A entrada na universidade costuma ser encarada, por alunos e por pais, como um passo decisivo na construção de uma carreira profissional e até de uma vida. A pressão sobre os alunos, reconheçamos, é enorme. É a pressão autoimposta, a pressão dos pares, a pressão da família, num infindável mar de expectativas que se viram ainda mais potenciadas pelas redes sociais.
Mas, para um empreendedor, um problema equivale a encontrar uma solução. Nem que se tenha de contorcer umas quantas leis, eis o que terá pensado Rick Singer, que idealizou e pôs em marcha um esquema de fraude de acesso às universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos. De repente, o importante não era que os candidatos tivessem boas notas ou fossem atletas excecionais; o importante, para um determinado conjunto de vagas, era que os pais tivessem dinheiro para assumir um compromisso financeiro. Um pagamento chorudo, algures entre os 300 mil dólares e o milhão de dólares, e eis que jovens banais passavam a ser candidatos de excelência.
Um “donativo” no sítio certo faz milagres
O documentário mostra como Rick Singer conseguiu montar um esquema garantido de acesso ao ensino superior, recorrendo a influências e subornos, fazendo jogadas de bastidores, usando as portas das traseiras. Na sua tarefa de consultor universitário, Singer sabia bem como a entrada na universidade representava um momento difícil e esgotante para os alunos e respetivas famílias. O seu trabalho passava por preparar os jovens para os exames de admissão, orientá-los nas suas dissertações, enfim, treiná-los para o duro processo de transição do liceu para o ensino superior. Mas, e se ele encontrasse uma forma menos dolorosa de aqueles rapazes e raparigas entrarem na faculdade preferida?
Representado no filme pelo prestigiado ator Matthew Modine, o consultor vislumbrou uma oportunidade de mercado que se sustentava, em parte, numa fraqueza emocional: pais que queriam dar aos filhos exatamente aquilo que eles queriam, mesmo que para isso tivessem de cometer uma ilegalidade. E uma ilegalidade que até parecia inócua, ou pelo menos bem disfarçada, pois o esquema envolvia um donativo a uma fundação. Que esse dinheiro depois fosse usado para subornar as pessoas certas… bem, isso já não era “culpa” que os pais tivessem de carregar às costas.

Leia ainda: O último que apague a luz
O campeão das fotos falsificadas
Com esses milhões em donativos, Rick Singer comprava treinadores e administrativos das universidades de topo. Um curso tornava-se assim uma mercadoria, vendida a determinado preço. Para não chamar as atenções, o burlão escolhia programas de modalidades menos emblemáticas – nada de basquetebol, atletismo, natação ou futebol americano, portanto –, sequiosos por apoios que financiassem os seus departamentos. Os treinadores de modalidades menores, aquelas que fazem as universidades perderem dinheiro e, por isso mesmo, estão em risco, vivem numa constante luta por encontrar patrocínios. Imaginemos, então, o que seria aparecer-lhes pela frente Rick Singer, homem com alma de vendedor, a prometer-lhes independência financeira. Segundo aquele inesperado messias, bastava que metessem na equipa um certo candidato para que tudo ficasse bem…
De repente, a rapariga que nunca se interessara por água podia tornar-se uma fanática do remo; ou o um rapaz que nem tinha assim muito jeito para raquetes e bolas passava a ser uma estrela do lacrosse. O perfil de atleta que Singer criava até tinha direito a fotografias forjadas dos “campeões” em ação. E, mesmo que tudo parecesse pouco credível, os subornos aos funcionários dos departamentos de coordenação desportiva garantiam um caminho sem percalços. Bastava que o treinador da dita modalidade desse a sua palavra sobre a aptidão dos candidatos, mesmo que estes nunca tivessem aparecido nos treinos. E como, no fundo, o esquema fazia entrar dinheiro na universidade, enfim, muitos olhos se fechavam e muitos bolsos de abriam. Talvez fosse melhor não investigar demasiado a origem ou causa de certos donativos, certo?
Leia ainda: A jovem empresária que enganou meio-mundo
Quanto vale o direito de ostentação?
O pacote proposto por Singer podia ainda envolver a alteração dos resultados dos testes nacionais, através de batotas efetuadas mediante o suborno dos examinadores. Mas, em tudo isto, impressiona especialmente como alguns pais embarcaram no esquema sem que os filhos soubessem, por terem consciência de que estes jamais concordariam com a tramoia. Nesse momento, a questão da universidade ganha outra dimensão: esses pais estavam mesmo preocupados com os filhos ou apenas com o estatuto do nome da sua família? Tudo, afinal, tem um preço. Até os pais capazes de violar a lei só para poderem gabar-se de ter um filho ou filha que entrou para uma universidade prestigiada.
Quanto ao homem por detrás do escândalo, o documentário revela o modo como o seu baralho de cartas se desmoronou. E nós podemos acrescentar que, no início de 2023, Rick Singer foi julgado e condenado a três anos e meio de prisão e a pagar uma multa superior a 10 milhões de dólares. Cumpriu 16 meses dessa pena e, depois, saiu em liberdade. Parece que retomou a atividade de consultor na admissão de jovens ao ensino superior. Lá experiência no cargo, isso terá…
Leia ainda: Senhor juiz, isto é esquema de pirâmide ou marketing multinível?