Cultura e Lazer

Preservação e lucro: Inimigos de mãos dadas

Dois jogos que nos relembram a importância da vida animal e da água, sem se esquecerem de nos dar estimulantes mecanismos económicos.

Em março celebram-se o Dia Mundial da Vida Selvagem e o Dia Mundial da Água. Nos anos mais recentes, o universo dos jogos de tabuleiro foi tomado de assalto por “Ark Nova”, título que coloca o jogador no papel de planear e construir um jardim zoológico moderno. Que quer dizer este moderno? Ligado à ciência e com espírito de proteção das espécies animais. Quanto à água, pois que se trata do bem mais precioso de “Barrage”.

Zoológico facilmente rentável

No início de um jogo de “Ark Nova” (2021), o dinheiro disponível para montar o nosso parque é tão escasso que fazer-se alguma coisa de jeito até parece tarefa impossível. Contudo, depressa concluímos que não será demasiado complicado começar a ter um rendimento considerável, pois os fundos surgem de muitas e variadas fontes. É a estratégia da diversificação, tal como nos investimentos financeiros.

Assim, podemos construir quiosques junto de várias atrações, para obter a respetiva receita; podemos contratar especialistas que funcionam como fontes de financiamento suplementar; podemos adquirir espécies raras ou imponentes que aumentam a atratividade do nosso zoológico; podemos associar-nos a parques dos vários continentes para obtermos descontos na aquisição de animais dessas proveniências; podemos recolher dinheiro quando construímos sobre um hexágono do nosso mapa que inclui um bónus de moedas. Após umas quantas rondas, o dinheiro até entra em catadupa. 

Resistir ao lucro pelo lucro

Porém, Mathias Wigge, designer de “Ark Nova” (2021), criou um jogo que está além do mero colecionismo de animais exóticos ou do empresário que enriquece até se tornar um milionário. Alguns mecanismos incitam os gestores dos zoológicos a desviarem os olhos do puro lucro, para se dedicarem também à pesquisa científica e à preservação das espécies.

Caso isso não tenha sido apreendido durante o jogo, será bastante visível na contabilidade final. Dado que o fim do jogo se despoleta quando o marcador da bilheteira de um jogador se cruza com o marcador da conservação do mesmo jogador, quem se tiver “esquecido” de investir na área da conservação estará em maus-lençóis. Para obter a vitória, é preciso resistir à corrida cega pelo aumento de receitas de bilheteira e pensar um pouco no futuro da vida selvagem.

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Cartas que sobem de valor

A aspeto mais inovador de Ark Nova consiste nas cinco cartas de ações disponíveis para cada jogador, as quais sobem de nível – e de poder – sempre que não são jogadas. Pensemos nelas como um investimento em certificados de aforro ou Tesouro; quanto mais tempo deixarmos passar sem que resgatemos uma carta, maiores dividendos ela nos dará quando finalmente o fizermos. Baseemos um exemplo concreto na carta Sponsors (patrocinadores), ação que pode ser usada de duas maneiras: ou para contratar cientistas para a nossa equipa ou para ganhar dinheiro. Nesta última opção, se usarmos a carta no nível 1, obtemos 1 crédito; se a usarmos no nível 5, recebemos 5 créditos. Ou seja, compensa só usar as cartas nos seus níveis mais altos (quando os seus poderes atingem o topo ou ficam perto disso), o que obriga o jogador a um planeamento estratégico que preveja uma sequência de três ou quatro ações diferentes. Tudo na tentativa de obter o máximo rendimento de cada carta.

Este dilema entre usar já ou usar depois, bem como o equilíbrio entre receitas de bilheteira e investimento na ciência, são alguns dos quebra-cabeças mais estimulantes de Ark Nova. Quem diria que um jogo de jardins zoológicos seria capaz de empurrar o jogador para uma consciência ecológica, forçando-o, caso queira ganhar, a participar no esforço de conservação da vida animal do nosso planeta?

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Uma distopia em que água equivale a poder

A apresentação de “Barrage” (2019) diz-nos tratar-se de um jogo em que várias nações competem pelo domínio hidroelétrico, num mundo distópico em que a água equivale a poder sobre os adversários. Eles dizem que é um mundo distópico? Por enquanto, talvez; no futuro, quem sabe? A história idealizada para Barrage remete-nos, realmente, para um passado alternativo: na década de 1930, a revolução industrial explorou de tal forma os recursos fósseis do planeta que os rios ficaram como o único recurso capaz de alimentar a sede de progresso. A região dos Alpes é, agora, um dos territórios mais apetecíveis e os jogadores vestem a pele de representantes de companhias internacionais, ansiosas por reclamarem para si os melhores locais para a exploração dos cursos de água.

Através de maquinaria, patentes, engenheiros e brilhantes executivos, cada potência (Alemanha, Estados Unidos, França e Itália são as quatro nações do jogo base; uma expansão adiciona os Países Baixos) constrói as suas barragens, as suas condutas e as suas centrais hidroelétricas. O objetivo final é a produção de energia e a consequente resolução de contratos que dão pontos de vitória.

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Gota a gota se ganha um jogo

Ligando as categorias de economia e ambiente, Barrage usa os mecanismos típicos dos contratos, do rendimento e da construção de redes de valor para criar uma experiência que ganhou rapidamente fãs na comunidade dos jogos de tabuleiro (se Ark Nova ascendeu até um lugar dentro do top 10 do site de referência BoardGameGeek, Barrage parece ter encontrado um posto seguro dentro do top 50). É compreensível o apelo de sermos o figurão de uma grande companhia, que tem de gerir com eficácia os seus trabalhadores, as suas escavadoras e misturadoras de betão, e, claro, o seu dinheiro.

Mas é a representação do fluxo dos rios que revela, de forma muito tátil e visual, a importância dos recursos aquíferos. As pequenas e brilhantes gotinhas de água que, ronda a ronda, vão caindo pelo tabuleiro são incrivelmente valiosas; conseguir que uma (ou duas!) fiquem retidas numa das nossas barragens dá, na verdade, uma sensação de poder, mas também de sermos donos de uma preciosíssima riqueza natural. Ter água é estar um passo mais perto de gerar energia. Gota a gota se vence um jogo de Barrage. Gota a gota, talvez se salve um planeta.

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

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