte integrante da retribuição e, portanto, sujeitas a IRS e contribuições para a Segurança Social, salvo se a lei prever isenção ou regime especial.
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Por que razão as empresas oferecem compensações em espécie?
As compensações em espécie desempenham várias funções estratégicas:
- Atração de talento – num mercado de trabalho competitivo, benefícios diferenciados ajudam a captar profissionais qualificados.
- Motivação e retenção – contribuem para aumentar a satisfação e a lealdade dos colaboradores.
- Otimização fiscal – em alguns casos, podem ser mais vantajosas em termos de carga fiscal do que aumentos salariais diretos.
- Promoção do bem-estar – benefícios relacionados com saúde, alimentação ou transportes impactam positivamente a qualidade de vida do trabalhador.
- Alinhamento com cultura organizacional – algumas compensações refletem valores da empresa, como sustentabilidade ou inovação.
Exemplos de compensações em espécie existentes
As compensações em espécie podem assumir formas muito diversas. Seguem-se as mais relevantes e comuns em Portugal.
Viatura de serviço ou de função
- Descrição: atribuição de carro pela empresa para utilização profissional ou mista (profissional e pessoal).
- Vantagens para o trabalhador: redução de custos com transporte e conforto.
- Enquadramento fiscal: é considerado rendimento em espécie, sujeito a IRS e contribuições, sendo tributado com base em tabelas específicas que têm em conta o valor de aquisição e emissões de CO₂ da viatura.
Cartão ou subsídio de refeição
- Descrição: valor diário atribuído para despesas de alimentação, pago em cartão refeição ou vales.
- Vantagens fiscais: isento de IRS e contribuições até determinados limites (em 2025, 10,20€ por dia em cartão).
- Popularidade: é uma das compensações mais utilizadas em Portugal, devido ao benefício fiscal tanto para empresa como para trabalhador.
Seguro de saúde e outros seguros
- Descrição: a empresa assume a totalidade ou parte do custo de um seguro de saúde, vida, acidentes pessoais ou outro.
- Vantagens para o trabalhador: acesso a cuidados médicos mais rápidos e redução de custos.
- Enquadramento fiscal: regra geral, são considerados rendimentos em espécie sujeitos a tributação, exceto em certas modalidades coletivas com limites específicos.
Formação profissional financiada
- Descrição: oferta de cursos, workshops ou formações certificadas pagas pela entidade empregadora.
- Vantagens: desenvolvimento de competências valorizadas no mercado, aumento da empregabilidade e progressão na carreira.
- Fiscalidade: se a formação for relevante para a função desempenhada, não é considerada rendimento em espécie.
Habitação atribuída pela empresa
- Descrição: cedência de casa ou subsídio de alojamento.
- Vantagens: especialmente relevante para trabalhadores deslocados ou expatriados.
- Fiscalidade: regra geral, constitui rendimento sujeito a IRS e Segurança Social, calculado pelo valor de mercado da renda.
Comparticipação em despesas de transporte
- Descrição: pagamento de passes sociais, subsídios de combustível ou transporte assegurado pela empresa.
- Vantagens: poupança significativa para o colaborador.
- Fiscalidade: em muitos casos, sujeito a tributação como rendimento em espécie, exceto quando se enquadra em apoios sociais ou políticas públicas específicas. No caso dos passes sociais, estão isentos de tributação desde que a atribuição dos mesmos tenha carácter geral.
Planos de pensões e poupança-reforma
- Descrição: contribuições para fundos de pensões, PPR ou seguros de reforma em nome do trabalhador.
- Vantagens: reforço da poupança a longo prazo.
- Fiscalidade: regras variáveis; podem beneficiar de regimes fiscais favoráveis dependendo do tipo de produto e limite de contribuições.
Equipamentos tecnológicos
- Descrição: fornecimento de telemóvel, computador portátil ou outros dispositivos.
- Utilização mista: quando usados para fins pessoais, podem ser considerados rendimento em espécie.
- Vantagens: maior flexibilidade e produtividade.
Benefícios de bem-estar
- Descrição: acesso a ginásios, programas de saúde mental, apoio psicológico, consultas de nutrição.
- Tendência: cada vez mais valorizados em empresas que investem na qualidade de vida dos colaboradores.
- Fiscalidade: regra geral, tributáveis como rendimento em espécie.
Outros benefícios comuns
- Comparticipação em creches e educação de filhos.
- Bilhetes para eventos culturais ou desportivos.
- Acesso a programas de voluntariado em horário laboral.
- Benefícios ligados à sustentabilidade (ex.: bicicletas elétricas).
Enquadramento legal e fiscal das compensações em espécie
O Código do Trabalho (artigo 258.º) estabelece que a retribuição pode incluir prestações em espécie, desde que sejam:
- Usuais na empresa ou no setor;
- Acordadas no contrato de trabalho ou instrumento coletivo;
- Apropriadas à satisfação das necessidades pessoais do trabalhador e da sua família.
Do ponto de vista fiscal:
- O Código do IRS (CIRS) considera como rendimentos de trabalho dependente todas as vantagens económicas atribuídas em espécie. No entanto, existem várias exceções como é o caso de seguros de saúde e passes sociais atribuídos com carácter geral.
- Na Segurança Social, a regra geral é a sujeição a contribuições, salvo isenções específicas previstas na lei.
Vantagens e desvantagens das compensações em espécie
Para o trabalhador
- Vantagens: acesso a bens e serviços que poderiam representar custos significativos; valorização do pacote de remuneração; benefícios fiscais em alguns casos.
- Desvantagens: podem reduzir o rendimento líquido disponível se sujeitos a tributação; em alguns casos, não têm carácter definitivo (ex.: carro ou casa deixam de estar disponíveis quando termina o vínculo laboral).
Para a empresa
- Vantagens: atração e retenção de talentos; alinhamento com a cultura organizacional; possibilidade de otimização fiscal.
- Desvantagens: aumento da complexidade administrativa; custo adicional; necessidade de avaliação regular da conformidade legal e fiscal.
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Tendências e evolução das compensações em espécie
Nos últimos anos, assistimos a uma transformação no perfil das compensações em espécie em Portugal:
- Digitalização: generalização dos cartões refeição e plataformas digitais de benefícios flexíveis.
- Personalização: os colaboradores valorizam pacotes de benefícios adaptados às suas necessidades individuais.
- Sustentabilidade: benefícios ligados à mobilidade verde e bem-estar ambiental estão a crescer.
- Saúde e bem-estar: programas de apoio psicológico e promoção de estilos de vida saudáveis são cada vez mais procurados.
Considerações finais
As compensações em espécie são hoje um elemento central da política de remunerações em Portugal. Para além do salário monetário, representam uma forma eficaz de valorizar a relação contratual, aumentar a satisfação dos colaboradores e reforçar a competitividade das empresas.
Viaturas, cartões refeição, seguros de saúde, formação, habitação, planos de pensões, tecnologia e apoios ao bem-estar são apenas alguns exemplos de benefícios disponíveis. Contudo, importa ter sempre em atenção o enquadramento legal e fiscal, dado que, em alguns casos, estes benefícios são tributados como rendimentos de trabalho dependente.
Mais do que uma questão fiscal, a adoção de compensações em espécie deve ser vista como uma estratégia de gestão de pessoas, orientada para a criação de valor partilhado entre empregador e trabalhador.
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