O falecimento de alguém próximo é sempre uma fase difícil. Além da dor da perda, há sempre uma série de burocracias a tratar. A pensar nestes momentos, preparámos um guia para que, passo a passo, possa tratar de tudo o que é necessário após a morte de um familiar.
Primeiros passos após o falecimento
Há uma série passos que terá de dar após o falecimento de um familiar. Desde comunicar a sua morte até perceber se foi deixado algum testamento e perceber se há efetivamente alguma herança.
Comunicar ao Estado a morte do familiar
O primeiro passo é comunicar a morte do familiar ao Estado. Por norma, quando contratar a agência funerária, esta diligência está incluída no pacote de serviços. No entanto, confirme sempre se o farão, já que a não declaração do óbito, até 48 horas após a morte, pode levar à imposição de coimas.
Para tal, é necessário entregar no Espaço Óbito, um Certificado de Óbito. Esta declaração deve ser realizada 48 horas após:
- a morte;
- o cadáver ter sido encontrado;
- a autópsia;
- a dispensa da autópsia;
- ter sido recebida a cópia da guia de internamento emitida por uma autoridade policial.
O documento pode ser entregue online ou presencialmente, num serviço do registo civil, Loja de Cidadão, Espaço Registos do IRN ou consulado português. Este processo é gratuito.
Como saber se tenho alguma herança?
Herdeiros são as pessoas ou entidades que vão assumir a responsabilidade pelo património da pessoa falecida. Assim, estes enquadram o cônjuge, descendentes, ascendentes e o Estado. Mais especificamente podem herdar o património do falecido os seguintes parentescos, pela seguinte ordem:
- o cônjuge (esposa ou esposo) e os descendentes (filhos ou netos da pessoa falecida, se não houver filhos)
- o cônjuge (esposa ou esposo) e os ascendentes (pais ou avós da pessoa falecida, se não houver pais)
- irmãos e seus descendentes (sobrinhos do falecido)
- outros familiares até ao quarto grau (primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos do falecido)
Se não existirem parentes até ao 4.º grau, o Estado torna-se no herdeiro do património do falecido. Repare que fora desta lista estão pessoas unidas de fato. Estas gozam do direito a ficar com a morada de família, mas só serão herdeiras se essa for a vontade expressa do falecido no testamento.
Existe ainda uma exceção: um testamento. Caso a pessoa falecida tenha deixado um testamento, podem herdar os seus bens outras entidades (por exemplo, instituições, empresas, associações, entre outros), assim como pessoas individuais que não tenham nenhuma relação de parentesco com o falecido. Para isso, é necessário que, no testamento, o falecido tenha deixado, de forma explícita, quem queria que herdasse o quê. No entanto, é importante ressalvar que a existência de um testamento não significa que o falecido possa atribuir todos os seus bens a quem quiser.
Existe testamento? Como verificar?
A resposta a esta questão é essencial para identificar os herdeiros. No entanto, tenha em conta que, ao contrário do que acontece noutros países, como os EUA, o de cujus (jargão jurídico para identificar o falecido) não tem total liberdade para dispor dos seus bens, já que a lei impõe a necessidade de deixar parte do património a familiares diretos, como o marido ou mulher, filhos e pais.
Filhos, cônjuge e pais são identificados no Código Civil como herdeiros legitimários, dado que, mesmo havendo testamento, têm direito a uma parte específica da herança, chamada legítima, que não pode ser totalmente excluída pela vontade do falecido.
Ressalve-se, no entanto, que existe a possibilidade de um herdeiro legitimário ser deixado de fora da herança, mas apenas em casos muito particulares. Uma vez que este tem legalmente direito a uma parte da herança, para que ele não possa usufruir desse direito, é necessário que o falecido tenha deixado em testamento a vontade de deserdar essa pessoa. E é preciso que haja um motivo válido.
Para ser possível deserdar uma pessoa, é necessário que ela tenha cometido pelo menos um dos seguintes atos:
- Ter sido condenado por crime cometido contra o autor da sucessão (falecido) ou seus bens, assim como, à honra dos seus descendentes, ascendentes, adotantes ou adotados. O crime deve ter uma pena de prisão mínima de seis meses;
- Ter-se recusado a alimentar ou ajudar o falecido ou o seu cônjuge, sem motivo.
Por outro lado, todos os herdeiros que estão previstos no testamento são nomeados de legítimos, estando assim o seu acesso à herança dependente das proporções doadas após a morte aos sucessores legitimários. Além de pessoas singulares (como amigos e familiares mais distantes), podem estar presentes pessoas coletivas, como empresas ou associações.
Não é possível deixar uma herança a animais, dado que não possuem personalidade jurídica, sendo consideradas coisas com um estatuto próprio.
Quem são os herdeiros legais?
Na prática existem dois tipos de herdeiros: os legais ou legitimários, que têm direito a uma parte da herança, e os legítimos ou testamentários que, como o nome indica são identificados num testamento e, por determinação desse documento, têm direito a uma parte da herança.
Herdeiros legais vs testamentários
Dada a obrigatoriedade de cada herdeiro legal ter direito a parte da herança, está definido na lei as percentagem concretas da herança que são divididas por cada pessoa. Já no caso dos herdeiros testamenteiros, esta proporção é definida no testamento.
As quotas são definidas mediante o número de indivíduos com direito à sucessão. Para tal, é ainda necessário distinguir entre quota disponível e quota legítima.
Esta última é a parte da herança que a lei reserva aos herdeiros legais, enquanto a quota disponível é a que resta aos herdeiros testamenteiros. Ou seja, para definir quem fica com o quê, a lei divide consoante haja ou não testamento.
Cálculo da quota disponível e legal
Assim, é importante que se perceba como são definidas as quotas:
- Se o único herdeiro legal for marido ou mulher, terá direito a metade da herança, sendo a quota disponível para os testamenteiros os restantes 50% da herança;
- Já se os herdeiros legitimários (legais) forem o cônjuge e os filhos, receberão dois terços da herança, sendo a quota disponível um terço desta;
- Não existindo marido ou mulher sobrevivo, a quota legítima dos filhos é de metade ou dois terços da herança, mediante o número de filhos sobrevivos;
- Se não existirem descendentes, mas existir um cônjuge e ascendentes, a quota legítima é de dois terços da herança e a quota disponível um terço.
Quem vai administrar a herança?
Após a morte de um familiar, outra pessoa terá de administrar a herança enquanto ela for indivisa, ou seja, enquanto não houver partilhas.
A esta pessoa a lei denomina de cabeça de casal, cuja escolha é feita por esta ordem:
- o cônjuge herdeiro (a pessoa que estava casada com a pessoa que morreu)
- o testamenteiro (a pessoa que o falecido encarregou de vigiar o cumprimento do testamento ou de o executar)
- os familiares herdeiros mais próximos
- os herdeiros por testamento.
Quando há mais do que uma pessoa na mesma situação, é escolhido:
- a pessoa que vivia com a/o falecida/o há pelo menos um ano à data da morte
- a pessoa mais velha.
Por norma, o cabeça de casal não é pago, a não ser que seja nomeado alguém externo aos herdeiros no testamento e o falecido defina este vencimento. Por outro lado, se o processo de partilha demorar anos, o cabeça de casal tem de prestar contas, anualmente, aos herdeiros.
Como posso saber se existe ou não testamento?
Só se pode saber se existe testamento depois de se confirmar que a pessoa que fez o testamento já morreu. Assim, apenas é possível saber se existe testamento enquanto a pessoa ainda é viva, se ela der autorização.
Após a morte, estas informações passam a ser consideradas de domínio público e podem ser requeridas por qualquer pessoa, através do pedido de uma certidão. Essa certidão chama-se “certidão sobre a existência de testamento, escritura de renúncia ou repúdio de herança ou legado”.
Este documento pode ser pedido online. Para tal, terá de apresentar as seguintes informações:
- Os dados de identificação dessa pessoa, como o nome, a data de nascimento, o nome dos pais e a naturalidade;
- a data e o local da morte;
- a conservatória do registo civil onde está registado o óbito, o ano e o número do registo.
Quando fizer o pedido, será emitida uma referência para fazer o pagamento no multibanco ou homebanking, no valor de 25 euros. Depois de fazer o pagamento, a certidão é emitida em papel e enviada por correio para a morada indicada no pedido.
Abrir o testamento (ou não)
Antes de entender como se abre o testamento, lembre-se que este pode revestir-se de duas formas:
- Testamento público: quando é escrito no Cartório Notarial e fica inscrito no Notário;
- Testamento cerrado: escrito pela pessoa que deixa os bens ou por alguém a seu pedido, recebendo depois a chancela do Notário. Há a possibilidade de ficar na posse do testador (que acaba por ser o falecido) ou de alguém da confiança do testador.
No caso do testamento cerrado, pode ser aberto por qualquer Cartório Notarial. No entanto, se o testamento estiver depositado, a abertura deve ser feita no Cartório Notarial onde o documento se encontra guardado. Pelo que quando marcar a abertura do testamento, terá de ter em atenção onde está o documento.
Por sua vez, a abertura do testamento público é feita no Cartório Notarial, sendo necessário apresentar a Certidão de Óbito.
Inventário e partilhas
Para se conseguir concretizar a herança, é determinante que se saiba exatamente quais são os bens – o que nem sempre é fácil, nem automático – e como se faz a habilitação de herdeiros.
Como identificar os bens?
Sem a existência de um testamento pode ser mais difícil identificar quais os bens que farão parte da lista de património a herdar. Porém, há uma série de procedimentos que podem ajudar a encontrar todos os bens que podem ser chamados à sucessão.
Contas bancárias
Não sabendo que contas bancárias possuía o falecido enquanto titular ou cotitular, deve verificar a Base de Dados de Contas do Banco de Portugal.
Depois, pode pedir informação sobre as contas enquanto herdeiro, de forma escrita ou presencial, no banco em que estiverem as respetivas contas (caso se verifique que existem).
Para este passo, já é necessário levar os documentos de identificação e ainda a escritura da habilitação de herdeiros, provando a condição de herdeiro. Ainda necessita de levar os documentos de identificação do falecido, em originais ou cópias certificadas.
No caso de as contas bancárias não serem movimentadas por titulares ou herdeiros num prazo de 15 anos, os valores depositados são identificados como abandonados e passam a pertencer ao Estado.
Bens mobiliários
No que se refere a bens mobiliários, como ações, obrigações ou unidades de participação em fundos de investimento, a questão pode ser mais complexa.
Para descobrir se o falecido era detentor destes bens, verifique os documentos pertencentes ao mesmo, uma vez que a transmissão gratuita destes bens apenas ocorre por doação ou herança, através de comunicação às Finanças.
Se já estiver na posse dos documentos que o identifiquem como recebedor ou herdeiro de bens mobiliários, tem de pedir uma certidão passada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), através do site, com um custo de três euros. Esta é a forma de comunicar à Autoridade Tributária a doação ou herdade dos bens, e não de descobrir os bens do falecido.
PPR e seguros
Se quiser aceder a um Plano Poupança Reforma (PPR) ou a seguros do falecido, deve dirigir-se à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
Ao dirigir-se à ASF, consegue consultar informações sobre PPR, seguros de vida, de acidentes pessoais ou até em caso de uma operação de capitalização com beneficiários.
Para isto, deve preencher o formulário identificado como “Pedido de Informação sobre Seguros de Vida, Acidentes Pessoais e Operações de Capitalização”. Para que possa completar este formulário, tem de inserir a certidão de óbito e os documentos de identificação do requerente ou representante.
Certificados podem ser reclamados até 20 anos após a morte
Os Certificados de Aforro podem ser reembolsados a favor dos herdeiros ou passar para a esfera destes. Para isso, devem ser reclamados junto da agência que gere a dívida pública, o IGCP. O prazo foi estendido a partir de novembro de 2024, de 10 para 20 anos após a morte.
Se este prazo expirar, o valor dos Certificados de Aforro pode prescrever, passando para o Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP). Para saber se o falecido detinha certificados, terá de comprovar o óbito e apresentar os documentos de identificação do falecido.
Para obter esta declaração de valores à data do óbito do titular dos Certificados em causa, tem de pagar cinco euros por cheque ou vale postal ao IGCP. Além disso, tem de preencher o formulário Modelo 710, enviando cópias dos documentos de identificação do falecido e dos requerentes.
Imóveis
Para identificar os imóveis que fazem parte de uma herança, é necessário consultar o Portal das Finanças com a senha de acesso do falecido ou deslocar-se a um balcão da Autoridade Tributária (AT).
Tanto no balcão, como online, pode pedir a senha de acesso do falecido através do serviço “Senha na Hora”. Depois, só tem de consultar as cadernetas prediais dos imóveis identificados no Portal das Finanças para confirmar a titularidade e o valor patrimonial tributário de cada um.
Leia ainda: Como digitalizar os Certificados de Aforro (e não perder juros)
A habilitação de herdeiros
Com ou sem testamento, é obrigatório realizar a habilitação de herdeiros, o documento escrito por um oficial público que identifica quem são as pessoas com direito à sucessão. O processo começa com a entrega de determinados documentos, nomeadamente:
- Cartão de Cidadão/Bilhete de Identidade do falecido;
- NIF do falecido;
- Certidão de Óbito;
- Certidão de nascimento (pedida há menos de seis meses) de todos os herdeiros;
- Cartão de Cidadão dos herdeiros;
- Comprovativos de morada dos herdeiros;
- Testamento.
Este processo pode ser realizado no Notário ou no Balcão Herança, pertencente ao Instituto de Registos e Notariado (IRN). Se optar pelo segundo local terá ainda de apresentar uma listagem de bens. Por outro lado, não terá de entregar nenhuma certidão ou comprovativos de morada.
Ao marcar no serviço público, pode beneficiar de um preço mais barato e tabelado (com custo base de 150 euros para uma habilitação simples), mas pode vir a demorar mais tempo a marcar.

Registo de bens
Além da habilitação de herdeiros simples, existem heranças em que pode ser necessário o registo de bens, quando estes forem imóveis, carros, valores mobiliários (ações, obrigações ou opções financeiras por exemplo).
Esta modalidade de habilitação – que serve para registar os bens herdados – também pode ser realizada no Cartório Notarial ou no Balcão Herança. Neste último, esta diligência tem um preço de fixo de 375 euros, enquanto no primeiro caso varia de notário para notário.
Para pedir a habilitação de herdeiros com registo, é necessário apresentar um conjunto de documentos, que pode variar conforme o local onde irá fazer o pedido.
Se pedir a habilitação de herdeiros com registo num Cartório, deve apresentar:
- Certidão de óbito;
- documentos que comprovem a sucessão legítima (certidão de casamento, caso a pessoa que morreu tenha sido casada, bem como as certidões de nascimento de todas as pessoas herdeiras);
- certidão de teor do testamento (se existir um testamento) ou a escritura de doação por morte (se for o caso);
- havendo um testamento, é necessário ainda um documento comprovativo do pagamento do Imposto do Selo, se este não tiver sido pago no Cartório.
Por sua vez, se a habilitação de herdeiros com registo for pedida no Espaço Óbito ou num balcão de Heranças, deve apresentar:
- Documento de identificação de todas pessoas herdeiras;
- respetivos números de contribuinte;
- listagem de todos os bens que pertenciam à pessoa que faleceu;
- indicação de como foi feito o acordo de partilhas.
Além desta modalidade de habilitação, pode sempre optar por uma habilitação com registo de bens e partilha. No fundo, o oficial de registo, além de identificar os bens e herdeiros no documento, vai dizer quem fica com o quê, mediante o que está escrito no testamento, ou previsto na lei, relativamente aos herdeiros legitimários e legítimos.

