Portugueses (cada vez) mais conservadores no investimento em fundos

O investimento em fundos mobiliários está a aumentar em 2023, mas o dinheiro está a ser aplicado sobretudo em produtos de baixo risco.

Os portugueses são tradicionalmente bastante conservadores na aplicação do dinheiro que conseguem poupar, uma tendência que está a ser reforçada este ano, apesar de 2023 até estar a ser positivo para os mercados financeiros, convidando a investimentos com maior nível de risco.

Por outro lado, a subida acentuada das taxas de juro para máximos de mais de uma década também reforça a atratividade dos produtos financeiros de baixo risco, que finalmente começam a oferecer rendibilidades mais interessantes depois de uma série de anos com retornos encostados a 0%.

Na escolha entre obrigações e outros títulos de dívida, que oferecem retornos reduzidos, mas mais seguros; face às ações que potenciam valorizações mais elevadas, mas mais incertas, os aforradores portugueses estão claramente a optar pela primeira via. 

A evolução das subscrições e resgates de fundos de investimento mobiliários (FIM) nos últimos meses confirmam claramente esta tendência. Três das categorias de risco mais baixo receberam investimentos próximos de mil milhões de euros nos primeiros nove meses deste ano, com o dinheiro a sair de vários fundos de ações e especializados em ativos de maior risco.

Investidores apostam nos fundos de risco mais baixo

De acordo com os dados recentes publicados pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), as subscrições líquidas (diferença entre subscrições e resgates) de fundos da categoria Obrigações Euro ascenderam a 521,7 milhões de euros entre janeiro e setembro. Nos fundos de Curto Prazo Euro entraram 262,1 milhões de euros no mesmo período, enquanto as aplicações nos fundos do Mercado Monetário Euro foram reforçadas em 180,7 milhões de euros.

As carteiras dos fundos destas três categorias são compostas sobretudo por títulos de dívida, de prazos curtos e mais longos, que beneficiam com a evolução da política monetária dos bancos centrais no combate à inflação. A rendibilidade (yield) das obrigações soberanas da Alemanha, que serve de referência na Europa, superou em outubro a barreira dos 3% pela primeira vez desde 2011.

Esta busca por investimentos mais seguros não é um exclusivo de Portugal, com os investidores a procurarem ativos menos voláteis numa altura em que a turbulência continua a marcar os dias nos mercados financeiros. Só na semana que terminou a 1 de novembro, as subscrições de fundos do mercado monetário totalizaram 65,6 mil milhões de dólares a nível global. Os fundos de obrigações sofreram resgates, culminando um ciclo de 28 semanas de entrada de dinheiro.

Os bancos centrais dos Estados Unidos, Zona Euro e Reino Unido mantiveram as taxas de juro nas últimas reuniões, mas assinalaram que o preço do dinheiro deverá permanecer em níveis elevados nos próximos meses, para garantir que a inflação se encaminha para a meta dos 2%. Uma tendência que favorece a atratividade dos títulos de dívida de curto e longo prazo e deverá contribuir para o desempenho positivo dos fundos que apostam nestes ativos.

Esta corrida aos FIM portugueses de baixo risco ganhou força nos últimos meses. Só em setembro, as subscrições de fundos de obrigações ascenderam a 100 milhões de euros, enquanto a entrada de dinheiro nos fundos de curto prazo totalizou 109 milhões de euros.

A entrada de dinheiro nos FIM portugueses de baixo risco foi feita sobretudo à custa da saída de dinheiro de fundos com nível de risco mais elevado. Os fundos de ações sofreram resgates de 60 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, com a categoria Ações Globais a perder 62,7 milhões de euros, enquanto os fundos de Ações Nacionais conseguiram captar 40,9 milhões de euros.

Os fundos Multiativos Moderados perderam 194,8 milhões de euros e os fundos flexíveis registaram subscrições líquidas negativas de 126,1 milhões de euros. Destaque ainda para os fundos PPR, destinados a captar poupança para a reforma, que foram alvo de resgates líquidos de 70,4 milhões de euros.

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Fundos de ações lideram rendibilidades

Apesar da menor aposta nos fundos de maior risco, são os FIM de ações que lideram as rendibilidades este ano, com diversas categorias a registarem retornos positivos de dois dígitos. Todas as categorias marcam rendibilidades efetivas positivas este ano, sendo que as três que foram alvo de mais subscrições não vão além de retornos de 2%.

Os fundos de Ações da America do Norte registam uma rendibilidade média de 14,3% este ano, em linha com o desempenho muito positivo dos índices de ações de Wall Street em 2023. Os fundos de Ações Ibéricas, fundos de Ações Globais e fundos de Ações Nacionais também marcam ganhos acima de 10%, conseguindo assim recuperar dos retornos negativos registados em 2022.

Os FIM são veículos de captação de poupança sobretudo numa lógica de longo prazo, pelo que ao desempenho em nove meses não deve ser atribuída uma importância muito relevante.

Analisando os retornos a cinco anos, a fotografia é distinta da registada em 2023, embora os fundos de ações continuem a ser os mais rentáveis. O que confirma a tendência de os fundos constituídos sobretudo por ativos de maior risco serem os mais interessantes para efetuar aplicações de longo prazo.

Os fundos de Ações Globais lideram, com uma rendibilidade anualizada a cinco anos de 8%. As cinco categorias com retornos mais elevados no prazo a cinco anos também são de fundos de ações, com rendibilidades anuais entre 2,5% e 4,5%.

Sete categorias registam rendibilidades negativas, destacando-se os Fundos de Obrigações Euro (-1,3%), que estão a ser os preferidos dos portugueses em 2023. Os fundos de Curto Prazo Euro (-0,1%) e os fundos do Mercado Monetário Euro (+0,3%) registam variações muito pouco expressivas no prazo a cinco anos.

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Portugueses preferem depósitos e certificados

À boleia da aposta nos fundos de baixo risco, as subscrições líquidas de FIM nos primeiros nove meses do ano totalizaram 388,6 milhões de euros. A entrada de dinheiro dos clientes e a valorização dos ativos das carteiras levaram o valor gerido pelos FIM para 18.050 mil milhões de euros em setembro, um incremento de 919 milhões de euros face ao final de 2022.

Apesar do desempenho negativo nos últimos tempos (-0,2% de rendibilidade anualizada a 5 anos) e resgates por parte dos clientes, os fundos PPR continuam a ser a categoria mais representativa, com 3.625,6 milhões de euros em ativos sob gestão, o que equivale a uma quota de mercado de 20,1%. Seguem-se os fundos Multiativos Moderados (2.807,4 milhões) e os fundos de Ações Globais (2.544,9 milhões de euros).

Com a entrada de mais de 500 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, os fundos de Obrigações Euro reforçaram o estatuto de quarta categoria mais relevante, com ativos sob gestão a subirem para 2.354,2 milhões de euros. Já os fundos de Curto Prazo superaram a fasquia dos 1.000 milhões de euros.

Se a evolução das subscrições dos fundos evidencia o conservadorismo dos portugueses na aplicação das poupanças, os fluxos e os “stocks” de outros produtos com risco ainda mais reduzido confirmam esta tendência.

Apesar da saída de 7.782 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano, os depósitos continuam a ser o destino de eleição dos aforradores portugueses. O volume de depósitos desceu para 174.655 milhões de euros, com parte do dinheiro a ser transferido para certificados de Aforro, que ofereceram uma remuneração atrativa até o Governo alterar as regras.

Os portugueses aplicaram perto de 11 mil milhões de euros em certificados de Aforro e Certificados do Tesouro nos primeiros nove meses do ano, elevando o “stock” de investimento em produtos de poupança do Estado para 45.725 milhões de euros.

Tendo em conta apenas estes três ativos (depósitos, certificados e fundos de investimento mobiliário), por cada 100 euros investidos, os portugueses tem 73 euros em contas bancárias, 19 euros em certificados de Aforro e certificados do Tesouro e apenas 8 euros em FIM. Acresce que uma parte substancial destes 8% de poupanças aplicadas em FIM estão em fundos de baixo risco.  

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

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