Cultura e Lazer

Dois detergentes para lavar dinheiro alheio

Meta a máquina televisora a funcionar com estes dois produtos – The Laundromat e Ozark – para ficar a conhecer os segredos dos esquemas de lavagem de dinheiro.

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Dois detergentes para lavar dinheiro alheio

Meta a máquina televisora a funcionar com estes dois produtos – The Laundromat e Ozark – para ficar a conhecer os segredos dos esquemas de lavagem de dinheiro.

O início de Laundromat: O Escândalo dos Papéis do Panamá (2019) não podia ser mais apelativo, com os atores Gary Oldman e Antonio Banderas, impecavelmente vestidos, num cenário idílico de praia com coqueiros, a falarem-nos do seu tema preferido. Será férias? Mulheres? Carros? Filhos? Desporto? Religião? Filosofia? Cinema? Não propriamente, embora nalguns destes temas possam existir pontos de contacto com a palavra – e o conceito – de que eles mais gostam: dinheiro. E, logo pelas primeiras falas entrecortadas de ambos, percebe-se que eles sabem imenso do assunto! Sabem sobre a ideia do dinheiro, a necessidade do dinheiro, a vida secreta do dinheiro e a história do dinheiro.

Bananas, vacas e papelinhos

Prometemos que não há qualquer spoiler na transcrição que se segue; isto é mesmo o início do filme. “Antes de haver dinheiro, havia apenas um sistema de troca. Tentávamos trocar algo que tínhamos ou fazíamos por algo que nos fazia falta. Tínhamos bananas, mas precisávamos de uma vaca. Eu tenho uma vaca, mas detesto bananas. Como podem imaginar, este sistema era limitado. Com o tempo, as bananas apodrecem e as vacas podem fugir. Por isso, era necessário haver um meio de troca que fosse aceite. O que é um meio de troca? Bem, pode ser uma pepita de ouro ou outras pedras reluzentes, normalmente consideradas raras. Também pode ser um... papelinho com palavras ou imagens impressas de gente poderosa. Se ler essas palavras, verá que estão conjugadas de forma a prometer um valor. Papelinhos que não se podem descascar e comer, e que também não dão leite, são coisas que todos concordámos em chamar ‘dinheiro’. Estes papelinhos deram origem a muitos outros papelinhos escritos. E algumas dessas palavras contavam a história do crédito”.

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Os vários nomes do dinheiro

Os estilosos Banderas e Oldman explicam-nos que o crédito é a invenção que possibilitou que deixássemos de andar com vacas atreladas a nós ou com milhares de papelinhos no bolso. Aparecera algo intangível – o crédito –, que servia para substituir algo tangível (um cacho de bananas, por exemplo). E se não se tivessem todas as bananas necessárias para se obter outro produto desejado? Podia-se pedir bananas emprestadas ao futuro. “Ou seja, ‘crédito’ é o tempo verbal futuro da língua monetária”.

De repente, os conceitos em redor do dinheiro complicavam-se. Segundo os nossos anfitriões, nunca existiu tanto dinheiro como agora, nem nunca o dinheiro foi conhecido por tantos nomes. Matérias-primas, empréstimos, ações, obrigações, fundos, futuros, capital próprio, derivados, títulos de dívida, vendas a descoberto, reforço de margem, instrumentos financeiros… “Palavras! É tudo invisível. Abstrato. Muito diferente de vacas!”

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Um paraíso fiscal chamado Panamá

Voltemos ao filme que narra a história do escândalo que emergiu após a divulgação dos Panama Papers, em 2016, uma série astronómica de documentos com informações detalhadas sobre milhares de entidades offshore, algumas das quais eram usadas para fuga aos impostos. Temos de ilibar os atores; não eram eles os mentores do esquema, obviamente, mas sim as suas personagens: Jurgen Mossack e Ramon Fonseca.

E quem irá descobrir o fio da meada do gigantesco esquema de fraude fiscal? Nada menos do que Meryl Streep, no papel da mulher que, após um acontecimento trágico e o confronto com uma apólice de seguro falsa, começa a virar pedra atrás de pedra, à procura dos escorpiões venenosos. A incursão no submundo das negociatas entre multimilionários e advogados acabará por levá-la ao paraíso fiscal do Panamá. O resto, como se costuma dizer, é história, neste caso real e também no cinema.

A ascensão da família Byrde

Levará mais tempo a ver as quatro temporadas da série Ozark (2017-2022), mas é montanha-russa que vale a pena, seja pela história da família Byrde, seja pela limpeza com que se explicam os esquemas de lavagem de dinheiro.

Tudo começa com Marty Byrde, um consultor financeiro que se vê metido em sarilhos com um chefão mexicano do narcotráfico. A solução para não ser morto e enterrado numa vala passa por mudar a sua família de Chicago para a zona de Ozark, conhecida pelos seus rios, lago e montanhas; na nova casa, Marty terá de instalar um sistema infalível de lavagem de dinheiro, de forma a apaziguar a ira do terrível líder do cartel de droga. Pelo meio, o consultor acabará por envolver a mulher, os dois filhos, e várias famílias locais, como os Langmore ou os Snell, numa escalada de negócios, política, corrupção e violência.

Curso básico de lavagem de dinheiro

No episódio quatro da primeira temporada, Marty Byrde oferece uma espécie de introdução à lavagem de dinheiro: “Digamos que tropeça numa mala com cinco milhões de dólares lá dentro. Que compraria a seguir? Um iate? Uma mansão? Um carro desportivo? Tenho pena, mas as Finanças não vão deixar que compre qualquer coisa valiosa com esse dinheiro. O melhor é meter esse dinheiro no sistema bancário. Mas eis o problema: o dinheiro sujo é demasiado limpo. Parece acabadinho de sair de um cofre bancário. Tem de o envelhecer. Amarrotá-lo. Esfregá-lo na terra. Passar-lhe com o seu carro por cima. Qualquer coisa que faça parecer que ele já anda por aí há algum tempo. A seguir, precisa de um negócio que mexa com dinheiro. Algo simpático e alegre, com uma contabilidade que possa ser facilmente manipulada. Nada de recibos de cartão de crédito e tal. Você mistura os cinco milhões com o dinheiro desse negócio simpático. Essa mistura vai então de um banco americano para um banco de um país que não tenha de dar satisfações às Finanças. Depois, o dinheiro vai parar a uma conta corrente normal e já está. O seu trabalho está feito. O seu dinheiro está limpo e é tão legítimo como o de qualquer outra pessoa. Agora só tem de aceder a uma das mais de três milhões de caixas automáticas existentes”.

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Dissimulação até a soletrar o título

Para que a história fosse o mais realista possível em termos das técnicas de lavagem de dinheiro, os criadores da série contrataram um agente do FBI ligado aos crimes financeiros, que serviu de apoio aos argumentistas. Quanto às formas de movimentar grandes quantidades de dinheiro, foram providenciadas por um gestor de fundos de cobertura.

A série, cuja derradeira temporada foi promovida pelo slogan que poderíamos traduzir como “ninguém sai limpo [desta história]”, mostra logo no início de cada episódio como tudo pode ser alvo de dissimulação. A aparição de quatro símbolos dentro de um “O” prenuncia os acontecimentos que iremos ver; mas as suas formas servem também para completar as restantes letras do título. E, tal como esta metamorfose de OZARK, a evolução das personagens revela-se fascinante quanto à força que o dinheiro – e o poder – podem exercer sobre as pessoas.

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A linha ténue das escolhas de vida

Mesmo havendo filmes e séries que nos tornem especialistas em certos temas, nisto de lavagens, o melhor é ficarmos pela roupa. Como Marty nos relembra logo no primeiro episódio da primeira temporada, o dinheiro não significa propriamente paz de espírito ou felicidade. “Na sua essência, o dinheiro é a medida das escolhas de uma pessoa”. Ou, como disse a atriz Laura Linney, num evento virtual organizado pela revista Variety, os espectadores gostam de questionar-se sobre o que fariam em determinadas situações. “Não é fácil ter um caráter sólido. [com Ozark] As pessoas estão a perceber como é fácil ir pelo caminho sombrio”. E se isto dos princípios e valores não for peso suficiente na balança, pois bem, ainda há o rasto de destruição familiar e sangue alheio deixado pela operação aparentemente pacata e inofensiva dos Byrde…

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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