Por muito que nos custe admitir, estamos a falhar na educação financeira das nossas crianças. Os dados do 1.º Barómetro de Hábitos Financeiros, conduzido pelo Doutor Finanças, não deixam margem para dúvidas: os mais novos estão a crescer numa cultura de improviso, dependência e silêncio quando o tema é dinheiro. E o problema não é só o futuro deles — é o nosso também.

Comecemos pelo básico: quase 60% dos pais portugueses dão dinheiro aos filhos apenas quando estes pedem. Não há regularidade, não há previsibilidade, não há espaço para o erro e, consequentemente, não há aprendizagem. Não se trata aqui de discutir valores — cada família saberá o que pode ou não dar. Trata-se de perceber que a ausência de uma mesada ou semanada regular é uma oportunidade perdida de ensinar o que significa gerir recursos, planear, fazer escolhas e lidar com consequências.

Não é à toa que apenas um em cada cinco adolescentes portugueses gere o seu dinheiro de forma autónoma. A maioria continua a recorrer aos pais para “reforços”, perpetuando a ilusão de que a tesouraria familiar é infinita. E, sejamos honestos: como esperamos criar adultos responsáveis se, em casa, os ensinamos que dinheiro é algo que se pede quando se quer, e não se planeia quando se tem?

A questão agrava-se quando olhamos para os hábitos de poupança. Mais de metade das crianças guarda o dinheiro num mealheiro. Poupar é bom, claro. Mas poupar sem objetivo, ou apenas “porque sim”, pouco ensina. Pior: este modelo ignora o potencial dos juros compostos, que poderiam estar a trabalhar silenciosamente a favor destas crianças — se apenas lhes déssemos acesso, ou pelo menos conhecimento, de opções mais vantajosas como fundos de investimento simples e acessíveis.

E há algo de ainda mais preocupante neste retrato: o silêncio. Um terço dos pais raramente fala de dinheiro com os filhos. Num país onde a literacia financeira é cronicamente baixa, manter este tabu é um erro estratégico. Estudos internacionais já mostraram que o simples facto de envolver os adolescentes em conversas sobre o orçamento familiar os torna significativamente mais propensos a poupar na vida adulta. A omissão, neste caso, é também uma forma de ensino — e não é das boas.

As consequências estão à vista e têm sido estudadas ao detalhe: crianças que não desenvolvem autocontrolo financeiro tendem, em adultos, a ter mais dívidas e menos ativos. A explicação é simples — não praticaram cedo o que é adiar recompensas, gerir limites, fazer escolhas. E isso, como qualquer habilidade, aprende-se com treino.

O paradoxo é gritante: queremos filhos responsáveis, mas recusamos-lhes o espaço seguro para errar. Queremos adultos conscientes, mas escondemos deles as conversas que mais poderiam prepará-los. Queremos poupança, mas limitamo-nos ao mealheiro. O que estamos mesmo a ensinar?

Educar financeiramente é mais do que ensinar a fazer contas — é ensinar a pensar, a escolher, a priorizar. É dar espaço para decisões, mesmo que pequenas. É falar abertamente sobre dinheiro, sem culpa nem vergonha. E é, acima de tudo, começar cedo.

O ideal era termos começado ontem. O segundo melhor momento é hoje. E ainda vamos a tempo de fazer diferente. Porque formar uma geração que sabe gerir dinheiro não é apenas uma questão de futuro — é uma urgência do presente.

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