Cultura e Lazer

Os vícios da Revolução Industrial

Um jogo de tabuleiro que nos põe na pele de empreendedor, na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX. Fica o aviso: Brass pode ser francamente aditivo.

Com duas versões disponíveis (o original “Lancashire” e a sequela “Birmingham”), o jogo de tabuleiro Brass remete-nos para o período entre 1770 e 1870. Debruçados sobre um mapa da Inglaterra, onde a escuridão nos remete para o céu toldado pela fuligem do carvão, os jogadores têm de encontrar a melhor estratégia para atingir a supremacia nos mercados emergentes. E se nas primeiras rondas tudo parece girar de mansinho, face à escassez de infraestruturas e dinheiro, não tarda a que todos fiquem imersos no turbilhão económico da revolução industrial que transformou o mundo.

Dilema: Fico com o famoso Watt ou com “A Viúva”?

Separado em duas eras – a dos canais, em que a circulação se faz através dos rios, e a dos caminhos de ferro – Brass propõe várias vias para a criação de um império. Pode investir-se fortemente nas ligações entre cidades ou apostar principalmente no desenvolvimento da indústria, através da construção de fábricas de algodão e de cerâmica, minas de carvão, metalurgias e cervejarias. Para quem estranhe a presença da cerveja, o manual do jogo traz a explicação. Numa das várias notas históricas, diz-se que, à época, a água potável era uma raridade nas localidades mais recentes; ora, entre as bebidas disponíveis, a cerveja acabava por ser a mais pura e segura para consumo.

Por falar em história, aqui é possível assumir o papel de autênticos empreendedores. Entre as oito personagens propostas, sobressai o nome de James Watt, o revolucionador do motor a vapor, cujo apelido ainda hoje denomina a unidade de potência do sistema internacional. Mas também valerá a pena conhecer a biografia resumida de Robert Owen, criador de uma das primeiras bibliotecas públicas e paladino dos direitos dos trabalhadores – lutou pela jornada de oito horas diárias de trabalho –, e dos direitos das crianças, para as quais fundou uma escola gratuita, aberta a meninos e meninas. Tudo muito bem e muito certo, mas, felizmente, não é tudo homens. E chega a ser com exultação que vestimos a pele de Eliza Tinsley, mulher que assumiu as rédeas do negócio do marido e do sogro, após a morte destes. A companhia liderada por “A Viúva” produzia pregos para ferraduras e correntes e âncoras para barcos, dando emprego a cerca de 4.000 pessoas, muitas das quais mulheres e raparigas. Ou, então, podemos fazer as vezes de Eleanor Coade, mulher que, aos 30 anos, já tinha o seu próprio negócio de fazendas. Depois, ramificou a empresa para o grés cerâmico, material que seria utilizado em mais de 700 esculturas espalhadas por várias partes do mundo.

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Para lucrar, é preciso investir

Independentemente da figura histórica que selecionemos, será importante que nunca nos esqueçamos da palavra “empreendedor”. Temos de estar predispostos a arriscar. A investir primeiro para, no fim, gerar lucro. Como o investimento requer dinheiro, é preciso dar o salto de fé de pedir um empréstimo. Um não, vários. Eis o detalhe mais excitante – e desafiante – deste jogo: «Não ter medo de contrair empréstimos», como nos é dito na secção das dicas para principiantes. Este receio advém de quê? Do facto de termos de baixar o nosso rendimento para, em troca, obtermos do banco as preciosas libras necessárias para a construção de novos edifícios, canais e ferrovias. O novato em Brass terá, na verdade, alguma dificuldade em perceber esta troca; como é que se pode ganhar o jogo, caso se aceite receber menos dinheiro no final da ronda?

Pois bem, não haverá outra forma de obter sucesso. Como o rendimento inicial é nulo ou escasso, o empreendedor precisa de angariar capital rapidamente. Se não construir nada seu – e como é caro levantar fábricas! –, nunca poderá vender os seus produtos. Recorra-se, então, ao crédito bancário. Os criadores asseguram que é uma opção válida: «Não é invulgar que os jogadores mais experientes ganhem o jogo, apesar de terem um nível baixo de rendimento.»

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Pedir minérios “emprestados” ao vizinho

Com dinheirinho fresco, sejamos Eliza ou Eleanor, recorremos às cartas na nossa mão para edificar indústrias nos vários locais do mapa, o que exige o consumo de carvão e, às vezes, de ferro. Se não tivermos uma mina ou uma metalurgia nossas, podemos usar as do adversário, desde que os dois pontos do mapa estejam ligados por barcaça ou locomotiva. E desde que tenhamos dinheiro para lhe pagar os minérios, que aqui não há borlas. Nas restantes ações, o jogador desenvolve tecnologias avançadas para as suas instalações e expande a sua cadeia de abastecimento. Quando quiser vender aos mercados externos os têxteis, mercadorias e cerâmicas que produziu, então vai ter de pagar uns barris de cerveja aos homens; só assim eles executam a tarefa.

Os pontos de vitória somam-se no final de cada era, com base no império industrial de cada jogador. Mas ganhar ou perder, neste caso, até parece secundário. O percurso já é tão gratificante em si mesmo que apetece logo preparar o tabuleiro para mais uma aventura na era da revolução industrial. Quem queremos ser desta vez: o engenhoso James Watt ou a indomável Viúva Tinsley?

Nota: ao escrevermos este texto, “Brass: Birmingham” ocupa o primeiro posto na lista de melhores jogos de sempre, no site de referência “Board Game Geek”. “Brass: Lancanshire” também não está mal: vigésimo lugar da lista.

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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