As Perguntas que Somos

Um livro com 34 entrevistas mostra, pela pergunta, visões multidisciplinares atuais para mapear a diversidade de que (todos) somos feitos.

«Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo». Leio entre as palavras de Clarice Lispector (1920-1977) e identifico-me, com assombro, como se um sismo me tivesse atravessado. Porque a «esperança de transformar o mundo tem sempre razão», refere Irene Vallejo no seu livro O Infinito num Junco.

São, de duas mulheres amantes dos livros, premissas fundadoras que humildemente reconheço ao Entre | Vistas, o blogue ou, se quisermos, a plataforma de comunicação cultural que fundei no dia 22 de novembro de 2014, com o propósito de criar uma comunidade em torno da comunicação e da cultura e, dessa forma, da diversidade.

E a proposta de, a partir da pergunta, juntar respostas que contribuam – mesmo sabendo não ser leve a missão – para transformar o mundo, para melhor. O mesmo propósito esteve implícito ao lançamento, há um ano, do livro As Perguntas que Somos, que colige as entrevistas mais intemporais do Entre | Vistas. Mas voltemos atrás.     

Disponível em entre-vistas.pt, o Entre | Vistas teve desde a primeira hora três critérios: 1) uma vontade de escutar e dar voz, pela pergunta, a personalidades líderes, inquietantes, desassossegadas, com valor e valores, para a construção de um mosaico de saberes humanistas; 2) um exercício de cidadania cultural para a promoção de práticas de leitura e cruzamento de conhecimentos; 3) e uma resposta ativa e consciente a Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, que desde o início do seu pontificado promove uma presença obrigatória e responsável no digital. Subjacente aos três critérios, está a diversidade de pensamento. A mesma que procurou estar na base da publicação do livro ao qual o Entre | Vistas deu origem, um projeto de liderança.   

Leia ainda: Do meu bairro ao condomínio do mundo é um passo

Do site ao livro: A diversidade de pensamento

Em 2022, reuni no emblemático Martinho da Arcada, em Lisboa, com Virgínia do Carmo, a fundadora da Poética Edições, que me ouviu atentíssima, solidária com os valores e o valor de fazer um livro assim. Levei no bolso uma ideia, acomodada na história de vida do próprio Entre | Vistas, para apresentar e defender com a paixão e o afinco que dedico a tudo em que creio. E creio ser importante, mesmo a contraciclo neste mundo relâmpago em que tantas vezes a velocidade se sobrepõe à verdade, realizar este sonho que a Poética Edições aceitou prontamente concretizar: coligir as entrevistas mais intemporais do Entre | Vistas, para as fixar no tempo.

Ao todo, contam-se 34 entrevistas com uma representatividade, ainda que imperfeita, que se procurou relevante, significativa e agregadora de diferentes perfis, idades, geografias e disciplinas. Da literatura à matemática, passando pela gestão, a ciência política e a história da arte, o sacerdócio e a fé, a fotografia, a comunicação, a arquitetura ou a enologia.

Leia ainda: Que job description para a diversidade?

Uma representação imperfeita, mas relevante de perfis de liderança

Entre os 34, encontramos o escritor Afonso Cruz; a escritora Ana Margarida de Carvalho; a gestora da Galp, Ana Sofia Silveira; a gestora da Pfizer Ana Torres; o poeta André Osório; a encadernadora de livros Andreia Tibério dos Santos; o professor, poeta e tradutor Carlos Ascenso André; o escritor e programador cultural Carlos Campaniço; o professor e investigador da Universidade do Minho Carlos Mendes de Sousa; a escritora Inês Francisco Jacob; a arquiteta Joana Marcelino; o empresário e ultramaratonista João Neto; o gestor e consultor João Pedro Tavares; o matemático Jorge Galhardas; o escrito José Luís Peixoto; a escritora Lídia Jorge; o treinador de comunicação Luís Loureiro; a presidente da Terra dos Sonhos Madalena d'Orey; a consultora para a inclusão Mafalda Ribeiro; a escritora e editora Maria do Rosário Pedreira; a cientista política Marina Costa Lobo; o ator e humorista Miguel Lambertini; a investigadora da Universidade de São Paulo Nádia Battella Gotlib; o diretor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa Nelson Ribeiro; o padre Paulo Duarte; o historiadora da arte Pedro Flor; o economista Pedro Norton de Matos; o artista Pedro Proença; a escritora Raquel Serejo Martins; a diretora-geral da Bonifácio Wines Rita Bonifácio; a jornalista e escritora Rosa Montero; o empresário Rui Nabeiro; o fotógrafo e biólogo Veríssimo Dias; e o padre Vítor Feytor Pinto.

Ao longo das conversas com os 34 entrevistados, apelidadas no subtítulo de Entre | Vistas à Humanidade, há um diálogo imaginário implícito com a humanidade e vão nessa linha sendo lançadas pistas para a nossa própria compreensão do humano. Nas várias respostas, vamos encontrando aquelas especificidades tão singulares a partir das quais conseguimos, afinal, ler o que todos somos. «Ouvimos muitas vezes dizer que à nossa época faltam mestres. Temos especialistas de todo o género, tornámo-nos uma sociedade de peritos (…). Mas faltam-nos guias capazes de fazer uma síntese». Lembra-nos José Tolentino Mendonça, no seu livro O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas. É essa diversidade de que somos feitos quando nos juntamos a partir do que temos de diferente... que o livro ilustra.  

Comunicação e liderança como laboratórios da entrevista

Tenho, ao longo dos anos, vindo a consolidar uma ideia sobre o propósito da comunicação e do comunicador (porque essa tem sido, afinal, a minha vida!). Não raras vezes, entendemos que o bom comunicador é quem fala bem, quem faz um bom discurso, quem tem o dom da palavra e uma excelente dicção. Hoje, estou profundamente convicta de que um bom comunicador é, em primeiríssimo lugar, um bom ouvinte, uma pessoa que escuta, que escuta bem; um bom comunicador é, como um líder, uma pessoa que agrega, que estabelece pontes, gera consensos, constrói a partir das diferenças e das limitações, encontra soluções de compromisso, dialoga.

Ora, a comunicação tem essa componente relacional, por excelência, que pressupõe ter a inteligência, a sabedoria e a sensibilidade para criar uma relação com quem está a ouvir-nos; escutar; dar o brilho a quem nos ouve; dar a voz a quem nos ouve; criar as condições a todos os níveis para que nos compreendam e interiorizem a nossa mensagem, que é suposto acrescentar, enriquecer. Na comunicação, não falamos para nós nem connosco. Não somos nós que estamos do outro lado. A transmissão de mensagens deve estar ancorada na interação, no diálogo, na relação. Comunicar não é estar ao espelho para nos enfatizarmos refletidos; é projetar no outro o melhor que se tem com o desiderato de o motivar à irreverência de fazer o mesmo. Para mim, está aqui o laboratório da entrevista. A metodologia para a pergunta. Porque, no fundo, conhecer o outro através da pergunta é, portanto, servir. É um ato de despojamento mais do que apropriação, domínio ou poder. Conhecer implica sair de si e ousar abraçar o diferente, o desconhecido. Mesmo que seja (muito) desconhecido. Gritantemente diverso.

Não sei se o consegui fazer bem, mas foi esse o contributo que procurei deixar neste livro que espero que, por contraponto com o digital, fique. Permaneça. Se eternize. 

Sabemos que, na senda do filósofo germano-coreano Byung-Chul Han, o tempo em que agora vivemos não se compagina com a verdade, porque essa leva muito tempo a desenhar-se e a ganhar clareza. Há, segundo o autor, uma preponderância da eficácia (das informações) sobre a verdade (das coisas). E isso tem, naturalmente, consequências. «Tomamos conhecimento de tudo, sem chegarmos a conclusões. Viajamos para toda a parte sem adquirirmos experiência. Comunicamos ininterruptamente sem participarmos numa comunidade. Armazenamos grandes quantidades de dados sem perseguirmos recordações. Acumulamos amigos e seguidores sem nos encontrarmos uns com os outros. As informações desenvolvem assim uma forma de vida sem estabilidade e duração». Faz, por isso, para mim todo o sentido promover a evolução do site para o livro. Porque o livro é, por contraponto com o digital, e retomando uma expressão de Byung-Chul Han, um ponto de «repouso da vida».

Leia ainda: Networking e Diversidade: Rede de contactos ou relações de confiança?

O valor da pergunta

No fio condutor, vem a pergunta. Num tempo em que as respostas se querem prontas a servir, há que perguntar. Perguntar melhor. Até encontrarmos respostas que nos sirvam. Em todo o arco narrativo, este livro é uma pergunta.

Foi a importância que atribuo à pergunta que me ajudou a descobrir o título As Perguntas que Somos, no pressuposto de que as nossas perguntas essenciais revelam determinantemente o que somos. A pergunta vem também no conceito gráfico da capa, da autoria da incrível designer Sara Vaz Pinto, que agregou os rostos de todos os entrevistados num ponto de interrogação.

Foi a pergunta que me levou a identificar para desenvolver o Prefácio do livro uma mulher experimentadora de curiosidades, cientista, cujo trabalho tem como principal matéria-prima… a pergunta. Maria Manuel Mota, reconhecida e premiada internacionalmente pelas descobertas lideradas no combate à malária, Diretora Executiva do Instituto de Medicina Molecular, Prémio Pessoa 2013. Para o Posfácio, tenho o gosto profissional e pessoal de contar com o olhar de José Miguel Sardica, prestigiado historiador, com reputada experiência académica, nacional e internacional, professor e investigador da Universidade Católica Portuguesa, na qual fui por duas vezes sua aluna e cuja marca nos alunos, devo dizê-lo, é para a vida. Com a sua visão, permite ao leitor ganhar uma leitura global, espécie de testemunho distanciado sobre as 34 entrevistas, suas possíveis ligações temporais, disciplinas representadas, factos históricos latentes, sentidos figurados extraídos das cronologias abrangidas nestas conversas “acima do tempo”.

Para uma uniformização da linguagem visual, e procurando dar a esse nível um salto de qualidade relativamente ao site, desafiei a premiada fotógrafa Isabel Nolasco a assegurar a componente fotográfica. A partir do olhar humanista da Isabel, procurei (re)ver todos os entrevistados e permitir que sejam mostrados os traços de vida, os valores, as experiências, os saberes que em cada recanto do seu rosto simbolizam o que são. Para além das respostas que deram. E para além das perguntas que (procuram definir quem) são.

Porque o Entre | Vistas, que evoluiu para o formato livro, consiste nessas perguntas (tantas vezes guardadas no íntimo) que nos levam ao princípio, nos situam e nos atiram para o futuro: As Perguntas Que Somos.

Leia ainda: Uma História da (des)igualdade – Factos, Números e Magos

Presidente da PWN Lisbon, organização internacional focada no desenvolvimento da liderança. Há 18 anos no setor das comunicações, é profissional de comunicação e marketing, com o mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade Católica Portuguesa. Fundou o Entre | Vistas, plataforma digital de comunicação cultural que originou o livro da sua autoria As Perguntas que Somos.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

Partilhe este artigo
Tem dúvidas sobre o assunto deste artigo?

No Fórum Finanças Pessoais irá encontrar uma grande comunidade que discute temas ligados à Poupança e Investimentos.
Visite o fórum e coloque a sua questão. A sua pergunta pode ajudar outras pessoas.

Ir para o Fórum Finanças Pessoais
Deixe o seu comentário

Indique o seu nome

Insira um e-mail válido

Fique a par das novidades

Receba uma seleção de artigos que escolhemos para si.

Ative as notificações do browser para receber a seleção de artigos que escolhemos para si.

Ative as notificações do browser
Obrigado pela subscrição

Queremos ajudá-lo a gerir melhor a saúde da sua carteira.

Não fique de fora

Esta seleção de artigos vai ajudá-lo a gerir melhor a sua saúde financeira.