Vida e família

Que dizem os teus olhos? Que me queres enganar (vol.1)

Por vezes, até parece que o mundo se divide entre os burlões e os burlados. Confirmação do provérbio popular de que "anda meio mundo a enganar outro meio"?

Por vezes, até parece que o mundo se divide entre os burlões e os burlados. Confirmação do provérbio popular de que "anda meio mundo a enganar outro meio"?

Isto de não se ser enganado, especialmente na era da Internet, tornou-se tarefa ainda mais difícil, convenhamos. Mas será que alguns provérbios seculares podem dar uma ajuda?

Há bichos e entidades que dificilmente se escapam da fama. Alguém confiaria no Diabo, mesmo que ele se apresentasse como bonzinho? "Quando o diabo reza, enganar te quer." A raposa, coitada, também nos deixa logo de pé atrás. E para que o galinheiro não seja assaltado, é preciso tomar medidas preventivas: "Quem a raposa há de enganar, cumpre-lhe madrugar." Mas nem tudo é assim tão transparente. Muitas vezes, o problema está precisamente nas perceções.

Fórmulas para descobrir charlatanices

"Aqui há gato!", diz-se. Pode apenas ter sido o bicho que roubou um carapau da travessa, e o mal está feito, mas também pode significar algo que não soa ou não parece bem, por ter escondida uma marosca qualquer. Talvez seja de desconfiar… Anda por aí muita gente com "boca de mel, coração de fel". E, como não faltam truques para nos levar com falinhas mansas, precisamos de fórmulas para desvendá-los. Eis três das mais famosas:

  • "Isso traz água no bico", ou seja, como explica Paulo Perestrello da Câmara, no seu livro de 1848, “cousa que encerra mais do que mostra, pretensão oculta”.    
  • "Querer encobrir o céu com a peneira", ou seja, tentar esconder o que está bem à vista de todos.
  • "Vender gato por lebre", provérbio que também se encontra na versão "Passar gato por lebre" que o dicionário do Reader’s Digest sobre locuções e ditos curiosos define como “cometer uma fraude, enganar alguém, prometendo ou vendendo coisa valiosa e dando depois coisa inferior”.

Ah, que lindos olhos de intrujo que tu tens!

Para o conselheiro Rodrigues de Bastos, o melhor é fazer como em certo programa televisivo e olhar as pessoas nos olhos: "Os olhos não enganam, nem mesmo quando pretendem enganar". Mas a sua Coleção de Pensamentos, Máximas e Provérbios, de 1847, inclui outras entradas sobre o tema que só desajudam, complicando o que parecia fácil. Que concluir de um "há lagrimas, que nos enganam a nós mesmos, depois de enganarem os outros"? Desta vez, conselheiro, desculpe, mas temos de ir buscar respostas a outros livros.

Queremos sinais, indícios, coisas que possam identificar logo quem vai "roer a corda a alguém", quem vai "dar o dito por não dito". Pois bem, segundo Francisco Rolland, no seu livro de adágios de 1841, é preciso ter cuidado com os elogios exagerados: "Quem te honra mais do que soe, ou te quer enganar, ou ver se pode". É aviso antiquíssimo, já inscrito por António Delicado no seu Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns, de 1651, sob outra forma e com as respetivas legendas: "Quem te faz festa, nam soendo (não sendo seu costume) fazer, ou te quer enganar, ou te há mister (precisa de ti)". Cuidado também com o "homem de duas caras" (refalsado, disfarçado), com certos nomes, "Miguel, Miguel, não tens abelhas e vendes mel", com os "troca-tintas" (homem caloteiro, bandalho, velhaco).

Ora, isso a mim nunca me acontecia!

E aquele ali? "Não tem letras, mas tem tretas", ou seja, não é sábio, mas sim ardiloso, como explicita o nosso amigo Perestrello da Câmara. É preciso ter os olhos bem abertos, até porque "quem fala com os olhos fechados quer ver os outros enganados". E quanto àquilo de se pensar que só acontece aos outros? Dois avisos já com uns séculos de circulação. "O escudeiro que engana seu vizinho engana tua casa" e "o mais simples dos homens, se ele sabe calar-se, pode enganar o mais fino".

Esta última sentença vem-nos do Conselheiro; deve ser ele a tentar redimir-se da pouca ajuda anterior. Não sei se conseguiu, senhor Rodrigues de Bastos… O quê? Está a dizer que este texto também não ajudou nada? Isso é porque guardámos uns conselhos práticos para outra altura. Acha que podíamos explicar os truques que os aldrabões usam no mesmo texto em que dizíamos quem eles eram? E se eles liam? E se eles ficavam a saber que nós já sabíamos? Nada disso. Eles não podem saber que vai haver um segundo volume sobre aldrabices. Chiu.

Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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